Gagárin, o homem propaganda de uma nova era

Uma nova era de propaganda do socialismo iniciou-se quando, em 12 de abril de 1961, às 9h7min, hora local, Gagárin foi lançado ao espaço na nave Vostok 1, do cosmódromo de Tyuratam-Baikonur. Após uma viagem de 1h48min, aterrissou na aldeia de Smelovka, em Saratskaia. Sua espaçonave descreveu uma órbita com perigeu (ponto mais próximo da Terra) de 181km e apogeu (ponto mais afastado da Terra) de 327km, em 89min/s. Gagárin permaneceu sentado no interior da cápsula esférica que o transportou no espaço até a aterrissagem. Como a nave era totalmente automatizada, o papel do herói do primeiro vôo orbital ?tripulado? foi de um mero expectador. Ao contrário do que ocorreu nos cinco vôos subseqüentes, quando um assento ejetor foi usado a 7.000m de altitude, presumivelmente para evitar o violento impacto com o solo, permitindo aos cosmonautas descerem suavemente de pára-quedas.

A nave com Gagárin desceu, às 10h55min, hora local, próximo à cidade de Smelovka, a 23km de Saratov. Logo depois que a cápsula recuperável atingiu o solo, os cintos de segurança se romperam automaticamente. Gagárin abriu a escotilha e saiu do veículo diante do olhar espantado de uma velha camponesa e de sua filha Rita, que indagou:

– Você veio do céu, por acaso?

– Imagine você que sim, respondeu Gagárin, que foi logo em seguida levado por um grupo de soldados que, mais tarde, instalou um posto de guarda junto à cápsula. Pouco depois, um helicóptero M14, do grupo de recuperação, pousou nas vizinhanças. O comissário esportivo – Ivan Borissenko – registrou os primeiros recordes, segundo as regras da Federação Aeronáutica Internacional: de altura (327 km); de tempo (108 minutos); de peso do veículo cósmico (4.725 kg). Logo em seguida, o helicóptero conduziu Gagárin ao aeroporto mais próximo, de onde telefonou para os dirigentes soviéticos.

Por volta de 4 horas da tarde, um avião Illiúchin-14 aterrissou no aeroporto de Kuibychev. Gagárin foi o primeiro a descer do avião.

O enviado especial do Pravda entrevistou-o:

– ?Como é o céu, lá de cima??

– ?Escuro, camarada, muito escuro??, respondeu.

– ?E a Terra, como a viu??

– ?Ela é azul. Quando sobrevoava a América do Sul e a África, vi a costa e os grandes lagos. É uma paisagem admirável.?

Dois dias depois de sua aterrissagem, Gagárin foi recebido no Kremlin como herói nacional. Sua fama transformou-o num embaixador da alta tecnologia e da coragem soviéticas. Com esse objetivo, viajou ao redor do mundo, tendo sido recebido nas principais cidades como um herói da humanidade. Depois de passar por Cuba, Gagárin esteve no Brasil, onde chegou no dia 29 de julho de 1961. Após visitar Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, voltou em 5 de agosto. Na cidade do Rio de Janeiro foi recebido, na Casa da Gávea Pequena, então propriedade do banqueiro Drault Ernanny, por um grupo de cientistas e intelectuais, dentre eles Leite Lopes, Álvaro Alberto, Osório Meirelles, Luiz Muniz Barreto e o autor deste artigo. Ao chegar em Brasília, foi recepcionado por Jânio Quadros, que o condecorou com a medalha do Cruzeiro do Sul, depois de contemplar a cidade construída por Oscar Niemeyer, o cosmonauta comentou: ?A impressão que tenho é a de estar chegando a um planeta diferente?.

Ainda em Brasília a mensagem do chefe de governo Nikita Kruchev ao presidente brasileiro entregue por Gagárin foi o primeiro passo para o restabelecimento de relações diplomáticas entre as duas nações, o que iria acontecer em dezembro de 1961.

O primeiro astronauta, Yuri Alekseevitch Gagárin, nasceu em 9 de março de 1934, na aldeia de Kluchino, na parte ocidental da Rússia. Seu pai – Aleksei Gagárin – era carpinteiro e a mãe – ordenhadeira. Após a II Guerra Mundial, a família de Gagárin transferiu-se para a cidade de Gjatsk, atual Gagárin, em homenagem a seu mais ilustre habitante. Uma vez concluídos os estudos na escola secundária, Yuri ingressou numa escola técnica de fundidores. Sua grande paixão pela técnica, bem como pelo esporte, muito influenciou seu destino, em particular na escolha da profissão. Após ter sido aprovado no concurso de admissão, matriculou-se na Escola Técnico-Profissional de Sarátov, onde foi dedicado aluno de matemática e física, duas de suas matérias favoritas. Uma de suas dissertações seria dedicada ao pioneiro da cosmonáutica soviética, o mestre-escola Konstantin Tsiolkóvski, cujas obras, como confessou mais tarde, transformaram sua visão do mundo.

Enquanto preparava sua tese de fim de curso, Yuri aprendeu a pilotar avião no aeroclube local, durante a noite. Estava dado o grande passo que o conduziria à Escola de Aviação de Orenburgo. Nesta escola encontrou Valentina, com quem se casou e de quem teria mais tarde dois filhos.

Ao concluir o curso de aviador, foi-lhe proposto o emprego de piloto-instrutor. Não aceitou, preferindo ir voar, em condições meteorológicas mais adversas, no norte da Rússia. Tornou-se assim um perito em vôo.

Ao atingir a idade de 26 anos, após passar no exame médico, Yuri entrou para o grupo dos dez primeiros cosmonautas soviéticos. Depois de um ano de estudos e treinamentos foi escolhido para ser colocado em órbita ao redor da Terra.

Durante um vôo de treinamento, num Mig 15 de dois lugares, versão de treinamento do primeiro caça a jato da força aérea soviética, os cosmonautas Yuri Gagárin e Vladimir Seriogin foram obrigados a preceder uma brusca manobra com objetivo de evitar uma colisão com dois outros aviões, um Mig 21 e outro Mig 15, que se aproximaram perigosamente do jato de Gagárin. Depois de entrar em parafuso, girando fora de controle, o avião de Gagárin caiu num ponto a nordeste de Moscou. Assim, desapareceu, a 27 de março de 1968, o primeiro homem a realizar uma volta completa ao redor da Terra num satélite artificial.

Até o início de 1988 haviam sido sugeridas diversas hipóteses para explicar o acidente. Uma primeira investigação inclinou-se por uma sabotagem a bomba ou por envenenamento dos dois pilotos. Uma segunda sugeriu que Gagárin e Seriogin haviam perdido o controle do pequeno caça depois de uma colisão com um pássaro ou um balão meteorológico. Finalmente, em janeiro de 1988, depois de uma reinvestigação do caso, ficou evidente que o acidente foi provocado por um erro da torre de controle de vôo e de tráfego aéreo, ao permitir que dois outros aviões penetrassem na mesma região em que o Mig 15 de Gagárin estava realizando um vôo de treinamento.

A admiração de milhões de pessoas não lhe alterou a personalidade, e Gagárin conservou as melhores qualidades de caráter: sinceridade, coragem, perseverança. Deixou uma das mais célebres frases que a humanidade já ouviu: ?A Terra é azul?.

O sucesso de Gagárin deu à Astronáutica a dimensão humana e tornou realidade um velho sonho dos homens que idealizavam um dia viajar pelo espaço. O impacto provocado por Gagárin só seria comparável à descida dos norte-americanos Neil Armstrong e Edwin Aldrin na Lua.

Na realidade, apesar de Gagárin ser considerado um herói, o grande mérito da missão coube ao engenheiro de vôos espaciais Serguei Pavlovith Korolev (1927-1966) – o pai do programa espacial soviético -que concebeu, comandou e acompanhou pessoalmente todo o desenvolvimento do projeto Vostok 1, veículo que transportou Gagárin. Aliás, somente após a morte é que a identidade de Korolev foi revelada ao grande público. Em 1937, foi prisioneiro por quase seis anos no auge do regime de repressão de Stálin, que o soltou, em 1942, ao compreender que iria precisar do seu talento para projetar e construir mísseis durante a II Guerra Mundial.

As contribuições de Korolev à Astronáutica são incríveis. Seu nome está associado às principais missões da era espacial: o primeiro satélite artificial da Terra (1957); as primeiras fotografias da face oculta da Lua (Lunik III, 1959); o primeiro veículo espacial habitado: Yuri Gagárin (1961); a primeira mulher cosmonauta, Valentina Terechkova (1963); a primeira saída de um homem no espaço: Aleksei Leonov (1965); o primeiro impacto de uma sonda em outro planeta: Vênus (1966) e a primeira alunissagem de uma sonda (Lunik IX, 1966).

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é astrônomo, criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, escreveu mais de 75 livros, entre outros, Astronáutica – Do Sonho a Realidade. A História da Conquista Espacial. Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com

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