Mais uma vez Toutatis ameaça a Terra

O asteróide 4.179, descoberto em 4 de janeiro de 1989 pelos astrônomos franceses, Christian Pollas e Derral Mulholland, com o telescópio Schmidt do planalto de Calern, nos Alpes Marítimos. Para surpresa dos astrônomos, este objeto se deslocava no céu com uma velocidade aparente dez vezes superior à normal para este tipo de astro. Assim de um dia para o outro, ele percorreu a distância equivalente a cinco vezes o diâmetro aparente da Lua. Este deslocamento tão rápido estava associado à sua grande proximidade da Terra, cerca de 15 milhões de quilômetros.

Algumas semanas depois da sua descoberta, os astrônomos norte-americanos Eugene e Carolyn Shoemaker anunciaram que haviam encontrado uma antiga observação desse objeto no verão de 1988, o que permitiu uma obtenção de uma órbita mais precisa e reencontrar uma observação ainda mais antiga, de 1934, realizada pelo astrônomo belga Eugène Delporte no Observatório Real da Bélgica. Este asteróide denominado 1934 CT permaneceu perdido durante todo esse tempo.

Denominado provisoriamente de 1989AC, foi mais tarde batizado com o nome de Toutatis, deus celta da guerra, para quem Astérix, personagem das histórias em quadrinhos de Goscinny e Uderzo, não cessava de jurar: “os gauleses só temem uma coisa, que o céu lhe caia sobre a cabeça”, célebre frase que sugeriu aos descobridores deste asteróide o nome gaulês. Realmente, este novo corpo celeste, com cerca de 3km de diâmetro, era, na época, o mais novo membro do conjunto dos asteróides rasantes à Terra, em particular da família dos asteróides Apollo, cuja trajetória cruza periodicamente a órbita terrestre.

A origem do nome Toutatis

Toutatis é um vocábulo derivado talvez de uma forma não confirmada teuto-tatis que significaria o “pai da tribo”. O nome dessa divindade é derivado incontestavelmente do nome celta para tribo (teuta ou touta). É o deus protetor de uma comunidade cuja unidade se manifesta sobretudo em função das armas.

Na época romana, Toutatis foi assimilado ao deus da guerra Marte. É provavelmente a esta divindade a garantia de integridade e independência do território tribal, que estava consagrado aos despojos do inimigo vencido. Realmente, Toutatis, deus dos celtas, presidia, segundo alguns, às batalhas e, segundo outros, ao comércio, ao dinheiro, a inteligência, a oração (discurso) e conduzia aos infernos as almas dos mortos. Parece existir uma grande relação desse Toutatis com o deus egípcio Thor e com Mercúrio dos latinos. Ele era adorado ora sob a forma de um carvalho, ora como a de um dardo: era então considerado o deus da guerra.

Suas festas se celebravam nas florestas, ao luar ou a luz de tochas. Uma das cerimônias principais dessas festas, que ocorriam na primeira noite do Ano Novo, consistia em cortar um visgo (planta parasita) com uma foice de ouro, gritando: “Au gui l’an neuf” (ao visgo o Ano Novo). Sacrificavam-se cães e até às vezes pessoas.

Toutatis, um dos asteróides mais interessantes do sistema solar

Toutatis é um dos mais interessantes asteróides do sistema solar por vários motivos:

1. Sua trajetória corta a da Terra o que caracteriza um asteróide NEA – Near Earth Asteroids (Asteróides próximos a Terra) da família dos Apollos, ou seja, de um asteróide cuja órbita é exterior à terrestre, com uma distância periélica inferior a uma distância do Sol a Terra. Em virtude desse aspecto, esses astros são considerados como uma ameaça à vida nosso planeta donde a designação norte-americana PHA – Potentially Hazardous Asteroids (Asteróides potencialmente perigosos). Não existem dúvidas para os astrônomos que no futuro eles irão se chocar com a Terra. No entanto, a probabilidade de um impacto contra a superfície terrestre é praticamente nula pelo menos nos próximos seis séculos.

2. A excentricidade de sua órbita (e = 0,63) vai conduzi-lo, ao longo de sua atração de quase quatro anos ao redor do Sol, a uma trajetória que se estenderá da órbita interior a da Terra até ao Cinturão Principal dos Asteróides situados entre Marte e Júpiter.

3. A inclinação de sua órbita sobre a eclíptica é muito pequena, inferior a um grau (i = 0,469´). Com efeito, o plano da órbita de Toutatis está muito próximo ao plano da terrestre o que é muito raro.

4. Em razão da forte influência da gravidade da Terra, a órbita de Toutatis é uma das mais caóticas que se conhece no sistema solar.

5. Sua rotação é muito especial, pois o seu período de precessão é muito elevado enquanto o seu período de rotação é muito lento. A rotação de Toutatis difere radicalmente da rotação da maior parte dos corpos do sistema solar que já foram estudados. O asteróide não gira ao redor de um eixo simples, mas ao redor de dois eixos. A combinação desses dois movimentos, um em 5,41 dias e o outro em 7,35 dias, dá a Toutatis uma rotação muito estranhamente oscilante.

Máximas aproximações da Terra

Com o período de rotação de cerca de quatro anos, Toutatis já passou diversas vezes nas proximidades da Terra desde a sua descoberta. A primeira foi por ocasião de sua descoberta em 1989, em seguida em 1992, 1996 e 2000. Entre o ano de 1353 e o de 2562, Toutatis fará a sua mais próxima passagem ao nosso planeta no dia 29 de setembro de 2004, quando o asteróide e a Terra estarão separados de somente 1.549.874 10 quilômetros, ou seja, cerca de quatro vezes a distância da Terra à Lua. Ainda este ano, por ocasião de sua menor distancia ao nosso planeta, deverá alcançar a magnitude de 8,9.

Este asteróide já “raspou” pelo nosso planeta há várias dezenas de anos, em 1992, passou a 0,02414 unidades astronômicas da Terra, ou seja, três milhões e seiscentos mil quilômetros, em 1996, 2000, e fará suas próximas visitas nos anos de 2004, 2008, 2012 etc.

Ao ser anunciada tal série de proximidades, alguns periódicos aproveitaram o risco de Toutatis se chocar com a Terra para associá-lo à próxima passagem do milênio e sugerir que uma catástrofe estava já programada para antes da passagem do século, numa evidente confirmação das profecias de Nostradamus (1503-1566). Anunciou-se que no caso de um tal encontro, as conseqüências seriam equivalentes à explosão de um milhão de bombas termonucleares de um megaton.

O fato correu mundo apesar de que um tal impacto seja muito pouco provável. Todavia, os cientistas que se encontravam interessados no estudo da natureza e dos aspectos dos asteróides, ao ser anunciada com antecedência de quatro anos a passagem de 1992, consideraram-na como uma oportunidade única para estudá-lo minuciosamente com as novas tecnologias.

As imagens de radar

Como a presença da luminosidade lunar não perturba as observações em radarastronomia, não há duvida de que as imagens de radar serão superiores as obtidas em 1992 e 1996 por intermédio do radiotelescópio de Arecibo ou pelo radar de Goldstone que, no entanto, transformaram o asteróide numa celebridade astronômica.

As imagens de radar 1992

As imagens obtidas na antepenúltima passagem de Toutatis pela Terra, em 8 de dezembro de 1992, revelaram dois objetos de forma irregulares, recobertos de crateras, com cerca de 4 km e 2,5 km de diâmetros que parecia estar em contato um com o outro.

A passagem de dezembro de 1992 ocorreu a somente 9,4 vezes a distância que nos separam da Lua. Tal proximidade justificou que a antena gigante do radiotelescópio de Arecibo (Porto Rico) e a antena radar de 70m de diâmetro radar de Goldstone, no deserto californiano de Mojave (Califórnia), fossem utilizadas em uma série de medidas destinadas a determinar a forma e o período de rotação do asteróide. O radar de Arecibo observou Toutatis de 14 a 19 de dezembro.

As observações radar foram efetuadas no complexo de comunicação do Deep Space Goldstone (Espaço profundo de Goldstone), de 2 a 18 de dezembro, no deserto californiano de Mojave por uma equipe conduzida pelo astrônomo norte-americano Steven Ostro do JPL. Os sinais levavam 24 segundos para ir até o Toutatis e retornar. Os ecos foram captados pela antena de 34 metros de diâmetro de Goldstone e reenviados as estações onde foram decodificados e tratados trata revelaram dois objetos de formas irregulares, recobertos de crateras, de aproximadamente de 4 quilômetros e 2,5 quilômetros de diâmetro, provavelmente em contato um com o outro.

As quatro imagens, obtidas nas noites de 8, 9, 10 e 13 de dezembro, quando Toutatis passou a uma distância média da Terra de 4 milhões de quilômetros, mostraram várias crateras em sua superfície. O tempo necessário para obter cada uma dessas fotografias foi respectivamente de 55, 14, 34 e 85 minutos. A cada noite o asteróide apresentava uma orientação diferentes em relação à Terra. Nas imagens obtidas, a iluminação radar vindo do alto não permitiram que as partes inferiores pudessem ser observadas. A grande cratera registrada, no dia 9 de dezembro, parece ter 700 metros de diâmetro.

As imagens de radar 1996

As imagens de radar de 29 de novembro e 1 e 2 de dezembro de 1996 não foram tão próximas como aquelas de 1992. Com efeito, nesta passagem a distância a Terra foi de 13,8 vezes a distância da Terra a Lua, no entanto, as imagens obtidas com a antena de Goldstone podem ser utilizadas em nove momentos, permitindo determinar novos parâmetros para o movimento de rotação e, deste modo, foi possível elaborar modelos mais precisos da forma do asteróide. Lamentavelmente, o radiotelescópio de Arecibo não esteve disponível.

Observação do asteróide em 2004

A aproximação de 2004 será particularmente interessante para os astrônomos profissionais, assim como para os astrônomos amadores, que poderão ter a ocasião de poder tentar observá-lo por intermédio de binóculos ou pequenas telescópios. No entanto, as condições de observação não serão as mais favoráveis, em virtude da presença da Lua cheia (28 de setembro) coincidir a máxima aproximação do asteróide com a Terra.

No início de setembro de 2004, o Toutatis se encontrará próximo ao limite das constelações do Aquário e Capricórnio. Nesta ocasião, o asteróide se deslocará lentamente do sul para o oeste na razão de 13 minutos por dia.

À medida que Toutatis se aproxima da Terra, o asteróide vai tornar se mais brilhante e a sua velocidade aparente vai aumentar. Em 19 de setembro, o seu deslocamento atingirá um grau por dia. Com a sua declinação decrescendo cada vez mais a partir de 27 de setembro, o Toutatis se tornará um objeto de fácil observação para os astrônomos do hemisfério sul.

Em 12 de setembro, à 1hora, Toutatis se encontrará a 54 minutos a leste da estrela Delta do Capricórnio. Em 18 de setembro, às 4horas, passará próximo à estrela Kapa do Capricórnio. De 24 a 30 de setembro, o pequeno planeta passará pelas constelações austrais do Microscópio, Telescópio, Pavão, Altar, Triângulo Austral, da Bússola e do Centauro. A figura abaixo representa a trajetória do planeta entre as estrelas.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titular do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 70 livros, entre outros livros, do “O que é ser Astrônomo”. Consulte a homepage: http://www.rogeriomourao.com

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