Verdadeiras razões para destruir Hiroshima

No momento em que a humanidade comemora, com tristeza, os 60 anos dos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki, é conveniente recordar as circunstâncias que precederam, culminaram e se seguiram a estes dois trágicos eventos.

O emprego das armas nucleares se tornou necessário, segundo as fontes oficiais norte-americanas, pois visava interromper a guerra e salvar a vida de centenas de milhares de soldados. Estudos recentes desmentem essa tese e revelam que a destruição tinha por objetivo impressionar os soviéticos impedindo o avanço de suas tropas -, marcando, na realidade, o início da guerra fria. O primeiro cientista a pensar seriamente no desenvolvimento de uma bomba atômica norte-americana foi o físico húngaro Leo Szilard (nasceu em Budapeste em 11 de fevereiro de 1898 e faleceu em La Jolla, Califórnia, em 30 de maio de 1964).

Fuga da Alemanha

Numa tarde de 10 de maio de 1933, milhares de jovens assistiram a queima de uma montanha de livros dentro da Universidade de Berlim. Essa queima marcou o início de uma nova era. Várias personalidades científicas de origem judaica, tais como Einstein e Max Born, foram obrigadas a deixar a Alemanha. Alguns cientistas como Jacob Franck, em sinal de solidariedade, se demitiram. Outros, como Eugene Wigner, Leo Szilard, Edward Teller, deixaram a Alemanha, pois o regime nazista estava em contradição com as suas opiniões. O grupo menos numeroso permaneceu na Alemanha, como por exemplo: Otto Hahn e Strassman. A maior parte partiu para a Inglaterra, França e Estados Unidos. Outros optaram ir para a União Soviética, apesar de o governo russo ter adotado alguns dogmas de Hitler. Todavia, Stalin, mais lúcido que Hitler neste momento, sabia que não poderia passar sem os cientistas. Apesar de recebê-los, impedia que os cientistas soviéticos deixassem o país. Com o resultado dessa fuga da Alemanha, a maior comunidade de sábios que jamais havia existido se constituiu nos Estados Unidos. Essa concentração será fundamental para que a bomba atômica norte-americana se tornasse mais tarde uma realidade.

Fragmentação

A descoberta da fusão nuclear em 1938 pelos físicos alemães Hahn e Strassman ocorreu em solo alemão. Parecia portanto certo que Hitler não deixaria escapar um tal segredo, mesmo que nenhuma publicação fizesse menção. A descoberta foi transmitida para o Ocidente por intermédio de Niels Bohr que não havia sido revelada na Alemanha. Nos Estados Unidos sobre a pressão dos cientistas vindos da Alemanha, convencidos de que o Terceiro Reich iria se tornar uma potência nuclear e certos que convinha intensificar as pesquisas a fim de ultrapassá-lo. Com efeito, os receios se confirmaram quando eles souberam que o governo alemão havia subitamente proibido a exportação de urânio das minas da Checoslováquia. Era necessário tomar uma medida, advertindo o governo norte-americano; com este objetivo Fermi e em seguida Szilard tentaram sensibilizar Hooper, almirante da Marinha, na época o único setor militar que dispunha de fundos para a pesquisa. No entanto, as suas tentativas não tiveram sucesso. Entretanto, Alexander Sachs, conselheiro particular de Roosevelt, sugeriu a Szilard que preparasse um dossiê sobre as pesquisas atômicas a ser submetidas ao presidente, assinalando que essa documentação deveria ser acompanhada de uma carta assinada por um cientista de grande renome. Ora, o nome para um tal empreendimento só poderia ser o de Einstein.

Como tudo começou

Seis meses depois da fissão do urânio ter sido anunciada, os jornais e revistas norte-americanos discutiam o uso da energia nuclear, impropriamente chamada na época de energia atômica. Lamentavelmente, a maioria dos físicos norte-americanos duvidava que se poderia extrair a energia nuclear para fins pacíficos ou mesmo para construir bombas atômicas. Não havia nenhum projeto oficial de pesquisa de energia nuclear nos Estados Unidos. Esta situação provocava profunda depressão em Leo Szilard. Se as bombas nucleares eram possíveis, como ele acreditava, a Alemanha nazista poderia desenvolvê-las antes dos aliados (norte-americanos). O que mais o preocupava é que a Alemanha havia interrompido a venda de urânio das minas da Checoslováquia.

No início de 1939, Leo Szilard soube através do seu colega e físico Isidore Rabi que o físico italiano Enrico Fermi tinha discutido a possibilidade de uma reação em cadeia em uma apresentação pública, durante uma conferência de física teórica. Ao ser questionado, Fermi sugeriu que havia somente cerca de 10% de probabilidade para que uma reação em cadeia de urânio tivesse sucesso.

Para complicar a situação, expôs que a reação em cadeia era impossível com urânio natural (U238), sendo preciso enriquecê-lo. Se o urânio enriquecido (U235) fosse necessário, existia uma quantidade enorme de outros problemas e incertezas em relação aos métodos de separação. Também havia outras controvérsias, além dos problemas concernentes aos nêutrons rápidos e lentos. Questionou-se se a liberdade nas transmissões das informações dos avanços em física teórica e experimental deveria ser mantida, pois ela poderia favorecer os nazistas. O físico dinamarquês Niels Bohr, que estava presente, insistiu ?que o sigilo nunca deveria ser introduzido na Física?.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão fundador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual hoje é pesquisador titular, sócio titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e autor de mais de 70 livros, entre outros, do ?Explicando a Teoria da Relatividade?. Consulte a homepage: www.ronaldomourao.com

Ameaça nazista e a conspiração húngara

Como as coisas caminhavam, estava mais do que claro que pouco ou nada poderia se fazer sem um apoio governamental para enfrentar a ameaça de que a Alemanha desenvolvesse armas nucleares antes dos Aliados. Os físicos a par da situação precisavam de um apoio que permitisse que a comunidade científica fosse ouvida. No entanto, incapaz de encontrar um apoio oficial e incapaz de convencer Enrico Fermi da necessidade de continuar as suas pesquisas, Szilard voltou-se para o seu professor e velho amigo Albert Einstein.
A ?conspiração húngara? decidiu entrar em ação. Leo Szilard e seus conterrâneos físicos Edward Teller e Eugene Wigner, talvez mais do que ninguém, conheciam a enorme ameaça que representava a Alemanha nazista para o mundo se eles fossem os primeiros a desenvolver uma arma nuclear. Estavam preocupados com esses problemas tendo em vista que os Estados Unidos deveriam ter acesso a um suplemento de urânio. A primeira idéia seria contatar o governo belga diretamente com relação aos recursos em urânio, existentes no Congo Belga; receavam que essa fonte de minério pudesse cair em mãos dos alemães. Szilard lembrou que Einstein tinha relações pessoais de amizade com a rainha da Bélgica e que poderia interceder a favor deles. Eles decidiram procurar o seu mestre.
Em 12 de julho de 1939, Szilard e o seu amigo húngaro, o físico Eugene Wigner, fizeram um curto passeio no carro deste último, em Manhattan, antes de se dirigirem a casa do mestre.
Ainda que Einstein aceitasse uma eventual mediação, optou por uma aproximação indireta, através de uma carta ao embaixador da Bélgica. Uma vez decidido, um rascunho de carta foi preparado. Ao mesmo tempo Wigner convenceu os outros de que uma aproximação direta se fazia necessário com o governo dos Estados Unidos. Em julho de 1939, o político e economista austríaco Gustav Stolper (1888-1947) entrou em contato com Szilard para informá-lo que tinha conversado sobre o assunto com Alexander Sachs, notável economista e um amigo pessoal de Roosevelt.
Mais tarde, Szilard confirmou que ?Sachs decidiu apoiá-los e convenceu-me completamente de que essas matérias estavam relacionadas à Casa Branca e que a melhor coisa a fazer, do ponto de vista prático, era informar Roosevelt. Ele disse-me que se elaborássemos um dossiê ele irá pessoalmente entregá-lo a Roosevelt.?
Szilard transmitiu a carta em sua forma final a Sachs em 15 de agosto, anexando um memorando de sua própria autoria elaborado com base nas discussões sobre a possibilidade da fissão assim como seus riscos e ameaças. Na primeira semana de setembro, Szilard não tinha ainda nenhum resultado de Sachs. Finalmente, na última semana de setembro, Szilard e Wigner contataram Sachs e ficaram sabendo pelo economista que ainda estava com a carta de Einstein. Em 2 de outubro, Szilard informou a Einstein que a carta não tinha sido encaminhada a Roosevelt. Szilard, Wigner e Teller começaram acreditar que tinham tomado uma decisão errônea com relação a Sachs. Diante desse aparente insucesso, talvez eles deveriam ativar o plano B. No entanto, finalmente, Sachs solicitou uma audiência com Roosevelt e, em 11 de outubro de 1939, encontrou-se com o presidente. Assim como freqüentemente acontece, com os melhores planos, Sachs acrescentou uma carta pessoal encaminhando a de Einstein; deste modo, o limite de 800 palavras, que ele mesmo tinha proposto, foi ultrapassado. Na carta de encaminhamento, sugeriu em primeiro lugar ?a criação de uma nova fonte de energia que poderia ser utilizada com o propósito de produzir força?; em segundo lugar ?a liberação de tal reação em cadeia de um novo elemento ativo assim como algumas gramas de rádio poderia ser usada no campo médico? e, finalmente, em terceiro lugar ? a construção, como uma eventual probabilidade, de uma bomba de potência inimaginável até hoje?

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