Graham Bell e suas sombras

As cifras atuais apontam que o número de telefones celulares corresponde praticamente à metade da população brasileira de 180 milhões de habitantes. Indubitavelmente a "paternidade" dos avanços em telecomunicações foi e ainda continua sendo atribuída a Alexander Graham Bell, que veio à luz em Edinburgh, Escócia, em 1847, e antes de sua fase mais criativa mudou-se inicialmente para Ontário, Canadá, e logo a seguir para Boston, Estados Unidos. Bell sempre fora estimulado pelo avô e pai, ambos dedicados ao aperfeiçoamento da voz e fala, à correção de deficiências auditivas e à compreensão, em base científica, dos sons. A mãe, surda desde jovem, lhe inspirou especial atenção para este tipo de deficiência física.

Uma fonte especialmente inspiradora para Bell foi o cientista alemão Hermann von Helmholtz, estudando a influência elétrica sobre a voz e sons, com o intuito de sintetizar sons que Bell equivocada e felizmente (o livro estava escrito em alemão, língua que Bell não dominava) interpretou como esforços para usar a eletricidade para conduzir os sons e a voz à distância.

Mente fértil, já aos 11 anos Bell havia inventado uma máquina de limpeza para o trigo e mesmo um ano antes de sua morte (aos 75 anos) recebia a patente pela embarcação aquática mais rápida do mundo, a HD-4. Aos 14 anos, com auxílio dos irmãos, montou um aparelho fonador usando como base uma caveira. Inseriu-lhe um tubo com "cordas vocálicas", palato língua, dentes e lábios, além de um fole, o que fazia a montagem balbuciar a palavra "ma-ma", imitando uma criança chorando.

Seguindo 1875, quando recebeu uma patente para a transmissão de múltiplos sinais telegráficos por um único cabo, Bell com o auxílio de seu assistente, Thomas Watson, anunciou, em 1876, a descoberta do telefone então designado de "máquina elétrica para a fala". O primeiro posto telefônico foi instalado em New Haven, Connecticut. Seis anos depois já estavam em prática as chamadas telefônicas entre Boston (no Estado de Massachusetts) e a grande metrópole de New York. Atuante em várias frentes de trabalho, Bell substitui, em 1898, o sogro na presidência da revista National Geographic Magazine, transformando o velho boletim no atual e rico formato que ela detém até hoje.

Bell obteve ao todo 30 patentes (18 delas exclusivamente em seu nome; 12 com parceiros) em temas tão diversos como telégrafo e telefone, fotofone e fonógrafo, vínculos aéreos, hidroaviões e célula de selênio. A mais famosa, para o telefone, foi a United States Patent 174,465. Notável professor para surdos (usando a linguagem criada pelo pai) em sua longa estada nos Estados Unidos, dois de seus pronunciamentos fizeram história. "Mr. Watson: come here, I want to see you" ("Senhor Watson, venha até aqui. Eu quero vê-lo", na pioneira comunicação telefônica com seu assistente) e "Inventor é o homem que olha para o mundo em torno de si e não fica satisfeito com as coisas como elas são. Ele quer melhorar tudo o que vê e aperfeiçoar o mundo. É perseguido por uma idéia, possuído pelo espírito da invenção e não descansa enquanto não materializa seus projetos" (palavras do próprio inventor no museu que leva seu nome, em Baddeck, Nova Scotia, Canadá, local onde morreu em 2 de agosto de 1922).

Bell se antecipou em um par de horas a seu concorrente, o prof. Elisha Gray, no ato de depósito da patente para o telefone. Fruto da contestação do concorrente, o questionamento judicial arrastou-se por vários anos, mas Bell restou vencedor dos direitos autorais para o telefone.

Contemporaneamente e até com endosso do Congresso norte-americano (desde 25 de setembro de 2001) a invenção do telefone é atribuída a outro imigrante, o italiano Antonio Meucci. A vida deste cidadão, um anarquista florentino, foi das mais tristes. Sua inspiração na busca do telefone adveio de sua função de operador de máquinas em teatros e a necessidade de comunicação à distância com seus pares de trabalho. Sem meios para conduzir, a partir de 1857, o patenteamento de sua idéia, o projeto foi se arrastando até que os desenhos foram entregues à Western Telegraph Companhy, que após muita contemporização os alegou como perdidos. Posteriormente (1871), Meucci também perdeu direitos sobre a idéia por não dispor dos recursos para pagamento das taxas de renovação de praxe junto ao Ofício de Patentes de Washington. Bell morreu rico, o mesmo destino que Gray (também detentor de outras patentes, como o "telégrafo musical"). Meucci, com todos os méritos, faleceu em meio à extrema pobreza, levemente aliviada pela generosidade de alguns patrícios e do senhorio alemão.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T. 

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