Salto alto melhora a autoestima, mas tenha cuidado

Quanto maior o salto do sapato, maior o frisson entre as mulheres e o desespero dos médicos ortopedistas. Para a maioria delas, o salto é indispensável, mas o que elas esquecem é que o uso prolongado pode trazer danos irreversíveis, não só aos pés, mas também a outras partes do corpo. Prova disso é a atriz Sarah Jessica Parker, a eterna Carrie, de Sex And The City, que deixou de usá-los devido a danos ósseos irreparáveis causados pelos anos em que trabalhava 18 horas por dia, sempre em cima do salto.

A estudante e dona de casa Lilian Guchtain, 34 anos, não sabe viver sem esses centímetros a mais. Depois que acorda e cuida dos filhos, já coloca o saltão e fica assim até o anoitecer. Nem no mercado ela adere aos sapatos baixos. “Acostumei porque uso desde os 14. O pé estranha sem salto, parece que nada combina. Com salto, tudo fica mais elegante. Tenho alguns sapatos baixos, mas ficam encostados no armário”, diz.

Para a gerente de marketing Gislayne Guimarães, 32, o uso do salto se transformou numa necessidade social. Ela conta que percebeu mais respeito das outras pessoas quando começou a usá-los no trabalho e afirma que, às vezes, se pega andando com a ponta dos pés quando coloca um chinelo em casa ou o tênis para ir à academia. “É instintivo. Se coloco uma sapatilha, dói o pé” diz ela, que sente muita dor no calcanhar, onde os nervos provavelmente já estão encurtados. “Tenho até medo de ir a um ortopedista e ele dizer que eu não posso mais usar salto”, diz.

O medo que Gislayne tem, a executiva de vendas Márcia Ribeiro de Oliveira, 42, teve que enfrentar na marra. Ela usou saltos altíssimos a vida toda, principalmentedepois que se tornou vendedora de BMWs, há 13 anos, pois trabalha num ambiente em que o traje social predomina. No final do ano passado, quando pegou uns dias de folga, tirou o salto e já começaram as dores na panturrilha. Depois, foi correr descalça na beira da praia e os pés começaram a doer excessivamente.

Numa consulta com o ortopedista, o diagnóstico: Márcia tinha vários tendões inflamados, dezenas de fraturas por estresse nos ossos dos dois pés. Se tivesse feito qualquer esforço a mais, teria que partir direto para cirurgia de correção, com colocação de pinos. E as fraturas eram resultado do uso excessivo do salto, com pisadas erradas. A partir disto, foram 60 dias com os dois pés imobilizados. Agora, ela está em tratamento fisioterápico, com sessões diárias que vão durar mais de seis meses.

A vendedora conta que as fraturas delas foram silenciosas. “Meu ortopedista explicou que, quando tiramos o salto e estamos repousando, o corpo promove uma autorrecuperação. Como eu acordava bem, não percebi antes, nem dava bola para as pequenas dores”, afirma. Hoje, ela está proibida de usar saltos acima de quatro centímetros, o que tem sido muito difícil para quem andou com saltos altíssimos por anos. Por outro lado, os colegas de trabalho de Márcia parecem ter gostado da readequação de estilo da executiva. “Os homens dizem que eu estou mais acessível. E as mulheres falam que estou mais tolerante”.

Vale a pena correr o risco?

O presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia Regional Paraná e chefe do Departamento de Cirurgia da Coluna da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Xavier Soler Graells, é radical em relação ao salto alto. Ele afirma que o uso contínuo de longo prazo traz alterações degenerativas permanentes aos pés, pernas, bacia e coluna.

Segundo ele, quanto maior o salto, maior a sobrecarga de peso no antepé, o que pode gerar artroses, calos (inclusive o conhecido joanete) e alterações estruturais dos ossos. Os músculos que sustentam o calcanhar também atrofiam, causando dor quando a mulher está descalça ou com sapatos baixos. A posição da bacia se altera, forçando a curvatura natural já existente na coluna e da parte posterior das v&,eacute;rtebras, também gerando dores e inflamações. Além disto, enquanto a mulher está de salto, a musculatura das pernas está sempre contraída, o que diminui a irrigação de sangue e acarreta o surgimento de varizes.

Por sua vez, o coordenador do Centro de Artroscopia e Reabilitação Esportiva do Hospital Santa Cruz, Márcio Hiroaki Kume, entende as demandas sociais das mulheres. Ele admite que as pacientes usem saltos altos, mas com restrições e regras, já que, para muitas, o uso do calçado faz parte do uniforme ou é obrigatório no ambiente profissional. Mas ele alerta: tem que haver um estudo individualizado de cada paciente, pois cada uma tem um tipo de pisada, de marcha e de condição física.

O ideal, diz Kume, é que as mulheres não usem mais do que quatro centímetros de salto no dia a dia. Até este limite, é possível equilibrar 50% do peso do corpo na metade da frente do pé e os outros 50% na metade de trás. Quando o salto é muito alto, a sobrecarga na parte da frente do pé aumenta e começam a surgir os problemas, como encurtamentos e inflamações de músculos e tendões (com destaque para o tendão de Aquiles), inflamações na sola do pé, estiramento da face plantar, calos, bolhas, alterações posturais, entre outros. Por isto, os saltos altíssimos são recomendados apenas a eventos sociais em que o uso deles é imprescindível.

Graells explica também que, quanto mais largo o salto, menos problemas para se equilibrar. O salto fino, ao contrário, exige da mulher um gasto energético maior, com uma musculatura sendo exaustivamente usada para se equilibrar, principalmente em chão irregular, correndo o risco de entorses e fraturas. E para quem já diagnosticou algum problema, o tratamento pode variar desde banhos de água quente (um paliativo para relaxamento e vasodilatação), uso de medicamentos para dor e inflamações, até sessões de fisioterapia, uso de órteses e procedimentos cirúrgicos para realinhamento.

O uso de saltos altos, no entanto, não é de um todo ruim. O ortopedista Kume revela que uma pesquisa recente aponta que o uso de saltos entre sete e dez centímetros faz melhorar a incontinência urinária e o orgasmo feminino, devido à atividade que os saltos altos promovem em alguns músculos do corpo. Mas ele alerta que a descoberta ainda está em estudo e as mulheres não devem abusar do salto.

Giselle Ulbrich
Kume é tolerante com os saltos, desde que com algumas restrições para evitar danos nos pés e coluna.