Veneno de cascavel para tratar dores

São Paulo (Agência USP) – Uma substância denominada Enpak (endogenous pain killer), extraída do veneno da cascavel, pode se tornar uma opção ao uso da morfina no tratamento de dores decorrentes do câncer. Os pesquisadores envolvidos no projeto já sintetizaram a substância, que recebeu o nome de CNF021.03. A principal vantagem em relação à morfina é que ela apresenta um efeito de maior duração e não causa dependência ou tolerância.

A fase de caracterização do efeito analgésico do veneno e o isolamento e a caracterização da substância responsável por este efeito foram realizados no Laboratório de Fisiopatologia do Instituto Butantan. A pesquisa contou ainda com a colaboração do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), que faz parte dos Centros de Pesquisa, Difusão e Inovação (Cepids) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Atualmente, na fase de desenvolvimento de ensaios pré-clínicos e clínicos, o projeto está sob a responsabilidade do Coinfar (Consórcio de Indústrias Farmacêuticas) que reúne os laboratórios Biolab/Sanus, União Química e Biosintética/Aché.

Os pesquisadores apresentaram o Enpak para o Coinfar em 2003. Atualmente o consórcio financia os testes pré-clínicos (em animais) com o CNF021.03. "Ainda não sabemos se a substância causa algum efeito tóxico, se há efeitos colaterais sobre o sistema cardiorespiratório e o sistema nervoso central, ou como ela é excretada pelo organismo", conta a pesquisadora do Instituto Butantan, Yara Cury, responsável pelo projeto.

A bióloga Patrícia Brigatte comprovou, em seu doutorado, o efeito antinociceptivo (terminologia usada para medir a dor em animais sem o componente emocional) do veneno sobre a dor de câncer, por meio de modelos experimentais de comportamento animal. O estudo, apresentado em setembro de 2005 na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, teve a orientação da pesquisadora Yara Cury.

Patrícia testou o efeito do veneno bruto e do CNF021.03 no bloqueio da hiperalgesia (aumento da sensibilidade à dor), em ratos com tumor de Walker 256 nas patas. Em outro teste, foi mensurada a dor em resposta a um estímulo tátil (alodinia) desses animais. A pesquisadora verificou ainda o tempo de lambida e levantamento de pata (dor espontânea) dos roedores com câncer. "Tanto o veneno bruto como o CNF021.03 reverteram a hiperalgesia, a alodinia e a dor espontânea, fenômenos encontrados em pacientes com dor de câncer", descreve.

A pesquisadora também realizou experimentos que comprovaram que a crotoxina – toxina que representa 60% do veneno bruto da cascavel e que não tem relação com o CNF021.03 – age na regressão de tumores.

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