Tamandaré: mais oito testemunhas são ouvidas

Mais oito testemunhas de acusação contra a quadrilha formada por policiais militares e civis acusada de um série de assassinatos e roubos foram ouvidas ontem no Fórum de Almirante Tamandaré. Sete delas disseram ter tomado conhecimento de alguns dos fatos denunciados através de terceiros. Porém, a oitava testemunha, Maria Rosângela Bonfim de Alcântara, 30 anos, surpreendeu o juiz Marcel Guimarães Rotoli de Macedo e os 16 advogados de defesa ao dizer que estava ali para falar sobre um estupro que sofreu na noite de 7 de abril deste ano, quando seguia para sua casa.

A mulher revelou ter sido seqüestrada e violentada por dois homens, integrantes da quadrilha, mais tarde identificados como o policial militar Jean Adan Grott e o ex-PM Alceu Rodrigues, o “Beá”, morto a tiros recentemente. Maria Rosângela declarou que apesar de ter registrado queixa na delegacia de Almirante Tamandaré e pasar por exames no Instituto Médico Legal, nunca foi aberto um inquérito para apurar o crime. O juiz afirmou que enviará o caso ao Ministério Público, para que providências sejam tomadas, e os advogados pediram que os delegados que não atenderam a ocorrência sejam indiciados por prevaricação.

Defesa

Ao contrário do primeiro dia de audiência, quando das 12 testemunhas arroladas somente duas foram ouvidas – a delegada Vanessa Alice e a professora Dilma Aparecida Machado – ontem oito das 12 intimadas compareceram em plenário: Edil Roberto Fernandes, Eunice Carmo Coelho, Márcia Coelho dos Santos, Helena de Fátima Kurudz, Lidia Pereira dos Santos, Silvio Franco, Natalino de Jesus e Maria Rosângela Bonfim Alcântara.

Os depoimentos foram tomados de forma mais breve e vez por outra os advogados faziam algumas perguntas, visando robustecer declarações que viessem a ajudar seus clientes. A maioria das testemunhas disse que tinha ouvido falar dos crimes ou conheciam as pessoas assassinadas ou alguns dos suspeitos das mortes, porém nenhuma delas chegou a fazer qualquer declaração mais reveladora ou incriminadora.

“Até agora os depoimentos estão beneficiando os réus. Pelo andar da carruagem é possível que no final desta história todos sejam absolvidos por falta de provas”, comentou o advogado Osmann de Oliveira, ao deixar o plenário. Ele é defensor do policial militar Juarez Silvestre Vieira. O também advogado de defesa José Leocádio de Camargo, compartilha da opinião de Oliveira, dizendo crer que será muito difícil para a Justiça condenar tantas pessoas sem provas de seus envolvimentos nos crimes. “É tudo por ouvir dizer, não tem nada de concreto”, confidenciou Camargo.

Lanche

Depois de terem sido surpreendidos na segunda-feira com os longos depoimentos das únicas duas testemunhas ouvidas, que os obrigaram a ficar sem almoço e sem jantar – o depoimento da delegada Vanessa Alice terminou à 1h da madrugada de ontem -, os advogados preveniram-se levando para o plenário vários pacotes de bolachas, chocolates e garrafas térmicas com chá e café. Enquanto o juiz ouvia as testemunhas, eles trocavam os lanches e consumiam latinhas de refrigerantes.

Denúncia destaca sete fatos

Contrária à falta de ênfase das testemunhas de acusação no caso das mortes de mulheres de Almirante Tamandaré, a denúncia feita pelos promotores de Justiça Paulo Sergio de Lima, Celso Luiz Peixoto Ribas, Ramatis Fávero, Mônica Sakamori e Terezinha Resende Carula contra os 17 acusados é bem mais robusta. Baseados nas investigações da delegada Vanessa Alice, os promotores demonstraram convencimento da culpa dos acusados e enumeraram sete fatos principais (cada um deles com vários desdobramentos) para serem apreciados pela Justiça.

O primeiro fato se refere à formação de quadrilha e envolve os policiais militares Juliano Vidal Oliveira, Jean Adan Grott, Juarez Silvestre Vieira, Jeferson Martins, José Aparecido de Souza, Marcos Marcelo Sobieck, Leily Pereira; o ex-PM Valdirio Adir Mangger; o escrivão da Polícia Civil Alexander Perin Pimenta; o funcionário municipal que prestava serviços na delegacia, Luiz Antônio Alves da Silva e ainda Sebastião Alves do Prado, Celso Luiz Moreira, André Luiz dos Santos, Paulo Celso Rodrigues, Antônio Martins Vidal, Ananias de Oliveira Camargo, e Maria Rosana de Oliveira. Todos eles estão presos. Outros nomes como o do empresário Carlins Vieira da Rosa e do ex-PM Alceu Rodrigues, o “Beá”, também foram citados, mas ambos estão mortos, assassinados por membros do próprio bando, como queima-de-arquivo, segundo consta.

Segundo os promotores, os policiais militares e civis, valendo-se das armas da corporação e das funções que ocupavam arregimentavam outros indivíduos para prestar “serviços avulsos” à quadrilha, como assaltos e venda de drogas. Em caso de crimes de morte, os PMs davam o primeiro atendimento no local da ocorrência, enquanto que os policiais civis tratavam de ameaçar testemunhas e maquiar os interrogatórios para que nada fosse descoberto. A própria delegada Vanessa Alice chegou a ser ameaçada de morte quando começou esclarecer os fatos.

Execuções

O segundo fato denunciado pelos promotores se refere às execuções dos adolescentes Leandro Camargo de Paula, Celso dos Santos, Aldo Marcelo Kurudz e Valdinei da Silva Jardim, ocorridas na madrugada de 4 de junho de 2000. Os rapazes foram mortos a tiros. Os autores dos disparos teriam sido Juliano Oliveira e seu colega de farda Jean Grott. Dois outros PMs que estavam de plantão naquela noite, Juarez Vieira e Valdirio Mangger, teriam dado cobertura. Os criminosos tinham uma desavença com Leandro e mataram os outros três para que não houvesse testemunhas do crime.

A terceira acusação se refere ao assassinato de Carlins Proença da Rosa (em 24 de fevereiro deste ano), que chegou a integrar o bando, mas por ter denunciado os cúmplices durante um interrogatório em Campo Largo – quando do assalto à empresa de águas Ouro Fino, naquela cidade – foi obrigado a beber gasolina e em seguida morto a tiros. Para consumir o corpo, os acusados o queimaram dentro do carro. Estão sendo responsabilizados por este crime Juarez, Mangger e Paulo Rodrigues.

Oito dias depois, Juarez e “Beá” teriam seqüestrado Maria da Luz Alves dos Anjos, que foi mantida em cativeiro durante dias em um quartinho nos fundos da Lanchonete Parada Obrigatória, de propriedade de Maria Rosana de Oliveira, a “Rosana Zem”. A vítima foi estrangulada e seu corpo “desovado” em 5 de março em um matagal na Rodovia dos Minérios. Este crime é o objeto da quarta denúncia dos promotores e envolve também os PMs Leily Pereira.

Mais mortes

Outra vítima da quadrilha seria Joyce Kotolick Devitte, também seqüestrada por “Beá” em 16 de março deste ano e levada para o quartinho do Parada Obrigatória. Semanas depois o corpo dela foi encontrado em decomposição, próximo da Cancha Botiatuba, mesmo local onde estava quando foi seqüestrada. Ela teria conhecimento das atividades ilícitas dos policiais e por isso foi morta. Neste caso o escrivão Pimenta, da DP local, teria intimidado testemunhas para dar versões diferentes da realidade, para que nada fosse descoberto. Este foi o quinto fato elencado pelos promotores.

A sexta ocorrência se refere à ameaças de agressão física sofrida por Géssica Freitas Pedroza, feitas pelo escrivão Pimenta dentro da delegacia. Ela era testemunha no caso da morte de Joyce. E por fim, o sétimo fato trata da ameaça de morte contra José Eloir Alves dos Santos, feita por Jeferson Martins. José Eloir era imrão de Maria da Luz dos Santos, uma das vítimas de homicídio, e foi intimidado para “não falar demais”.

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