Noruega, surpreendente e invejável

Sabemos pouco dos noruegueses. Não são só quatro milhões e meio de pessoas que vivem, sem fazer barulho, no extremo norte do planeta e, diga-se, bem folgados, a razão de 14 habitantes por quilômetro quadrado. Expertos navegantes, já dominavam os mares desde o ano 793 e poucos sabem que foi o viking norueguês Leiv Erikson quem descobriu a América, 500 anos antes que Colombo. Em 1905, quando a Noruega se declara um país independente, era um dos países mais pobres do mundo, cujas bases econômicas eram a agricultura e a pesca. Assim viveram até 1970 quando, igual a Familia Buscapé, da antiga série de televisão, descobrem que seu litoral no Mar do Norte é um riquíssimo lençol de petróleo e gás. Hoje são o segundo país exportador de petróleo no mundo depois da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), ou talvez seja mais correto dizer que são o primeiro, já que a Opep é uma aliança de países. Como já dissemos, os noruegueses não fazem barulho e seus políticos não andam apregoando as invejáveis condições de vida que dão ao seu povo, como acontece deste lado do planeta. O nível de vida naquele país é, definitivamente, alto. Com um salário mínimo que chega perto dos US$ 3 mil, ninguém reclama que o governo, de perfil social-democrata, cobre, por exemplo, um imposto de US$ 300 anuais por ver televisão ou que o aluguel de um apartamento de 70 metros quadrados custe US$ 1 mil. Tampouco reclamam de que se pode comprar cerveja nos supermercados somente das 8h às 20h e no sábado somente até as seis da tarde. Nem fazem cara feia ao ter de comprar vinhos e destilados somente nos negócios do governo, os Vinmonopol, e só de segunda a sábado, das 8h às 15h.

Os impostos dos produtos são tão salgados quanto bacalhau que costumam exportar.

Os preços não têm piedade com os prazeres de Baco, um vinho como o chileno Santa Helena custa US$ 25 e uma modesta garrafa de bourbon Jim Beam chega a passar dos US$ 30, o dobro que nos freeshops do Brasil.

Os impostos são tão salgados como o bacalhau e o arenque que costumam exportar. Um sanduíche de carne de baleia, por exemplo, servido no mercado de peixes e mariscos de Bergen, tem 25% de imposto a se servir ali mesmo, ou 18% para levar para casa, que tal? Imagine se isso se passasse no mercadinho da nossa cidade?

Apesar de sua enorme riqueza são austeros, reservados e extremamente respeitosos de suas leis, da tranqüilidade própria e a dos outros. Basta que a descarga de seu banheiro soe mais alto que o normal para que seu vizinho venha lhe dizer para consertar. Sabe essas festas em que o samba se escuta em toda sua rua? Impossível na Noruega. Se aumentar o volume além das paredes de sua casa, não tenha dúvida de que rapidamente chegará a autoridade, que fará prevalecer o direito de cada cidadão em ter uma noite tranqüila e silenciosa. Às 20h, é obrigatória a saideira e cada um para sua casa, uma lei que acabou com esses personagens grudentos que ficam até quando os anfitriões da festa já foram dormir. Se um grupo está entusiasmado e quer seguir a festança, o esquema oficial é transferir a ala carnavalesca até um bar ou aos salões de festa especialmente preparados para não incomodar os vizinhos. Ali, cada um paga seu consumo, lei não escrita que acabou também com os joões-sem-braço que adoram pendurar a conta nos amigos. E nem sonhe com se sentir um John Travolta no filme Saturday Night Live, dançando até o sol raiar. Lembre-se de que lá, no inverno, o sol aparece muito tarde e tem dias em que nem sequer aparece, e no verão, não quer se pôr, portanto, a festa nos salões e bares deve acabar, por lei, às 2h30 da madrugada, com ou sem sol. Não pense que por tudo isso os noruegueses são, digamos, frustrados, infelizes e reclamam do governo por existir tantas leis e impostos. Eles são vistos contentes e risonhos. A evolução social e cultural é imensa. Afinal, se cremos que o tempo nos fará cada dia melhores como seres humanos e mais perfeita será nossa sociedade, temos que voltar a lembrar que Leiv Erikson pisou no litoral do que hoje é o Canadá meio século antes que germinara a semente que, lentamente, faria crescer as árvores, cuja madeira depois se usaria para construir as caravelas de Colombo.

Navegar pelos fiordes é a melhor forma de conhecer o país

Divulgação/Hurtigruten
A Noruega é conhecida pelos seus fiordes: são 21 quilômetros, incluindo baías, enseadas e rochedos.

Os noruegueses entendem de ventos, mares, remos, barcos e velas, antes mesmo de aprender a pedalar um triciclo. E isso de que achavam que o mundo era plano é uma falácia tão grande como a que seus cascos tinham chifres. Em um país cuja costa é tão acidentada como o extremo sul-oeste da patagônia, saber navegar foi essencial. São 21 mil quilômetros de fiordes, baías, enseadas e rochedos, onde hoje há 70 portos importantes, cada um em uma cidade de cartão-postal. É unânime. A melhor forma de conhecer a Noruega é navegando por seus fiordes, palavra que deriva do norueguês fjord, que significa algo como baías e estreitos formados por antigos glaciares.

Faz um século que os navios da empresa Hurtigruten, que significa rota curta, fazem viagens por mar desde a cidade de Bergen, no sul, até Kirkenes, a posição mais ao norte da Noruega. Em seis dias pode-se conhecer este trecho, vendo mais de vinte cidades importantes (vendo, não percorrendo todas, especificamente), ou em onze dias, de ida e volta, descendo em todas. Claro, por várias dessas cidades os navios passam de noite. Todos aqueles portos que não podem ser visitados de noite, na viagem para o norte, serão revisitados durante o dia, na viagem ao sul. Para os noruegueses estes navios não são um luxo turístico e sim uma cômoda e prática forma de ir e vir, uma espécie de confortável e completo ônibus sobre as águas. Pode-se alugar um carro e percorrer por estradas e embarcar com o carro e tudo no navio, onde preferir. Ou fazer percursos em trem, ônibus ou avião, basta organizar bem seu trajeto para encontrar um navio esperando, justo onde você queira e a hora exata. O difícil é escolher quais cidades conhecer. Todas são excepcionais, tendo sua graça, beleza, encanto e charme. Não é por simples capricho que a viagem pelos fiordes da Noruega foi eleita como o mais belo destino do mundo em 2004, pela famosa e respeitada revista Traveler. (JB)

Viaje no tempo e morra de amores por Bergen

Do Monte Floyen, a melhor
vista da apaixonante Bergen.

A cidade portuária de Bergen merece pelo menos três dias de visita, antes de embarcar no navio. Possivelmente esta seja uma das cidades mais encantadoras da Noruega e passear por ela, em vários pontos, é uma viagem no túnel do tempo. Basta caminhar pelo pier de Bryggen, declarado patrimônio da humanidade pela Unesco em 1979, para morrer de amores por este lugar. Imaginem-se que estas casas que estão habitadas e em pleno funcionamento, restauradas claro, datam de 1070! Casas de madeira que suportaram exatos 937 invernos, e que aqui são longos e extremamente rigorosos, abrigam butiques, pubs, restaurantes e locais de souvenir. É, sem dúvida, o lugar mais fotogênico da cidade, um lugar com um magnetismo incrível. A poucos passos dali está o Fisketorget, o Mercado de Pescado, donde se percebe a enorme riqueza que o mar brinda os noruegueses. Além de surpreender-se com as lagostas, halibut, camarões, caranguejos, mariscos, lagostinos, arenques, salmões e o autentico bacalhau norueguês, por falar das mais conhecidas espécies que são oferecidas ali, qualquer um pode degustar sanduíches preparados na hora, inclusive um de rosbife de baleia, que deixa os ecologistas do Greenpeace de cabelos em pé.

Outro passeio marcante é subir de bondinho ao Monte Floyen e, recomendamos, fazê-lo de dia e logo ao crepúsculo. São R$ 11 muito bem gastos que lhe darão de presente uma paisagem deslumbrante, principalmente a vista ao anoitecer. As luzes de Bergen abaixo, o porto, os fiordes, o alaranjado do céu que vai tingindo-se lentamente de azul profundo. Uma experiência inesquecível. Os atrativos desta cidade são muitos e nossa intenção não é de contar o filme e sim estimulá-los para que a conheçam. Bergen tem ótimos museus, restaurantes chiques e um aquário de primeiro mundo, centenas de construções com mais de oito séculos como castelos, igrejas, fortes e habitantes que acolhem muito bem as visitas. Sem falar das belíssimas e comunicativas mulheres berguensianas. (JB)

Na Noruega, 18h29 não são 18h30

Vista parcial do cais de Alesund, um dos pontos de parada do navios de Hurtigruten nos famosos fiordes.

Os noruegueses têm uma grande virtude: são extremamente pontuais. Lá, expressões como ?nos encontramos lá pelas cinco e meia, mais ou menos? não existem. O atraso é considerado uma tremenda falta de consideração e respeito. Portanto, vai aqui uma recomendação: quando o guia de turismo do navio disser que temos que voltar às 18h29 é porque, no minuto seguinte, serão tiradas as escadas e fechada a porta do navio. E como estes barcos são como ônibus onde passageiros sobem e descem a cada cidade, não existe controle de entrada nem de saída, como em outros navios turísticos. Por isso, se não chegou a tempo, ninguém saberá, exceto você, que não só perdeu o barco, como nele se vão suas malas e seu carro alugado.

Depois de zarpar de Bergen os navios de Hurtigruten cortam as tranqüilas águas de fiordes e estreitos. Uma confortável cadeira de praia no deck superior espera para que você desfrute o momento, vendo passar, como em um cinema de 180 graus, as bucólicas paisagens norueguesas. As pequenas cidades de Maloy, Torvik, Alesund, Molde e Kristiansund passam a nossa frente, com direito a descida em Alesund. Em 1904, um voraz incêndio destruiu completamente a cidade, deixando dez mil pessoas sem lar. Três anos depois, estava reconstruída e, pasme-se, em estilo art noveau! Pode recorrer a pé toda a cidade, que é pequena, organizada, florida e impecavelmente limpa, e o ideal é fazer com um guia alesundense, que sabe todas as histórias de cada lugar e esquina. Não deixe de visitar o canal que há no centro da cidade, com suas casas que relembram as paisagens venezianas.

O navio continua e faz uma curtíssima parada em Molde, famosa pelo festival internacional de jazz, que se realiza aqui todo ano. A tarde cai, a luz do pôr-do-sol banha Molde, deixando-a como um quadro de Edvard Munch, norueguês pai do expressionismo e orgulho destas terras.

Trondheim

A cidade de Trondheim é outra parada importante do circuito. Aqui, vale a pena pegar um tour vendido a bordo para visitar a catedral Nidaros, a maior de toda Noruega, em estilo tão medieval que você acha que vai até aparecer o Rei Arthur e os cavalheiros da távola redonda na volta da esquina. Demorou 230 anos para ser construída e seu estilo gótico é marcante. Aqui está também o Palácio do Arcebispo, construção do século XIII que fez parte deste imenso conjunto arquitetônico norueguês. O poder da igreja foi regido da Noruega para toda a Escandinávia e isso se nota no tamanho deste complexo. Se tiver tempo, perto da catedral está a velha ponte Gamle Bybro, com um extenso conjunto de velhas casas e armazéns construídos sobre palafitas no Rio Nidelva. Parecem casinhas de bonecas e a badalação noturna, com pubs, cafés, bares, restaurantes e lojinhas de souvenires, é muito intensa. Porém, lembre-se de que deve voltar ao barco a tempo ou descer decidido a ficar mais uns dias. E não se preocupe, o próximo navio Hurtigruten passará exatamente no horário marcado. Sua frota é composta de onze barcos, que percorrem esta rota – o navio mais moderno e espetacular é o Midnatsol, com capacidade para mil passageiros.

Além das cabines simples, tem quatro suítes com living, sala de jantar e um amplo balcão, unido ao dormitório. Esta suite tem uma gigantesca janela de ?céu a piso?, que sobressai da borda do navio, permitindo ver toda sua lateral, da proa à popa. Navegar de dia e à noite podendo ver a paisagem passar por essa gigantesca janela é uma incitação à insônia, de puro prazer. (JB)

Rumo ao ponto mais distante ao norte

Focas fazem um show no
aquário de Tromso.

A parada seguinte é a cidade de Bodo. Não é muito longa, porém dá perfeitamente para fazer um tour cheio de adrenalina. De bote ?zodiac ?se vai até o estreito de Salstraumen, onde o mar une-se ao rio, produzindo um desnível cuja corrente é considerada a mais poderosa do mundo. Prepare seu coração para esta emocionante aventura, sabendo que poderá contá-la Pelo caminho verá a majestosa águia marinha, cuja envergadura pode passar dos dois metros, com as asas estendidas.

Estamos na Tierra do Sol da Meia-noite (visível nestas latitudes de 21 de maio a 23 de julho) e temos cruzado o Círculo Polar Ártico. O barco atraca em Tromso, cidade que tem, claro, um espaço dedicado às maravilhas naturais do ártico, o Polaria Centre.

O tempo permite que se visite o aquário, onde o show corre por conta das focas, e da catedral, cuja parede é um gigantesco vitral, o mais impressionante da Escandinávia. Para chegar ao final da viagem ao norte, faltam três paradas. Um passeio que não se pode perder, desde a cidade de Honningsvag, é até North Cape, por sua especial e talvez única oportunidade de estar pisando em terras no ponto mais distante na direção norte, admirando o impressionante Oceano Ártico, desde um penhasco, na borda de um precipício de 307 metros de altura em queda vertical. As últimas cidades visitadas neste cruzeiro são Hammerfest e Kirkenes. Esta segunda é também o término da costa da Noruega e o começo da Rússia. Um dos souvenirs mais comprados aqui são as famosas matrioskas, essas figuras de madeira que se encaixam uma dentro da outra, produto de influência russa que se na região. Um dos passeios também tem a Rússia como estrela do espetáculo. É um safári em lancha pelo Rio Pasvikelva, margeando terras russas.

Quando se chega ao final da viagem, entende-se a plena razão da revista Traveler. Os fiordes da Noruega são, sem dúvida, o destino mais belo do mundo. Ao qual podemos agregar, sem temor e equívoco, um povo carinhoso, respeitador e gentil, como em poucas partes deste planeta. Mesmo sendo, para nós, um lugar tão distante, sempre valerá a pena voltar.

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