Biodiesel : 1. O Paraná no pré-deserto da Califórnia

Palm Springs, no Vale Coachella, é um colírio de cidade plantada no pré-deserto californiano. Este o cenário escolhido pelo NBB – National Biodiesel Board e pela poderosa ASA – American Soybean Association para aninhar a “National Biodiesel Conference & Exposition – 2004” e seus 500 inscritos, dos quais apenas 3 brasileiros, paranaenses e … residentes em Curitiba. Ali, na 1.ª semana de fevereiro/2004, veio à luz o ponto de vista, em poucas conferências plenárias e numerosas sessões técnicas simultâneas, do que pensam os 400.000 sojicultores norte-americanos (30% dos quais já usando biodiesel) e seus porta-vozes corporativos. Na plenária final houve um generoso espaço para a experiência mundo afora (“Biodiesel Wordwide”), onde junto com a Europa, Canadá e Austrália, pudemos sintetizar **, em nome da SETI / MCT e do CERBIO / TECPAR, parte do que acontece hoje no Biodiesel Brasileiro (CENPES-PETROBRÁS, COPPE/EQ-UFRJ/INT-RJ, ECOMAT-MT, TECBIO-CE, USP-RP-SP, UESC-BA, WJC/SoyMinas), a COCAMAR/1983, a UFPR/1984 e a sólida e histórica contribuição do Paraná, centrada em biodiesel no TECPAR desde 1997 (que também emparceirou com a SANEPAR-Londrina em biogás, já em 1984!) e mais agora no CERBIO/TECPAR (convênio MCT-SETI), e suas parcerias antigas com a ALCOPAR, AUDI-VW, BOSCH, COAMO, COPEL, ECOMAT, IPT-SP, LACTEC, REPAR-PETROBRÁS, SMMA, VOLVO, UFPR e URBS (Viações Sto. Antonio, N.Sra. Luz, Glória e Marechal), dentre outras. De passo, lá nominamos o segundo brasileiro, misto de gaúcho-paranaense-goiano, Hugo Bettio, atuante em armazenagem de grãos / transportes e mais recentemente em biodiesel, quem, no almoço subseqüente, prontamente se dispôs a atender um pleito de doação de 4 toneladas de óleo bruto prensado de girassol e nabo forrageiro e respectivas tortas em favor da etapa de pesquisas em biodiesel sendo discutidas no CGB – Comitê Gestor de Bionergia, recém instalado pelos secretários de Agricultura/Abastecimento Orlando Pessuti e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Aldair Rizzi, em atendimento ao que dispõe o Decr. Est. 2101 do governo Requião que criou o “PR-Bioenergia” – Programa Paranaense em Bioenergia. Ali os membros oriundos da ALCOPAR, COPEL, CREA-PR, EMATER, EMBRAPA-PR, IAPAR, Motores PERKINS, OCEPAR, SEAB, SETI/TECPAR/ CERBIO, UFPR e Universidades Estaduais Públicas, acompanhados de perto pelo vice-governador, estão traçando as linhas-mestras de viabilização de um biodiesel algo diferente daquela visado ou disputado pelas grandes corporações na base de oleaginosas de inverno (além de um pouco também de caroço de algodão), de óleo prensado ao invés de extraído com hexano vindo de petróleo, do simultâneo aproveitamento das tortas, de algum destino para a glicerina bruta, acumulada pelo coletivo por impraticável que é para o individuo, e a marca “Brasil-PR” no co-reagente: o etanol de cana como insumo e não o tóxico metanol. Enfim, um delineamento que atenda o que o governo Requião embutiu no decreto: o pequeno agricultor (100.000 no Paraná!) e a agricultura familiar também como co-beneficiários da benesse chamada biodiesel, gerando novos empregos, agregando renda, menos fumaça-preta poluente do diesel. O País consome quase 40 bilhões de litros / ano apenas de diesel (o que explica parte do lucro acumulado pela Petrobrás em 2003). Substituí-lo, até em parte, na base de uma “cauda-de-pavão” (biodiesel no diesel) que mimetize o conhecido “rabo-de-galo” (mistura liberal de etanol na gasolina) não é tarefa fácil pois muda uma cultura que, em parte, ainda respira a fuligem da queima do diesel soberano, se esquecendo até que Rudolf, inventor do motor Diesel, o fez funcionar, na Feira de Paris, em 1.900, com óleo bruto de amendoim.

Diferentemente dos biodíeseis brasileiros, em fase de gestação e mais variados pois determinados por uma biodiversidade botânica (girassol, algodão, mamona, dendê, babaçu, além da soja), a primeira palavra de ordem no evento californiano foi a simples alquimia de óleo de soja transgênica + metanol derivado de petróleo já contendo soda e o produto da reação, biodiésel metílico de soja. Muito parecido ao biodíesel, também metílico, de colza, exposto pelo simpático italiano Rafaello Garofalo, falando como secretário executivo para biodiesel na Comunidade Européia. Isto para ficar no grão da leguminosa, pois a planta industrial visitada no arredor industrial do Coachella, Imperial Western, já produz quase 12 milhões de litros de biodiesel / ano a partir de “yellow grease” ou óleo de cozinha… de soja, usado e portanto, ecologicamente, não descartado.

A fábrica admite que por ora ganha muito mais com o comércio da glicerina, um subproduto da transesterificação do óleo vegetal reciclado até biodíesel. Projeta triplicar sua capacidade, acompanhando a tendência dos USA todo 220 milhões de litros de biodiesel em 2004 (só a demanda da ALL – América Latina Logística, de Curitiba, onde a equipe do CERBIO/TECPAR co-monitora o desempenho do biodíesel etílico de soja da ECOMAT-MT, já está estimada pelo seu Diretor-Financeiro Sérgio Pedreiro em 35 milhões de litros / ano, e isto para substituir apenas 20% do petrodiesel que abastece seus potentes trens de carga com 1.400 HPs).

A 2.ª palavra de ordem do evento foi a qualidade do biodiesel, o atendimento de especificações e sua certificação (programa BQ-9000). Biodiesel industrial, se mal-feito, resta contaminado com água, sabões, óleo vegetal residual e glicerina semi-combinada a ácidos graxos ou mesmo livre, execrados tanto nas normas americanas (ASTM) quanto nas européias, que foram transladadas nas normas brasileiras da recente Portaria 255 da ANP – Agência Nacional do Petróleo. Nesta sessão técnica, palestrou (e bem) o terceiro paranaense, o prof. Luiz P. Ramos, da UFPR. O programa do evento se completou com a apresentação das frotas americanas (de transportadoras, de escolas) por um total de 250, o “lobby” organizado para adoção nacional do que já se pratica, por exemplo, no Estado de Iowa (isenção fiscal quase total para viabilizar um preço atraente para o biodíesel). Em termos de preço, confiável, uma placa do posto Northstar Station de Reno, Nevada, anunciava diesel interior # 2 a US$ 1.87 / galão e o biodíesel puro (B100) aos já animadores US$ 1.99. Um galão vale 3,785 litros e um dólar, valia na data, R$ 2.95, o que, respectivamente, equivaleria a diesel e biodiesel na base de R$ 1,46 e R$ 1,55 / litro. Na escala em Dallas, Texas, um taxista confirmou que um trabalhador braçal tem garantidos, por Lei, US$ 6,25 por hora trabalhada ou 3,3 litros de diesel. Aqui, se recebendo um salário-mínimo, a cada hora trabalhada não compraria sequer 1 litro. Histórico: hemisférios Norte e sul, este em minúscula.

Há muito mais que se comentar ainda nesta dinâmica de biodiesel. Um pouco mais sobre quem semeia e quem colherá, inclusive algum impaciente, por ora na sombra.

José Domingos Fontana,

docente voluntário e orientador na PG de Ciências Farmacêuticas da UFPR (LQBB), Pesquisador 1A do CNPq, representante titular da SETI no Comitê Gestor de Bioenergia do PR, ex-Coordenador pro-tempore do CERBIO – Centro Brasileiro de Referência em Biocombustíveis / TECPAR-Instituto de Tecnologia do PR, ex-Diretor Técnico do TECPAR.

(** )”Overviewing the Brazilian Challenges on Biodiesel and Pioneering Contributions of the Parana State” J.D.Fontana, J.C.Laurindo, E.B.Andrade & B.J.Costa.

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