A história que Lina Saheki viveu nas últimas semanas não é única. Ao redor do mundo, mais de 300 mil famílias perderam alguém para a infecção pelo novo coronavírus. No caso dela, foi o irmão Maurício Naoto Saheki, médico infectologista, de 41 anos. Em Curitiba, segundo boletim desta terça-feira, são 52 vítimas da doença.

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Como Maurício morava há anos no Rio de Janeiro, e Lina em Curitiba, quando veio a notícia da morte do irmão, a família não pode se deslocar a tempo. Maurício foi embora, com o caixão lacrado, e sem o último adeus dos pais.

“Despedida do Maurício” foi o nome dado a um grupo no WhatsApp, criado por um médico amigo, no qual todos que conheciam o médico foram entrando por meio de um link. Com o passar do tempo, Lina percebeu que esse era um espaço importante para manter a memória do irmão e para processar o luto que ela e a família estavam vivendo.

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“Para nós, foi o único contato que tivemos com ele. O único local onde pudemos nos despedir. Ele acabou reunindo umas 200 pessoas, quase todos médicos, enfermeiros, profissionais colegas dele no Rio. Ali conseguimos ouvir histórias desde a época de colégio, como quando iam de bicicleta para a escola. Acabou reunindo desconhecidos, mas que tinham meu irmão como ponto em comum”, relata Lina, que é professora de japonês.

Ao ouvir as histórias do irmão, Lina sentia como se estivesse com ele. “O grupo nos deu uma presença, não só nas palavras, mas nas histórias. Perceber que ele estava vivo nas outras pessoas, nas suas histórias. Ver que compartilhávamos esse amor, essa dor, para nós, ajudou muito a enfrentar esse processo”, relata.

Cartilha de ajuda

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Entre tantas mensagens de tristeza e solidariedade, Lina sentia que, por vezes, gostaria de conversar com quem entendesse o que ela estava passando. Como a história do irmão ganhou notoriedade, muitas pessoas a buscavam nas redes. Entre elas, pessoas que também haviam perdido familiares para a Covid-19.

Algumas me procuraram, outras eu me ofereci para conversar. Para elas, eu fiz, de início, uma lista com cinco tópicos de coisas que eu aconselhava, porque haviam me ajudado. E a lista foi crescendo. Uma aluna minha comentou que conhecia uma psicóloga especialista em luto e, conversando com ela, fomos transformando e chegamos a 10 dicas”, explica.

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A psicóloga Michele Maba, especialista em luto, foi quem ajudou Lina a elaborar outras orientações – algumas gerais, outras bastante específicas do momento da pandemia. “A estrutura de um luto é sempre muito parecida. O que varia é a condição dessa perda, e a cultura em que a pessoa está inserida. A grande problemática do momento é a não possibilidade de um ritual de despedida. Ter isso ajuda muito, pelo menos na nossa cultura, a despedida”, explica a especialista.

Segundo Michele, ter o momento do velório ajuda as pessoas a saírem de uma fase de nebulosidade do momento. “O choque, a negação é um mecanismo de defesa para que a pessoa entre em contato devagar com a notícia. É aquela sensação de que você não acredita. E o ritual do velório, do enterro ou da cremação são necessários para a gente ir entrando em contato devagarzinho com essa notícia, e fazer a despedida necessária”, reforça.

Em um momento de velórios rápidos, com o caixão fechado, o processo do luto é dificultado. “Você não se despede do corpo, você não vê o ente querido e fica mais difícil para a pessoa sair da fase da negação”, completa.

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Para Lina, o grupo e as mensagens, embora não cheguem mais com a mesma frequência, se tornaram um memorial. “Depois de uma semana, eu pude revisitar as mensagens e aí a gente consegue absorver com mais calma, inclusive responder em alguns casos. Quando eu sinto saudade, vou e busco uma história”, diz Lina.

Foto: Pixabay.

Filtre as informações

Outra orientação listada na cartilha, e que é própria da época atual, é a importância de gerenciar as informações recebidas nesse momento de luto. Embora ver que outras pessoas passam por situações semelhantes as suas pode ser importante, nessa situação de pandemia isso pode ser algo mais prejudicial, segundo a psicóloga.

“Perder alguém para uma pandemia já é tão difícil que, imaginar que tem muita gente sofrendo a mesma dor, pode gerar nas pessoas uma espécie de contágio emocional, mais do que uma empatia”, explica.

Segundo Lina, tudo passa a ser muito pessoal e uma palavra que, em geral, não teria um impacto tão grande, de repente, dentro do sofrimento, ganha uma dimensão muito maior. “Estávamos jantando, eu e meus pais, quando falaram na televisão o novo número de mortos. Eram 21 mil mortos alcançados pelo país naquele dia. E minha mãe não entendeu um número logo de cara, mas depois foi um choque muito grande para ela. Pensar que tinham 21 mil famílias passando pelo mesmo que a gente”, comenta Lina.

Cuidado com a saúde dos seus

No mesmo dia do jantar, Lina percebeu que a mãe estava muito frágil e, a partir de então, monitorou o que estava passando na televisão e o que ela poderia estar ouvindo. Perceber como estava a resposta e a saúde de todos os familiares foi outro item fundamental da cartilha, que Lina seguiu.

“Uma das coisas que foram importantes naquele momento foi monitorar o estado clínico dos entes mais próximos. Aqui em casa, eu e meu marido estamos passando a quarentena com meus pais e, desde antes da internação do meu irmão, a pressão do meu pai estava 190 por 110. Estava muito alta. Passamos, então, a medir todos os dias e a cuidar. Vimos que a pressão estava alta, o sono completamente desregulado e precisamos de auxílio médico para lidar com esse momento”, completa.

Dicas de Apoio

Confira abaixo as 10 dicas de apoio aos familiares de vítimas da Covid-19, criadas por Lina Saheki e pela psicóloga Michele Maba, e com o design gráfico de M. N. Vulpin. Leia mais sobre cada uma das orientações no grupo de apoio criado no Facebook – lá as dicas serão detalhadas e debatidas por quem tiver interesse em participar.

1- Crie um grupo virtual para a despedida. É um espaço que pode servir como memorial e velório da pessoa amada.

2- Dê abertura para conversar. Mesmo com o grupo, é normal que algumas pessoas queiram dar as suas condolências. É importante nesse momento que um membro da família seja o contato entre amigos e conhecidos e os parentes da vítima.

3-Crie um espaço para a presença. Quando sentir falta da presença da pessoa, busque-a em alguma foto ou imagem.

4-Cuide dos seus. Fique de olho na situação dos membros mais velhos das famílias, nem sempre eles têm amigos a quem possam desabafar.

5-Atente-se à saúde. Fique atento ao estado de saúde dos familiares, especialmente os mais velhos.

6-Peça ajuda de amigos. Caso sinta que não está dando conta do processo de luto, busque amigos ou profissionais.

7-Respeite o próprio tempo. Algumas pessoas podem sentir necessidade de conversar e chorar, outras não. Dê espaço a cada uma delas.

8-Gerencie o fluxo de informações. Filtre aquilo que chega até você, especialmente sobre a pandemia.

9-Sem mudanças bruscas. Procure evitar tomar decisões importantes ou grandes mudanças nesse momento de fragilidade.

10-Sem espaço para o “e se…?”. “Acreditar que a vida poderia ter sido diferente, não envolvendo perdas ou situações dolorosas, apenas gera uma sensação de impotência”, explicam as criadoras da cartilha. É importante evitar este tipo de pensamento.


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