Einstein na Academia Brasileira de Ciências

Dando continuidade ao périplo de Albert Einstein pelo Brasil, ele conheceu a Academia Brasileira de Ciências, com sede no antigo Pavilhão Tchecoslovaco da Exposição do Centenário da Independência, na Avenida das Nações (hoje Avenida Presidente Wilson), onde se encontrava instalada e em funcionamento, desde 20 de abril de 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, atual Rádio Ministério da Educação e Cultura, fundada por Henrique Morize e Edgard Roquette Pinto, e Academia Brasileira de Ciências, fundada com a denominação de Sociedade Brasileira de Sciencias, em 23 de julho de 1916, na Escola Politécnica, na cidade do Rio de Janeiro por um grupo de homens de ciências, liderado por Henrique Morize, presidente, e os seguintes membros fundadores: Oswaldo Cruz, Ennes de Souza e Joaquim Cândido Costa Sena,vice-presidentes; João Alberto C. Löfgren, secretário-geral; Everaldo Adolpho Backheuser, primeiro secretário; Edgard Roquette-Pinto, segundo secretário; Alberto Betim Paes Leme,tesoureiro.

O Pavilhão Tchecoslovaco era um belíssimo prédio de linha arrojadas, com uma cobertura de vidro que aproveitava ao máximo a iluminação solar, como deviam ser as construções nas regiões de grande insolação.

Após a visita à Rádio Sociedade, Einstein se dirigiu a Roquette Pinto: após minha visita a essa Rádio Sociedade, não posso deixar de, mais uma vez, admirar a que esplêndidos resultados que alcançaram a ciência aliada à técnica, transmitindo aos que vivem isolados os melhores frutos da civilização. É verdade que o livro também o poderia fazer, e o tem feito, mas não com a simplicidade e segurança de uma exposição cuidada e ouvida de viva-voz. O livro tem de ser escolhido, porque por vezes traz dificuldades.

Na cultura transmitida pela radiodifusão, desde que sejam pessoas judiciosas as que se encarregam das divulgações, quem as ouve recebe, além de uma escolha judiciosa, opiniões pessoais e comentários que aplainam os caminhos que facilitam a sua compreensão. Essa é a grande obra da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

Comunicação

À mesa de conferências, na Academia, sentaram-se o seu presidente e vice-presidente, respectivamente, os professores Henrique Morize e Juliano Moreira, o embaixador dos EUA, Edwin Morgan, e o Sr. Isidoro Kohn. Em virtude do estado de saúde de Morize, coube a Juliano Moreira saudar o visitante em nome da Academia, quando foi proposta a sua admissão como membro-correspondente, cuja aprovação se fez, imediatamente, por aclamação Em seguida falou, em francês, o professor Francisco Lafayette Rodrigues Pereira:

"Professor Einstein: A Academia Brasileira de Ciências quis por bem que um de seus membros infinitamente pequeno saudasse um infinitamente grande. Isto porque o contraste sempre é agradável à humanidade. Em quase todos os campos da Física, o senhor trouxe uma contribuição fundamental. Sem me reportar a todos os seus trabalhos, os estudos sobre o movimento browniano, o calor específico, a lei dos quanta luminosos bastariam, aliás, para consagrá-lo como físico eminente. Mas foi na teoria da relatividade – síntese completa dos fenômenos físicos – onde seu gênio se revelou. Muito jovem ainda, com apenas 26 anos, o senhor publicou trabalhos que vieram renovar a nossa concepção de mundo. O grande Lorentz, para evitar a contradição entre as experiências impecáveis de Fizeau e as de Michelson, imagina a hipótese da deformação dos corpos e, no entanto, esta hipótese já era explicada por Fitzgerald a certos fenômenos eletromagnéticos, sem que ele o soubesse.

Mas, senhor professor, o senhor ampliou a hipótese de Lorentz, do princípio da relatividade, em sua concepção de 1905, admitindo dois postulados – um racional: "As leis segundo as quais se modificam os estados dos sistemas físicos são independentes uma vez que as relacionamos a um ou a outro dos dois sistemas de coordenadas que estão em estado de movimento relativo uniforme"; e outra, experimental: "A velocidade da luz é a mesma em todas as direções, qualquer que seja o estado de movimento do meio percorrido."

A perspicácia e acuidade de sua inteligência que nos revelou a relatividade da simultaneidade se revelam de maneira maravilhosa nesse fato. Mas esse princípio, formulado em 1905, era então apenas aplicado a um caso particular – ao do movimento retilíneo e uniforme. De resto, era preciso dar a essa teoria mais amplitude aplicando-a a um movimento qualquer, capaz de englobar o primeiro, como um caso limite. Foi então que, numa centelha própria do gênio, formulando o princípio de equivalência e utilizando a generalização que Reimann fez das coordenadas intrínsecas de Gauss em continuação de n dimensões, o senhor estabeleceu o princípio da relatividade generalizada, cuja idéia fundamental pode ser assim formulada: "Todos os sistemas de coordenadas de Gauss são em princípio equivalentes para exprimir as leis gerais da natureza."

 O senhor resolveu finalmente, de uma maneira difinitiva, o problema da gravitação. O senhor reúne de uma maneira admirável em uma só pessoa um físico genial e um matemático eminente. É nesta teoria da relatividade que encontramos a única aplicação prática do cálculo tensorial de Ricci e Levi-Ciita. Se, por acaso, a experiência não tivesse brilhantemente confirmado a exatidão de sua teoria, ela permaneceria, ainda assim, como um trabalho monumental de análise matemática.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 70 livros, entre outros livros, do "Explicando a Teoria da Relatividade".

Cientista apresentou estudos da natureza da luz

Ao contrário de um discurso de agradecimento, Einstein em consideração à Academia fez uma rápida comunicação sobre os resultados que estavam sendo obtidos nos estudos realizados sobre a natureza da luz, comparando a teoria ondulatória da luz e a dos quanta:

Até pouco tempo acreditava-se que com a teoria ondulatória da luz, na sua forma eletromagnética, se tivesse adquirido um conhecimento definitivo da natureza da irradiação. Sabe-se, entretanto, há cerca de 25 anos, que aquela teoria, embora representando com justeza as propriedades geométricas da luz (refração, difração, interferência, etc.) não permite explicar as propriedades térmicas e energéticas da irradiação. Uma nova concepção teórica, a teoria do quantum luminoso, semelhante à teoria de emissão de Newton, apareceu ao lado da teoria de ondulação da luz e adquiriu, pelo seu poder de explicação (explicação da fórmula de irradiação de Plank, dos fenômenos fotoquímicos, teoria atômica de Böhr), uma posição segura na ciência.

Uma síntese lógica da teoria dos quanta e da teoria ondulatória não se conseguiu até hoje, apesar de todos os esforços dos físicos. É por essa razão muito discutida a questão da realidade dos quanta de luz. Há pouco tempo, tentou Bohr, juntamente com Cramers e Slater, explicar teoricamente as propriedades energéticas da luz, sem lançar mão da hipótese de que a irradiação é constituída de quanta análogos e corpusculares. Segundo a opinião desses pesquisadores, devemos continuar a imaginar a irradiação constituída de ondas que se propagam em todas as direções e que, embora absorvidas pela matéria de modo contínuo, como quer a teoria ondulatória, produzem, de acordo com as leis da estatística, efeitos idênticos aos de átomos da natureza do quantum, passando-se tudo como se a irradiação fosse constituída de quanta, de energia hn e de impulso igual a hn/c.

Por essa concepção, abandonaram os autores a validez exata dos teoremos da conservação da energia e da quantidade de movimento, substituindo-os por uma relação que aspira apenas a um valor estatístico.

A fim de verificar experimentalmente esse modo de ver, tentaram os físicos berlinenses Geizer e Bothe uma interessante experiência sobre a qual desejaria chamar a nossa atenção. Há alguns anos tirou Compton, da teoria dos quanta de luz, uma conseqüência de grande importância e que a experiência confirmou. Por ocasião da difusão de raios Roentgen duros pelos elétrons constitutivos do átomo, pode acontecer que o impulso (choque) do quantum seja suficientemente forte para separar o elétron do átomo.

A energia necessária para isso é retirada do quantum, por ocasião da colisão, e manifesta-se, de acordo com os princípios da teoria dos quanta, na diminuição da freqüência da irradiação difundida, comparada com a irradiação incidente constituída pelos raios Roentgen.

Esse fenômeno, verificado pela experiência qualitativa e quantitativamente, é conhecido sob a denominação de efeito Compton. Para que se possa compreender o efeito Compton pela teoria de Böhr, Cramers e Slater, é necessário conceber a difusão da irradiação como um processo contínuo em que tomam parte todos os átomos da substância que difunde aquela irradiação, enquanto a emissão dos elétrons tem apenas o caráter de acontecimentos isolados que obedecem a leis estatísticas.

Pela teoria dos quanta de luz, também a difusão da luz possui o caráter de acontecimento isolado, devendo sempre existir, em uma determinada direção, um elétron emitido toda vez que, pela irradiação que incide sobre a matéria, é produzido um efeito secundário.

Pela teoria dos quanta da luz, existe, assim, uma dependência estatística entre a irradiação difundida, no sentido de Compton, e a emissão de elétrons, dependência que não deve existir pela concepção teórica dos autores referidos.

Para verificar o que se dá na realidade, é necessário um aparelho capaz de constatar um único processo elementar de absorção, e um único elétron emitido.

Esse aparelho existe na ponta eletrizada, onde um único elétron por ela apreendido gera, pela formação secundária de íons, uma descarga momentânea suscetível de ser medida.

Com duas dessas pontas convenientemente dispostas, conseguem Geiger e Bothe responder à importante questão da existência da dependência estatística dos fenômenos secundários referidos.

Por ocasião da minha partida da Europa, as experiências não estavam ainda concluídas. Os resultados até agora obtidos parecem, entretanto, mostrar a existência daquela dependência.

Se for verificada essa dependência, tem-se um novo argumento de valor em favor da realidade dos quanta de luz. (RRFM)

Comunicação foi publicada em revista especializada

Essa breve comunicação de Einstein foi publicada, em 1926, no primeiro número da Revista da Academia Brasileira de Ciências, antecessora dos atuais Anais da Academia Brasileira de Ciências. Tal artigo tratou, muito resumidamente, dos resultados das pesquisas que na época se faziam, em Berlim, sobre a natureza da luz.

Com referencia aos discursos, escreveu Einstein, mais tarde, em seu Diário que os oradores são entusiasmados, quando fazem o elogio de alguém, na verdade, elogiam a eloqüência. Penso que estas baboseiras inconseqüentes estão relacionadas com o clima. [Embora, a maior parte] das pessoas não aceitem relação.

No início dos anos 1980, sabedor do meu interesse pela visita de Einstein ao Rio de Janeiro, através dos meus artigos no Jornal do Brasil, contou-me Antônio Houaiss, que Silva Mello, seu colega na Academia Brasileira de Letras, relatou-lhe que Einstein havia confidenciado que quando estava com a comissão de recepção, pensava consigo mesmo: "Ou eles são muito mais inteligentes do que sou", concluindo "ou o contrário, sou um idiota e eles um gênio"

Durante anos, tive receio em reproduzir e escrever sobre esta frase de Einstein, embora não tivesse dúvida que tinha um fundo de verdade; era muito típica do nosso criador da relatividade. Depois que tive a oportunidade de encontrar o texto digitado do diário de Einstein relativo à sua viagem a América do Sul na internet, tive o cuidado de copiá-lo e levá-lo a um tradutor. Numa rápida leitura, descobrimos que no dia 6 de maio, depois do encontro com Silva Mello, a noite, no hotel, Einstein teria escrito no Diário: "Sou um elefante branco para eles, e eles para mim, tolos." Não havia mais dúvida, Silva Mello não tinha criado aquela frase. (RRFM)

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