Visita ao Observatório Nacional

A visita de Albert Einstein ao Brasil teve continuidade no dia 9 de maio de 1925, um sábado. Acompanhado por alguns membros da comissão de recepção, dentre eles Isidoro Kohn, da Academia de Ciências, Alfredo Lisboa, do clube de Engenharia, Ignácio M. Azevedo Amaral e Frazão Milanês, ambos professores e assistentes na Escola Naval, ele chegou ao Observatório Nacional às 9h30min da manhã para uma visita às suas novas instalações no Morro de São Januário, para onde se havia transferido há menos de três anos. Foram recebidos à entrada pelo seu diretor, Henrique Morize, e pelos astrônomos chefes Alix Correa Lemos e Domingos Fernandes da Costa e demais funcionários presentes naquela ocasião. Percorreram todo o estabelecimento, começando pela grande equatorial de 46 cm de abertura, onde Domingos da Costa trabalhava na determinação das coordenadas relativas das estrelas duplas visuais e na observação dos cometas. Com curiosidade,   Ein-stein examinou os inúmeros acessórios, em especial o micrômetro filar e os espectroscópios estelar e solar. Esta luneta representava na época, um dos grandes avanços da astronomia óptica, pois, além de seu aperfeiçoado sistema de calagem, possuía duas câmaras astrográficas com objetivas inglesas de 25 cm de abertura, do fabricante Taylor. A seguir visitou as outras lunetas equatoriais de 32 cm e 21 cm e a fotoequatorial de 10 cm. As explicações, nessas dependências do observatório, foram fornecidas pelo astrônomo Domingos da Costa.

Ainda no campo do observatório dirigiram-se para o pavilhão onde estava situada a luneta zenital de Hevde. Coube ao astrônomo Lélio Gama explicar o seu trabalho, que consistia em determinar com alta precisão a variação de latitude do Rio de Janeiro. A explicação começou em inglês e acabou em francês, pois Lélio percebera, durante sua exposição, que havia uma preferência por este idioma. Einstein interessou-se pelo método de observação descrito e, em particular, pelo fato de este processo permitir determinar o movimento do pólo terrestre. Tratava-se de um trabalho único no hemisfério sul, e, além do mais, havia somente duas décadas que este tipo de observação tinha sido desenvolvido. As causas do movimento dos pólos eram ainda desconhecidas, havendo várias hipóteses, dentre elas a do deslocamento de massa no interior do globo terrestre. Aliás, ao comentar os objetivos de sua pesquisa, Einstein antecipou-se a Lélio, afirmando que o movimento dos pólos era produzido por ?déplacement des masses.?

No Serviço da Hora, Adalberto Faria dos Santos mostrou o sistema utilizado na medida do tempo. Einstein interessou-se pelo funcionamento do aparelho Brilliée destinado à transmissão automática da hora exata pois, naquele horário, 11 horas, deveria ser irradiada pela estação do Arpoador uma das suas emissões de sinais horários. Examinou os cronogramas de comparação da hora emitida com a do relógio padrão do observatório, sendo informado que a diferença na véspera tinha sido 3 a 4 centésimos. Examinou as pêndulas siderais Riefler, Leroy, Strasser, Rohde e Fernon a pressão constante, empregadas nas observações astronômicas e nas recepções de sinais horários, e que se achavam conservadas em temperaturas constantes, em uma sala subterrânea. Foram visitados em seguida, os pavilhões das lunetas de passagem, destinadas à determinação da hora astronômica por intermédio da passagem das estrelas pelo meridiano, assim como o grande círculo meridiano Gauthier, no qual se instalava, no momento, um micrômetro impessoal de construção especial.

Na sala de sismologia interessou-se, em especial, pelos sismógrafos de Milne Shan, destinados ao registro fotográfico de terremotos e que, embora desconhecidos de Einstein, constituíam um dos mais modernos da época. Sobre o seu funcionamento, solicitou informações a Lauro Paiva, que era responsável pelo serviço sismológico. Além deste, funcionavam mais dois sismógrafos, um Maincka e outro Bosch-Omori, respectivamente de 420 a 100kg, ambos destinados a registro mecânico e telessismos.

Logo a seguir, Einstein examinou o Tide Predictor de Lord Kelvin, verdadeiro computador mecânico utilizado na predição das marés de treze portos brasileiros. Sua elaboração constituía um trabalho especial para o Observatório Nacional do geofísico inglês Lord Darwin, neto do grande naturalista Charles Darwin. Este previsor de maré substituía um anterior, que permitia a integração harmônica de somente onze termos, enquanto o atual, examinado por Einstein, permitia a composição de 23 termos. Todas estas explicações foram fornecidas por Alix Lemos, profundo estudioso dos problemas de maré.

No andar superior do observatório, Einstein visitou com interesse a estação receptora de telegrafia sem fio, utilizada no recebimento de sinais horários dos outros observatórios quando o mau tempo impedisse as observações astronômicas.

Por ocasião do centenário de Einstein, em 1979, em artigo para o jornal Fluminense, Lélio Gama relatou suas reminiscências daquela visita:

Quando o vulto de Einstein, na visita que fez ao Observatório Nacional em 1925, assomou à entrada do meu pavilhão de observação, minha mocidade tremeu de emoção. Era Newton, o Newton do século XX, que ali estava, com sua imensa estatura científica, para ver o que eu estava fazendo.

Eu tinha dado início, um ano antes, a uma série de observações astronômicas sobre a variação da latitude do Rio de Janeiro, tendo por objetivo detectar pequenos deslocamentos dos pólos geográficos na superfície da Terra, conforme previa a teoria. Era uma pesquisa recentemente iniciada no âmbito internacional sobre problema que ainda apresentava, naqueles dias, facetas pouco esclarecidas.

Einstein mostrou interesse no processo astronômico adotado e na óptica do telescópio usado nas observações – uma luneta zenital – instalada no centro do pavilhão. Impressionaram-me os comentários que ele entremeava no meu relato, porque incidiam precisamente sobre os pontos delicados de observação astronômica. Ponderou (como teria feito um astrônomo profissional) sobre a necessidade de levar a precisão das observações a um erro provável mínimo, para se poder detectar, no movimento dos pólos, oscilações de amplitude linear tão diminuta. Considerou em que medida os desvios da vertical poderiam afetar a solução astronômica do problema. De passagem perguntou para que servia um minúsculo prisma rotativo que viu afixado à ocular do telescópio.

?Ao final da rápida visita, ponderei que as causas das irregularidades do movimento dos pólos na superfície da Terra pertenciam tanto ao domínio da astronomia como da Física. Ele parou um instante e sugeriu: ?déplacement des masses?.

?Qualquer inibição que a minha bisonhice daqueles dias me causasse na presença da figura sagrada, teria se desfeito logo, diante do homem despretensioso e simples, dotado de tão acolhedora cordialidade no trato pessoal. Senti-me feliz de ter tido diante dos meus olhos a celebração privilegiada que criaria a teoria da relatividade, o gênio que proporcionara, a físicos e astronômos, uma remodelação surpreendente da visão que se tinha do universo, da visão que Newton preparara dois séculos atrás. À espera de Einstein?.

Em seu diário, Einstein registrou à noite: ?Observatório com interessantes aparelhos para terremoto?.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 70 livros, entre outros livros, do ?Explicando a Teoria da Relatividade?.

Consulte a homepage: www.ronaldomourao.com

Almoço na casa de Silva Melo

Durante a viagem de retorno do observatório à residência de Silva Melo, Einstein fez referência às suas atividades de pesquisa, aproveitando esta alusão, Azevedo Amaral perguntou quando tivera ele a primeira idéia sobre a relatividade, ao que respondeu Einstein que a idéia surgira aos seus 17 anos, quando meditava sobre a possibilidade de se viajar com uma velocidade idêntica à da luz. Todavia, foi somente aos 26 anos de idade que conseguiu formular o princípio da relatividade restrita.

– Esse resultado surgiu em seu espírito paulatinamente, após novas cogitações, ou foi súbito o seu aparecimento? -perguntou Azevedo Amaral.

– Foi súbito – respondeu Einstein.

– Foi, então, repentinamente, como diz Bergson, que ?lestes por uma intuição genial, nas equações Lorentz, o princípio da relatividade restrita??

– Foi subitamente, como já disse – reafirmou Einstein, explicando, entretanto, que o princípio da relatividade restrita não foi lido nas equações de Lorentz, como afirmava Bergson, mas surgiu como resultado de longas meditações sobre a experiência de Michelson.

Referiu-se Einstein, em seguida, às inúmeras seqüências de investigações que o conduziram à formulação da teoria da relatividade generalizada, fornecendo pormenores sobre as dificuldades que haviam surgido, durante as pesquisas, e que lhe permitiram a elaboração daqueles conceitos. Nessa ocasião, perguntou Azevedo Amaral qual das duas pesquisas lhe havia exigido um esforço maior. Einstein respondeu prontamente que fora a segunda, referente à teoria da relatividade generalizada.

Estiveram presente ao almoço….

Com referência ao almoço na casa de Silva Melo, registrou: ?almoço muito simpático com pratos brasileiros numa confortável casa?.

Irmãos Osório

Após o almoço foram a pé até a residência dos irmãos Osório, onde ambos haviam instalado um laboratório de pesquisas. Que mereceu a seguinte observação de Einstein em seu diário: ?visita a dois irmãos fisiologistas com interessantes trabalhos sobre respiração?. (RRFM)

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