Sobreviventes da “chacina de Carambeí” se calam

Assim que a polícia chegou no Sítio Sete Quedas, na manhã de 8 de fevereiro de 1989, quando os sobreviventes já haviam sido removidos pro Hospital de Ponta Grossa, a primeira impressão era de que o caso seria resolvido com facilidade. Afinal de contas, quatro pessoas estavam vivas. Era só esperar que se recuperassem fisicamente e elas contariam, em detalhes, o que havia acontecido. Daí pra frente era correr atrás dos assassinos (ou assassino) até prendê-los.

O caso, registrado a princípio pela delegacia de Carambeí, foi tratado como latrocínio (roubo com morte) e o inquérito recebeu o número 072/89. Havia desaparecido da casa o carro de Dirk, o Gol verde placa FB-5751, encontrado queimado dois dias depois, na PR-438, no distrito de Guaragi, próximo de Teixeira Soares. Também tinham sido levados pelos ladrões um televisor, um aparelho de som modelo 3 x 1, e algumas roupas e bijouterias de Mirian Boer, uma das sobreviventes. Estas peças não estavam no Gol queimado e nunca foram encontradas.

Ao contrário do esperado pela polícia, no primeiro contato com as vítimas – Mirian e seu sogro, Adrianus Bouer – ainda no hospital, nada foi apurado. Ambos, gravemente feridos, assim como os garotos Tony e Leonardo, não apresentavam condições, pra depor. O então delegado de Ponta Grossa, Clóvis Galvão Gomes, assumiu as investigações, juntamente com o delegado Raimundo Nonato Siqueira, do Centro de Operações Policiais Especiais (Cope). O Cope foi designado pelo delegado-geral da Polícia Civil da época, Renato Ortolani, pra atuar de forma especial, já que o caso era muito grave e o secretário da Segurança Pública, Antônio Lopes de Noronha, queria agilidade nas diligências.

Os dias foram se passando e os contatos com os sobreviventes cada vez mais improdutivos. Mirian, quando conseguiu depor, contou que a família sofreu um assalto, praticado por um único homem – um jovem franzino, loiro, de olhos claros, que apareceu no sítio com a desculpa de pedir um trabalho. A versão imediatamente gerou dúvidas. Policiais não conseguiam crer que a chacina tivesse sido praticada por uma única pessoa. Com Adrianus foi muito pior.

Ele simplesmente disse que não se recordava de nada. Estava com amnésia. Lembrava até o momento em que havia chegado no sítio do filho, com a mulher e os dois netos, e depois quando acordou no hospital.

As crianças, cujo testemunho não se pretendia levar em consideração, transformaram-se em esperança de detalhes, porém, também não ajudaram. O mais velho dos garotos, Tony, 8 anos, ficou tão traumatizado que emudeceu. Só muitos anos mais tarde é que voltou a falar. Leonardo, de 6, não sabia dizer o que havia acontecido. E, por incrível que possa parecer, até hoje todos eles guardam em segredo o que viveram naquelas trágicas horas.

Legistas e peritos de Ponta Grossa examinaram os corpos e os sobreviventes. Os legistas constataram que Mariana e Dirk foram mortos a facadas e pauladas na cabeça, que resultaram em lesões crânio-encefálicas. O bebê Tiago, de 1 ano e 3 meses, filho de Dirk e Mirian, sofreu asfixia e teve o pescoço quebrado. Os laudos de lesões de Adrianus, Mirian, Tony e Leonardo acusavam em todos traumatismo crânio-encefálico e outras lesões. Tony ficou semanas em estado comatoso no hospital. Os exames foram realizados em 13 de fevereiro de 1989 e a conclusão era de que uma nova avaliação das vítimas deveria ser feita após 60 dias. As avaliações seguintes não trouxeram nenhuma novidade.

Hoje, como estão


Tony (esquerda) estuda e trabalha na Holanda. Leonardo (direita) está morando
em Curitiba. (Fotos: Arquivo)

Dezoito anos depois da chacina, a Tribuna voltou à cidade que foi palco da barbárie e descobriu que o mistério ainda é assunto entre os moradores.

Bem na entrada do município de Carambeí, do lado direito de quem chega, é possível avistar o cemitério dos holandeses, como é chamado pela população. Mas o nome verdadeiro é Cemitério da Igreja Evangélica Reformada, onde, obviamente, são sepultados os holandeses e seus descendentes. Bem cuidado pelo zelador chamado ?Beto?, o local é um misto de túmulos ostentosos e outros mais modestos.

Os mortos na ?chacina de Carambeí? estão sepultados ali. Três tumbas, distantes umas das outras, cobertas por mármore escuro e com placas de bronze, guardam os restos mortais de Mariana Boer, de seu filho Dirk e de seu neto Thiago.

Na mesma estrada, alguns quilômetros adiante, está a casa de Adrianus Boer. Uma placa com seu sobrenome no portão de entrada não deixa dúvida quanto ao endereço.

A propriedade é enorme. A casa principal, toda em tijolos à vista, é de bom gosto e de frente para a rua. É a mesma em que Adrianus morou com Mariana e depois com uma segunda esposa, que, segundo vizinhos, morreu do coração. Atualmente ele é casado com a artesã Renilda Iank da Silva, demonstrando que a viuvez não lhe cai bem. Recentemente sofreu uma cirurgia de próstata, da qual se recupera com tranqüilidade.

Renilda não permite que ninguém converse com ele sobre a chacina. A tentativa de contato feita pela Tribuna foi imediatamente rechaçada. ?Você não tem nada mais importante para fazer??, perguntou a mulher, revelando que ninguém da família daria qualquer entrevista. Imediatamente ela telefonou para os filhos de Adrianus, avisando da presença da reportagem em sua casa, e depois voltou dizendo que havia feito contato com o advogado da família, e este os orientara a ficarem calados. Uma pequena mentira, depois descoberta pela reportagem, já que ela não chegou a fazer qualquer contato com o advogado.

Mirian Boer, por sua vez, hoje usa outro sobrenome. Casou-se com um advogado de um banco público e mora numa casa nos fundos da casa do pai, no bairro chamado Catanduvas, ainda em Carambeí. Sua história continuou permeada por tristeza durante longo tempo, já que perdeu um segundo filho deste novo casamento. Anos depois conseguiu engravidar. Teve um terceiro menino, atualmente com 7 anos, e adotou uma garotinha, um ano mais velha. Ambos estudam na escola local. Ela, que se submeteu a uma lipoaspiração há algumas semanas, também não fala sobre a chacina. Seu pai, Jovair Delfrasio, lembra com lágrimas nos olhos tudo o que aconteceu, mas também não sabe detalhes. ?Ela procura não falar do assunto. É tudo muito triste e a gente sofre muito?, afirmou.

Os dois garotos, Tony e Leonardo, hoje com 24 e 26 anos, respectivamente, estão bem. Tony, ainda solteiro, mora na Holanda, onde estuda e trabalha. Também mora na Holanda o irmão mais velho dele, Jan Boer, que é casado e pai de uma garotinha recém-nascida, que ganhou o nome da bisavó assassinada, Mariana. Leonardo mora em Curitiba, no bairro Portão, junto com o irmão caçula, Marcel, de 19 anos. Como jovens saudáveis e de boa condição financeira, aproveitam a vida sem demonstrar nenhum trauma pelo que se abateu na família há quase duas décadas.

*Na edição de amanhã, conheça as suspeitas da polícia e as investigações realizadas.

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