Drogas de abuso: maconha e haxixe

Dois fatos da semana passada fazem reviver a polêmica em torno do uso ou vício de se fumar maconha. No cenário internacional, a posição firme do Prêmio Nobel de Economia de 1985 Milton Friedmann, acompanhada de centenas de pares, pedindo ao presidente George Bush a liberação da marijuana. Tal apelo, se atendido, segundo outro membro do conservador Instituto Hoover da Califórnia (Jeffrey A. Miron), implicaria numa economia anual de cerca de US$ 14 bilhões ao governo norte-americano. No cenário nacional, o compositor e cantor Lobão declarou à revista Isto É que seu último CD foi embalado em muita maconha.

Maconha e haxixe correspondem respectivamente às duas espécies da planta Cannabis ou seja, C. sativa e C. indica (cânhamo). A 1.ª é mais conhecida nas Américas e a 2.ª na Ásia. A diferença maior é que enquanto para os cigarros de maconha se emprega grosseiramente toda massa foliar e floral da planta, para a 2.ª se opera com um extrato resinoso, portanto farmacologicamente muito mais potente em função direta do conteúdo do bioativo: THC ou tetrahidrocanabinol, droga lipossolúvel que se distribui em todos os tecidos, inclusive o cerebral e que nas células dispõe de um tipo específico de receptor dito canabinóide. O THC parece estimular a enzima fosfolipase A2, aumentando a produção de ácido araquidônico, diacilglicerol (DAG) e inositol trifosfato (IP3). Este sistema mediador (2.ºs. mensageiros) é talvez o responsável pelo THC inibir a canal de cálcio que regula a liberação de neurotransmissores.

De fato, neste tipo de vegetais ocorrem cerca de uma meia centena de outros canabinóides mas o dominante é o THC (entre 0,5 e 7% do peso seco da planta), o que pode ser substancialmente elevado através de práticas culturais especiais como a hidroponia.

Dentro do mercado relativamente liberal yankee o princípio bioativo ou tóxico (dependendo da dosagem) da marijuana é comercializado como Marinol (dronabinol) e Cesamet (nabilone), este um derivado canabinóide assemelhado. Ambos são usados oralmente para o tratamento das náuseas e vômito dos pacientes submetidos à quimioterapia para câncer. Outro uso destas drogas de síntese farmacêutica (não são preparadas a partir dos vegetais) é o controle da anorexia (inapetência total) dos pacientes acometidos de aids. Outras indicações seriam o controle de ataques epiléticos e o glaucoma (hiperpressão intraocular).

Como efeitos imediatos do ato de fumar maconha, dentre outros, advém a euforia (e daí o gargalhar grupal típico) seguida de relaxamento e sonolência; as medidas e distâncias tendem ao exagero; taquicardia (aumento dos batimentos cardíacos) e hiperemia conjuntival (avermelhamento dos olhos); incremento do apetite, sobretudo para doces e sensação de boca e garganta secas. Alguns são tomados de aumento da sociabilidade sustentando longas discussões sobre temas absolutamente fúteis. Outros experimentam um refinamento auditivo e daí a inclinação (induzida) para a música. Doses mais elevadas de THC podem provocar ilusões, alucinações e paranóias. A longo prazo e como resultado do efeito cumulativo os alvos são os pulmões (risco de câncer similar ao do tabaco) e o sistema cardiovascular.

É fato aceito de que outras drogas tais como o tabaco (rico em nicotina) e o álcool levam a um grau de dependência muito maior do que a maconha. Questionamento oposto, igualmente válido, é que a maconha, talvez a menos daninha das drogas de abuso, é a porta de entrada para vícios "mais pesados" como a cocaína e crack. Feliz e diferencialmente em relação a outras drogas, os efeitos de um "baseado" cessam após um par de horas (dependendo da sensibilidade peculiar de cada fumante).

No País, a descriminilização da maconha é uma questão ainda aberta à discussão e o dispositivo legal (acertadamente, a nosso ver) pune mais enfaticamente o traficante do que o consumidor.

Quanto ao haxixe, a expressão provém do árabe aschichin, assassino, e sob a forma haschischino denominava os sicários que sob o comando de Hassan-Ben-Sabbah, cognominado o "Sheik da Montanha", cometiam sob os efeitos da droga, fornecida por este, inúmeros assassinatos na área que hoje constitui a Síria. Quanto à maconha, a origem é a palavra quimbundo (raça africana), malkaña.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador 1A do CNPq e 11.º Prêmio Paranaense em C&T.

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