A doença social que padecemos (IV)

Medidas imprescindíveis

Os vícios arraigados no âmbito da política brasileira, com grave comprometimento da administração, suscitam medidas, a um tempo, preventivas e curativas:

Preventivas para salvaguardar a higidez daqueles que ainda não foram contaminados. Aliás, como todo procedimento preventivo, deve ser amplo, generalizado mesmo, a fim de assegurar imunidade.

Curativas: Sua ação deve, preferencialmente, ser clínica, não invasiva. Contudo, nem sempre são totalmente eficazes. Então o recurso deve ser cirúrgico, com vistas à extirpação completa da anomalia causadora de sofrimento a todo o organismo social.

Manifestações reiteradamente expressas pela imprensa, em livros e publicações as mais variadas, assim como e, principalmente talvez, pelos meios de comunicação eletrônicos, particularmente o rádio e a televisão, caracterizam iniciativas pacíficas, respeitosas, contudo repassadas de indignação, revolta e reprovação que, embora desejada pela totalidade da população consciente, em nível nacional, uma ínfima parcela tem meios para fazer uso do seu direito de cidadania. Não tem como contestar o estado de coisas que percebe e sente.

A repetitividade, pelas mais diversas fontes, no entanto, evidencia a necessidade de medidas adequadas.

Alguns exemplos, para comprovar estas assertivas:

O cardeal emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, figura exponencial, com grandes contribuições à verdadeira democracia, durante muitos anos vem oferecendo ao País significativas orientações de caráter preventivo, reproduzidas em seu último livro Estrelas na noite escura – pensamentos das quais são aqui selecionadas:

1 ?Todas as pessoas de boa vontade sentem que o Brasil se esvazia, empobrece, à medida que os homens do campo são expulsos de suas terras para integrar-se ao fluxo migratório, em direção às grandes cidades?.

2 ?As tentações dos nossos dias são aquelas que já vêm enumeradas pela revelação do próprio Deus: sacrificar o salário do pobre, a saúde e a família do irmão, para aumentar ou garantir a própria riqueza, poder ou prazer?.

3 ?Boa parte de nossa gente nunca teria largado sua casinha no interior, sua plantação…se tivesse encontrado mais proteção e mais apoio na hora certa. Não deveria, pois, haver migração forçada neste Brasil, terra tão abundante e fecunda, capaz de abrigar e alimentar a todos!?

4 ?Pela justiça e pela misericórdia se constrói o mundo novo. É este o Caminho da Esperança?.

5 ?Enquanto cidadãos brasileiros, o que mais nos separa é a luta por privilégios injustificados e injustificáveis. Essa luta traiçoeira, que leva ao terror e à violência, só poderá ser vencida pela consciência da comunidade, composta de pessoas com direitos iguais e com responsabilidades diversificadas, segundo os talentos e as funções?.

6 ?Quem possui teto e família, amizade e boa vizinhança, dificilmente pode imaginar o drama daquele que foi sendo acuado até chegar à condição de favelado, ou encortiçado. Achamos quase indispensável, a todo cristão, ter o seu contato, a sua experiência, ao menos através de reuniões, com esses nossos irmãos. Certamente mudaríamos o nosso conceito: Não são marginais. Foram marginalizados, o que é essencialmente diferente. Ser solidário com eles significa assumir a posição de Cristo?.

A escritora Lia Luft ?ataca? com objetividade de mestra o problema da educação. Salienta que o processo é lento. Daí, a necessária e paciente persistência. Para destacar essa perseverança, cita a recomendação de um velho e experiente professor: ?Se, numa turma de quarenta alunos, faço um aprender a pensar, me dou por satisfeito?.

Por sua vez, a escritora emite conceito que vem em reforço ao que já foi afirmado nesta série de mensagens: ?A psicologia mal interpretada nos mostrou, pelos anos 1960, que não dá para traumatizar as crianças e jovens: eles têm de aprender brincando. Esquecem-se que a vida não é brincadeira, e que o colégio, como a família, deveriam nos preparar para ela. Transformou-se a escola num reduto familiar: as professoras são tias, e muitas vezes a bagunça é generalizada, porque na família talvez seja assim?.

E proclama: ?Um pouco de ordem na infância e na adolescência em casa, na escola e na sociedade em geral ajudaria a aliviar a perplexidade e a angústia dos jovens. Respeito deveria ser algo natural e geral, começando em casa, onde freqüentemente as crianças comandam o espetáculo.

O exemplo vem de cima e nisso estamos mal. Corrupção e impunidade são o modelo que se nos oferece publicamente. Se os pais pudessem instaurar uma ordem em casa amorosa, mas firme dando aos filhos limites e sentido, estariam sendo melhores do que agindo de forma servil, ou eternamente condescendente?.

Muitos educadores, preocupados com a falta de limites, reiteradamente evidenciados pelos meios de comunicação expressam perplexidade, face os rumos pelos quais envereda o nosso País.

Todas essas opiniões concentram sua orientação com vistas a medidas preventivas.

Estamos vivenciando o salutar clima da Copa do Mundo de Futebol. O Brasil, certamente mais do que qualquer outro país, está em quase completo recesso. Vibra e sofre ante a ação de sua seleção. É o clímax da manifestação de alegria, dando a impressão de alto espírito cívico. Parece até que nenhum outro povo ama a sua pátria como nós, brasileiros, amamos o nosso Brasil. Que bom seria se esse espírito cívico fosse expresso e exaltado perenemente, pela convicção de que, possuindo uma extensão territorial quase continental, dotado de imensas riquezas, capaz de produzir alimento para meio mundo; que bom seria se não houvesse tanta miséria humana, em meio a tanta riqueza; que bom seria se vivêssemos em harmonia, sem violência, que todos tivessem emprego; que bom seria podermos proclamar, a plenos pulmões, a alegria de que todos os filhos desta Terra Bendita vivem com a dignidade própria de seres humanos, e que todos, em uníssono, cantam e louvam, amorosamente, as maravilhas deste benfazejo Torrão Natal.

Os jornais do último domingo, 18 de junho fluente, anunciam para o nosso Estado do Paraná, a previsão de retomada do ensino obrigatório, nas escolas de ensino médio, das disciplinas de filosofia e sociologia.

Eis uma feliz e oportuna iniciativa!

O entusiasmo e a empolgação pela Copa do Mundo, que contagiam, salutarmente, toda a nação, sirva de motivação para restabelecer nas escolas o ensino, o cultivo e aprimoramento da educação moral e cívica. Que se realize a purificação dos costumes, no sentido inverso: Sim, pois é de cima que procedem os maus exemplos; para que sejam as crianças, os adolescentes e os jovens, fatores da conversão daqueles dos quais emanam os maus exemplos, despertando-lhes os brios adormecidos.

Ary de Christan – Membro Fundador da Academia Paranaense de Medicina.

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