Há sempre bons motivos para visitar o Chile

Pouco menos de quatro horas voando separam São Paulo de Santiago, a capital do Chile. Sobrevoar o deserto do Atacama é simplesmente indescritível. Do alto o que se vê é uma paisagem que impressiona, como se tudo fizesse parte de um quadro pintado por mãos de verdadeiros profissionais. Diferentes cores se misturam com uma geografia montanhosa, numa imagem capaz de prender a atenção de qualquer um. Chegamos ao Chile.

De beleza inquestionável, a primeira impressão que se tem do país já é deslumbrante pela arquitetura cosmopolita do Aeroporto Internacional de Santiago. Distante da capital, a viagem até o centro demora pelo menos quarenta minutos. Nos primeiros quilômetros, a paisagem já é típica, com pequenas propriedades rurais misturadas com a presença de trechos tomados por pontos comerciais. Mais alguns quilômetros e começamos a ver as primeiras áreas completamente urbanas de Santiago, nome abreviado de Santiago de La Nueva Extremadura, o original de sua fundação em 1541.

De clima mediterrâneo quente, Santiago chama a atenção por dois motivos: o primeiro é a sua modernidade, desde os edifícios inteligentes até o seu transporte público de excelente qualidade, e o segundo é como a cidade consegue promover a convivência deste novo mundo com as suas velhas estruturas, a maioria delas histórica e todas muito bem cuidadas, com construções do século 19 e até 18.

  País oferece condições muito propícias para o cultivo das uvas, por isso, se destaca como um dos mais importantes produtores de vinhos.

Nascida entre o Pacífico e aos pés da Cordilheira dos Andes, Santiago está localizada no Vale Central e tem pouco mais de cinco milhões de habitantes, um fato curioso para um país pequeno de baixa população – um total de 18 milhões de pessoas ocupam todo o território chileno. Sua cultura é uma das mais fortes de toda a América Latina e há uma infinidade de passeios para se fazer, a maioria deles próximos, já que estamos falando de uma extensão territorial que é uma faixa. O Chile vai do deserto do Atacama até a Patagônia.

Em Santiago o turista encontra um atendimento que vai muito além dos sorrisos mecânicos que geralmente são oferecidos para quem traz dinheiro de fora. Os chilenos são atenciosos, pacientes e dispostos com os estrangeiros. A cidade é limpa, bem sinalizada e completamente atendida pelo metrô que, depois de 22 anos em funcionamento, conserva todo o cuidado de uma obra recém-inaugurada. Vale a pena utilizar, embora os taxistas também sejam confiáveis, especialmente quando chamados pelos próprios hotéis.

Explore Santiago em todos os sentidos

A suntuosa cordilheira é também cenário para ciclistas e suas mountain bike.

A bela capital chilena convida o turista a passear a pé. Seu centro, que mescla elementos do passado e presente, guarda muitos atrativos. Entre os principais está o Palácio La Moneda, sede do governo chileno, o último grande edifício construído no período colonial. O La Moneda foi palco do golpe militar dado em 1973 pelo general Augusto Pinochet e na época ficou parcialmente destruído. Ali suicidou-se o então presidente Salvador Allende. Hoje, totalmente restaurado, o palácio tem uma relação curiosa com o Brasil. Trata-se de um edifício que seria a nossa Casa da Moeda do Rio de Janeiro (daí o nome La Moneda), mas na época os ingleses trocaram os pacotes e as construções foram entregues em endereços diferentes. Toda a área central de Santiago é histórica e reúne as sedes de todos os órgãos sociais e políticos que dirigem o país.

Outro atrativo pitoresco e interessante é o Mercado Central. Sua construção é centenária e abriga um grande comércio de peixes e frutos do mar. Há bons restaurantes e é possível provar ali o pisco sour, o drinque chileno mais famoso, preparado à base de destilado de uvas do próprio Chile ou Peru misturado com suco de limão, gelo e clara de ovo. Uma combinação meio estranha com um resultado supersaboroso. É no Mercado Central que se come macha, pilre ou um picoroco, mariscos exóticos (alguns até assustadores) e exclusivos do Chile.

A capital chilena, com suas ruas largas, calçadões com comércio variado, estimula os passeios a pé.

Aproveite cada hora do seu dia em Santiago e não deixe de conhecer também o Cerro San Cristóban, com uma vista deslumbrante da cidade e da Cordilheira dos Andes; o Museu de Arte Pré-Colombiana com sua cultura sul-americana muito bem representada; o Cerro Santa Lucia; o Museu Nacional de Bellas Artes e a La Chascona (a descabelada), casa do poeta Pablo Neruda, uma das três que ele mantinha do país – as outras duas estão uma em Valparaíso e a outra em Isla Negra, onde ele está enterrado ao lado de sua terceira mulher, Matilde Urrutia. (Frank Rogério)

O charme de uma capital diferente

Apesar dos milhões de habitantes, é possível caminhar por Santiago como se estivéssemos numa dessas cidades do interior. Há uma sensação de liberdade, tudo é muito arborizado e, mesmo com os problemas de poluição que a cidade tem, é um alívio conversar com os chilenos sobre os níveis de violência deles, muito melhores do que sonhamos um dia ver em nossas capitais brasileiras. Não é à toa que o Chile é constantemente citado pela imprensa mundial como o país que mais deu certo na América Latina.

Uma visita ao Mercado Central e seus excelentes restaurantes é um convite à gula.

Outra grande atração de Santiago é a gastronomia. O que não faltam são bons restaurantes para se comer bem, e beber melhor ainda, afinal estamos falando de um dos maiores produtores de vinho do mundo. Eles são excelentes na arte de combinar seus pratos com a bebida. Até mesmo nos menores lugares, os restaurantes mais comuns do dia -a-dia deles é possível saborear um excelente prato da culinária local com um vinho de primeira qualidade. Se você é um amante de peixes e frutos do mar, seja bem-vindo ao paraíso; se você é um amante de carnes, não vai se decepcionar.

Os peixes abadejo e linguado são as estrelas do cardápio das carnes brancas. Já nas carnes vermelhas prefira o bife de chorizo ou o entrecôt em vez da nossa tradicional picanha. Ainda neste universo, não deixe de experimentar a tradicional plateada chilena, uma espetacular carne de panela com purê, apimentada. Tudo com os melhores vinhos brancos (especialmente das uvas Chardonnay e Sauvingnon Blanc) para os peixes e tintos (Merlot e Carmenere) para as carnes.

Relógio em Viña del Mar anuncia a chegada à Cidade das Flores.

A maioria dos restaurantes vale a pena conhecer, mas não deixe de ir principalmente a alguns centrais, como o Giratório que, como diz o nome, literalmente gira, apreciar o pôr-do-sol, e o Chilean Restaurant, no bairro da Providencia, um dos lugares mais bonitos da cidade, com uma concentração imensa de hotéis e excelentes locais para suas compras. Aliás, prepare-se para utilizar moedas. Na atual economia chilena elas valem muito. O peso chileno é a moeda oficial do país e a primeira nota começa com 1.000 pesos. O dólar americano também é aceito em praticamente todos os lugares. Visite sem pressa as lojas especializadas na venda do vinho chileno. São muitas e uma mais tentadora que a outra.

Nos arredores, história, mar e flores

Distantes cerca de uma hora e trinta minutos de Santiago, as cidades de Valparaíso e Viña del Mar são um passeio quase obrigatório para quem quer conhecer o Chile. A primeira está distante 120 quilômetros da capital e consta na relação de Patrimônios Culturais da Humanidade. Cidade portuária do Oceano Pacífico, Valparaíso não é exatamente a cidade mais linda do mundo vista do alto. Mas quando começamos a percorrer suas ruas vamos encontrando uma série de detalhes magníficos, como as casas centenárias construídas com a madeira que era usada nos navios que atracavam no seu porto. De beleza única, essas casas já representaram o que havia de mais requintado na elite chilena. Hoje são apenas casarões que servem de roteiro para atrair os turistas.

Valparaíso tem casas centenárias que representam o que havia de mais requintado na elite chilena.

Também não podemos deixar de apreciar o centro da cidade com suas construções de época suntuosas. Valparaíso foi um dia uma das principais rotas portuárias do mundo. E foi com essa atividade que a cidade viveu o seu esplendor até a inauguração do Canal do Panamá, em 1914, quando o desvio das embarcações colocou um ponto final nessa história. A casa de Pablo Neruda, em Valparaído, chama-se Sebastiana, em homenagem a uma de suas esposas e vale a pena ser visitada. A construção está cravada num morro com vista para o mar e a sensação que se tem é a de caminhar num labirinto de vários andares.

Depois de Valparaíso Viña del Mar, chamada de Cidade das Flores (logo na entrada há um relógio gigantesco todo feito de flores), uma espécie de balneário muito badalado em que se encontram as classes mais altas da sociedade chilena. Só para se ter uma idéia, é possível encontrar hoje apartamentos custando mais de um milhão de dólares. Um desembolso desnecessário para quem quer apenas conhecer sua beleza de cidade beira-mar, repleta de bares, restaurantes e todo tipo de pequenos negócios comerciais típicos de uma região praiana.

Em Viña del Mar o turista tem o prazer de molhar os pés no Oceano Pacífico, apreciar ondas muito geladas, comer bem em pequenos lugares e visitar dois ou três museus que a cidade tem com a história de toda a região, inclusive da Ilha de Páscoa. (FR)

Prove e sinta-se no mundo de Baco

A Cordilheira dos Andes é uma das barreiras naturais que protegem os vinhedos: segredo para a qualidade excepcional do vinho chileno.

O vinho chileno é um dos chamados vinhos do Novo Mundo. De qualidade mundialmente reconhecida, eles são produzidos das mais diversas uvas, mas uma delas é especial para o país, a Carmenere. Essa uva ficou durante muito tempo sendo produzida como se fosse Merlot, até que enólogos europeus atestaram que se tratava da Carmenere, extinta em toda a Europa pela praga phylloxera (pronuncia-se filoxera) que atacou os vinhedos europeus no final do século XIX. Várias uvas foram trazidas para a América e apenas algumas mudas enxertadas dessa uva sobreviveram no Chile. Seus produtores não cederam mudas para o resto do mundo e a Carmenere é considerada praticamente exclusiva da produção chilena.

Mas o vinho chileno vai muito além dessa história curiosa. Seja na região de Casablanca, uma das principais produtoras de vinho branco do mundo, ou nas regiões do Vale de Colchagua e Vale Central, produtoras de excelentes tintos que o mundo bebe com muito prazer, há mais de 450 anos, o Chile produz vinhos e, pelo visto, a cada ano que passa, consegue superar a qualidade de suas safras. E não poderia ser diferente. O país tem um clima ideal para sua produção e as plantações são naturalmente protegidas das principais pragas por barreiras naturais: o deserto ao norte, os rigores polares ao sul, o Pacífico no ocidente e o abraço protetor que a Cordilheira dos Andes dá ao leste, com uma parede de quatro mil metros de altitude.

Colheita farta nos vastos campos da vinícola Montes, no Vale de Conchagua.

Com toda sorte a seu favor, o produtor chileno recorre pouco aos produtos químicos e pode oferecer um produto isento de agrotóxicos. O Chile produz mais de 550 milhões de litros de vinho por ano, com um consumo que chega a quase 30 garrafas por habitante. Mais de 1,4 mil quilômetros é a extensão da faixa produtora do país.

Em Casablanca, uma das paisagens mais bonitas são as plantações de rosas em volta dos vinhedos da região. O motivo é simples: as rosas são mais doces que os vinhedos e qualquer praga atacará primeiro a elas, dando tempo ao vinicultor para tomar as providências de defesa necessárias. Outro fator natural fantástico é o uso inteligente que os produtores fazem da água vinda do degelo da neve dos Andes.

Outras regiões de produção são os vales de Maule e Maipo. Neste último, em direção ao litoral, encontra-se a Rodovia del Sol com uma região só de vinícolas. Grande parte delas oferece passeios onde os turistas podem conhecer o processo de produção do vinho e, melhor ainda, visitar vinotecas para degustação. Duas excelentes opções são as vinícolas Santa Rita, indicada pela maioria dos moradores de Santiago, e a Concha y Toro, onde os visitantes podem conhecer a lenda da marca Casillero del Diablo, uma das mais importantes do vinho no mundo.

Conta a história que o fundador da vinícola, dom Melchior de Concha y Toro, trouxe da Europa cepas das melhores uvas da sua época. Plantou, colheu, produziu vinhos de excelente qualidade e reservou para ele mesmo lotes de garrafas da melhor safra. Só que as garrafas começaram a sumir e dom Melchior então espalhou entre os empregados da vinícola e os colonos locais que onde estavam armazenadas as garrafas residia o diabo, para evitar que alguém fosse pegá-las. A lenda colou e as pessoas começaram a comentar que esse ou aquele vinho tinha saído da casa do diabo, ou casillero del diablo. Estava feita a marca, tão grandiosa hoje como é o Chile no seu vinho e tão bela como é o país em toda a sua extensão. (FR)

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