Preconceituosos, “Skinheads” ultrapassam os limites da intolerância

As recentes manifestações de grupos simpatizantes do nazismo, conhecidos como "skinheads" ou "carecas", está transformando a conservadora Curitiba numa verdadeira "praça de guerra". Adesivos de um grupo que se auto-intitula o "orgulho branco" e que acusa homossexuais de molestar crianças, estão sendo colados em vários orelhões, fachadas de prédios e postes da cidade. Além disso, há dez dias um jovem de 19 anos, gay e negro, afirma ter sido vítima da intolerância do grupo, quando foi ferido com um golpe de tesoura na barriga.

Há nove anos um crime cometido pelos "carecas" chocou Curitiba, deixando os simpatizantes esquecidos até então. No dia 10 de março de 1996, Carlos Adilson Siqueira, 23, foi assassinado por um grupo de "skinheads", quando passeava com um amigo no Largo da Ordem. A vítima, que trabalhava como iluminador da peça "Casa do Terror", no Teatro Guaíra, saiu com o amigo de uma festa de aniversário no centro, quando cruzou com o grupo. Mesmo sem dar importância às provocações, Carlos foi assassinado com tiros nas costas e na nuca.

Temendo que a ideologia desses grupos chegue novamente ao extremo, entidades que lutam contra o preconceito, a polícia e a Secretaria de Segurança Pública do Estado estão unindo forças para descobrir quem está por trás da confecção e distribuição dos adesivos e da recente agressão.

Tesourada

De acordo com a vítima, ela foi atacada por volta das 7h, ao deixar uma panificadora na Rua Visconde de Nácar. Cinco indivíduos, com cabelos raspados e usando camisetas pretas, teriam cercado o jovem e lhe dado uma tesourada na barriga. Na camiseta de um dos agressores estava impressa a frase: "Eu odeio Jesus Cristo". O rapaz foi levado ao Hospital Evangélico, onde ficou internado até o último 23. Segundo Selene Hirata, advogada do Grupo Dignidade (organização não-governamental que defende os direitos de homossexuais), a preocupação com os "skinheads" já existia antes da agressão cometida, quando, no começo do mês, os adesivos contra os gays começaram a ser disseminados na cidade. Apesar do caso do jovem ser o único oficialmente investigado pela polícia, o Grupo Dignidade afirma que outras pessoas foram vítimas dos "carecas" esse ano, na capital. "Ficamos sabendo de outros casos que nos garantem que o grupo está atacando, porém, com medo de se expor, os gays se calam na maioria das vezes", disse Selene.

O delegado Fauze Salmen, que investiga a agressão pelo 1.º Distrito Policial, afirma que ainda é cedo assegurar que o jovem foi vítima de "skinheads", porém, não descarta a existência do grupo na cidade. "Sabemos que eles existem e por isso pedi ajuda às delegacias de Curitiba e municípios vizinhos, da Guarda Municipal e da Polícia Militar, para identificá-los. Tenho ordens do secretário de Segurança Pública para investigar e descobrir quem está por trás disso. Esses adesivos certamente foram colocados por membros do grupo, individualmente, e de forma sorrateira, para não chamar a atenção", finalizou o delegado.

Preconceito importado

Os "skinheads" apareceram primeiro na Inglaterra, como subcultura jovem no fim dos anos 60, como uma classe trabalhadora em reação ao movimento hippie. Eles usavam o cabelo cortado rente ao couro cabeludo, camisetas de trabalhadores com jeans e suspensórios e calçavam botas pesadas e vermelhas. Naquela época, os "skinheads" se envolviam, principalmente, em ataques contra asiáticos que migravam para a Inglaterra e em confronto de torcidas de futebol ("hooligans").

No Brasil, o movimento foi assimilado principalmente em São Paulo, onde desde a década de 70 as agressões discriminatórias têm sido freqüentes. Os "carecas do ABC", um dos maiores grupos desta vertente, são conhecidos por suas agressões contra negros, nordestinos e homossexuais. Ele é formado por moradores das zonas Norte e Sul, que se reúnem no Bar do Bixiga nos fins de semana. Em São Paulo, os "skinheads" começaram a organizar-se a partir de 1977, no ABC, no movimento punk. No começo dos anos 80, divergências ideológicas causaram um racha no grupo. Uma parte dos punks virou "carecas" e a partir de 1986 os "skinheads", conhecidos como "carecas do ABC", voltaram-se contra os imigrantes e passaram a pregar o racismo e o neonazismo.

Dignidade e Movimento Negro fazem protesto

O Grupo Dignidade irá promover, no próximo sábado pela manhã, uma manifestação contra os "skinheads" em frente à Rua 24 Horas, local – segundo os integrantes da entidade – de maior concentração dos "carecas". O protesto contará com apoio do Movimento Negro, que também luta contra a discriminação. De acordo com o presidente do Grupo Dignidade, Tony Reis, nos últimos 10 anos, 120 homossexuais foram assassinados no Paraná, sendo 95 dos crimes ocorridos em Curitiba. Apesar das estatísticas coletadas através de notícias veiculadas na imprensa, ele não sabe precisar quantos gays foram vítimas dos "skinheads". A manifestação também servirá para reforçar a proposta feita pelo Movimento Negro e Grupo Dignidade, referente a implantação de uma lei que assegure certos direitos às vítimas do preconceito.

Segundo o presidente do Instituto Brasil África, Saul Dorval da Silva, ontem ele se reuniu com o presidente da Assembléia Legislativa, Hermas Brandão, para definir o projeto de lei "SOS Racismo e Discriminação", que deverá ser votado no próximo dia 4. Entre as propostas estão a criação de uma delegacia especializada para investigar crimes de discriminação; um órgão do Ministério Público Estadual para atender aos casos, e a implantação de uma Vara Especial para julgar crimes desta natureza. "Esta será a primeira estrutura pública para atender as pessoas que quando são atingidas de alguma forma, muitas vezes não sabem a quem recorrer", finalizou Saul.

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