A morte sem mais sacrifícios

O Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou uma resolução que permite aos médicos interromper os tratamentos que prolongam a vida dos doentes quando eles estão em estado terminal e não têm chance de cura. Com a nova resolução, serão mais comuns mortes como a do Papa João Paulo II e a do ex-governador de São Paulo, Mário Covas. Eles preferiram passar seus últimos momentos em quartos comuns, recebendo os chamados cuidados paliativos, em vez de ficarem em UTIs, aos cuidados de médicos que certamente tentariam ressuscitá-los.

Isso só pode ocorrer se for a vontade explícita do próprio doente ou de seus familiares. A prática é chamada de ortotanásia, mas esta palavra costuma ser evitada pelos médicos. Temem que seja confundida com a eutanásia. São práticas diferentes. A eutanásia é o procedimento que antecipa uma morte inevitável. Isso, pelas leis brasileiras, é homicídio. No caso da ortotanásia, o médico desliga os aparelhos, e a morte ocorre naturalmente, sem qualquer tipo de indução.

Obstinação terapêutica

O que fazer com os pacientes em fase terminal sempre foi um dos maiores dilemas dos médicos. A prática, de maneira geral, tem sido manter o paciente vivo o maior tempo possível. Por causa disso, muitos doentes morrem internados em unidades de tratamento intensivo (UTIs), ligados a aparelhos e afastados da família.

?A ortotanásia não é uma infração ética nem uma derrota?, explica o cardiologista Roberto d?Ávila, diretor do CFM e um dos responsáveis pela elaboração do texto que acaba de ser aprovado. Para ele, os médicos são treinados para vencer a morte a qualquer custo. Mas precisam parar com essa obstinação terapêutica e começar a se preocupar com o paciente, para que ele tenha uma morte sem dor, com sedação se for necessário, com conforto psíquico e espiritual. ?Os médicos precisam entender que a morte não é um inimigo e, sim, algo natural?, enfatiza.

É difícil lidar com a perda

Perder e ganhar são processos naturais e que fazem parte da vida de todo ser humano. O problema é que na sociedade em que vivemos perder pode significar incapacidade, descontrole, fatores que desencadeiam sofrimento e dor, independente de ser uma perda afetiva, material ou até de perspectiva.

Dentre as perdas mais freqüentes, talvez a mais dolorida e que causa maior dano às pessoas, está a morte. Para a especialista em cuidados paliativos e tanatoterapeuta Mara Wiegel, a perda pela morte é avassaladora e profunda, e isso é capaz de desencadear efeitos mais graves. Entretanto, tais sentimentos de angústia e melancolia, se tratados de maneira adequada, podem ser amenizados.

?Para superar as crises, é necessário aceitar que ela existe. A dor deve ser expressada, compartilhada. Muitos profissionais que lidam diretamente com o tema têm a mesma opinião. Perder alguém sempre é uma tristeza profunda. ?Quem perde se sente desamparado, abandonado e procura apoio na religião ou em terapias, que ajudam a suportar a dor?, diz a psicóloga Valéria Cimatti.

A especialista alerta que muitas pessoas, mesmo depois de muito tempo, não assimilam a morte dos entes queridos e, simplesmente, se ?deixam morrer?. Exemplo disso são os casos de pessoas que se enlutam apenas como desculpa e desencadeiam doenças psíquicas como síndrome do pânico e depressão, entre outras.

Reflexão

Para o psicanalista Wanderley Paes, ter a consciência do inevitável e aprender a lidar com a dor desde criança transformaria nossa maneira, muitas vezes egoísta, de sentir a dor da perda, extraída daquilo que acreditamos possuir. Este exemplo se aplica principalmente nos casos dos doentes terminais. Sabemos que a cura é inviável e o sofrimento se dá tanto por parte do doente quanto da família e dos amigos. ?Mesmo diante desses fatos, negamos a morte e queremos a pessoa diante dos nossos olhos?, afirma Paes.

Convivemos diariamente com a idéia da morte, sabemos que ela existe e talvez seja a única certeza da vida. No entanto, ela continua sendo um fator de mistério e reflexão sobre a própria existência e a expectativa pós-morte. O conhecimento sobre o tema pode transformar as pessoas em seres melhores, mais sensíveis e até mais fortes.

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