Guerra de gigantes

Os policiais civis Ricardo Abilhoa e Carlos Eduardo Carneiro Garcia tiveram suas prisões preventivas decretadas anteontem e encontram-se foragidos. Eles são acusados de ter cometido uma série de crimes, como extorsão e estelionato, que estão sendo investigados pela Corregedoria da Polícia Civil. De acordo com o Ministério Público, a prisão preventiva foi decretada porque ambos estavam dificultando as investigações dos supostos delitos -ameaçando testemunhas e forjando meios ilícitos para conseguir informações referentes ao processo.

Em virtude do mandado de prisão, o pai de Ricardo, o procurador de Justiça e coordenador da Promotoria de Investigação Criminal (PIC) Dartagnan Cadilhe Abilhoa, concedeu uma entrevista coletiva, ontem à tarde, afirmando que seu filho é vítima de perseguição política por parte do Secretário da Segurança Pública do Estado, Luiz Fernando Delazari. Segundo Abilhoa, o motivo da decretação da prisão de Ricardo foi um imóvel em Balneário Camboriu, Santa Catarina, no valor de

R$ 300 mil, cujo bem não condiz com o poder de compra do salário de policial civil. Entretanto, o coordenador da PIC afirmou que Ricardo conseguiu dinheiro através da compra, reforma e venda de carros sinistrados. Porém, na declaração de Imposto de Renda de Ricardo, de 2005 (exercício 2004), constam apenas uma caminhonete Pajero, ano 2002/2003, e uma BMW, ano 1997, arrematadas em leilão, que lhe deram um lucro de R$ 30 mil.

Abilhoa disse ser "inimigo íntimo" do secretário e por isso este investe há meses na tentativa de incriminar seu filho. Segundo Abilhoa, a briga entre ele e Delazari surgiu quando, às vésperas da CPI do Narcotráfico, em 2000, um traficante de drogas afirmou que vendia cocaína ao secretario, na época, promotor de Justiça. O coordenador da PIC e outros dois promotores, Paulo Kessler e José Domingos não denunciaram Delazari, mas contaram o fato ao Procurador-Geral de Justiça, cargo que era assessorado pelo atual secretário. A partir disso, Abilhoa afirmou que vem sofrendo forte perseguição, assim como seu filho, que é policial civil.

De acordo com o coordenador da PIC, o também policial civil Samir Skandar, que está preso, acusado de vários crimes -entre eles desmanche de veículos – teria sua prisão "aliviada" pelo secretário desde que dissese que entregou uma mala, contendo R$ 170 mil, a Abilhoa, Kessler e Domingos. O dinheiro seria uma propina paga por Paulo Mandeli, um dos maiores criminosos relacionados a desmanches de veículos. Skandar não teria aceito a proposta e relatou o fato à PIC. Outra acusação feita contra o secretário é de que ele também teria proposto relaxar a prisão do ex-policial militar Alberto da Silva Santos, acusado do incêndio criminoso aos arquivos da PIC e da morte do major Pedro Plocharski, ocorrida este ano. Para conseguir o benefício, Alberto teria que dizer que o coronel Valdir Copetti Neves e o capitão Elias Ariel de Souza, comandante do Grupo de Repressão ao Crime Organizado (Gerco), órgão que é ligado à PIC, estavam envolvidos no incêndio. A proposta teria sido feita através do delegado da Polícia Federal Franceschine.

Além destas acusações, Abilhoa também disse que Delazari implantou escutas telefônicas ilegais nos aparelhos de candidatos da oposição à prefeitura de Colorado (Interior do Estado), quando um de seus parentes era candidato. Durante a entrevista coletiva, o coordenador da PIC lembrou que o irmão do secretário foi preso ao tentar entrar no presídio do Ahú com buchas de cocaína e que depois disso o caso foi arquivado e o acusado chegou a trabalhar na PIC, em um cargo de comissão conseguido por Delazari.

"Acusações são levianas"

Em nota enviada pela Secretaria da Segurança Pública, o secretário Luiz Fernando Delazari afirma que as acusações feitas pelo procurador de Justiça e coordenador da PIC, Dartagnan Cadilhe Abilhoa, são pessoais e levianas e que serão respondidas por meio de um processo judicial. Delazari disse ainda que nada tem a ver com o decreto de prisão de Ricardo Abilhoa, expedido pelo próprio Ministério Público. A Polícia Federal também informou que acionará a Corregedoria do Ministério Público para verificar a veracidade dos fatos e o motivo da calúnia. O delegado Franceschine negou as acusações e disse que irá entrar com uma ação criminal por danos morais contra o procurador.

Em nota, o Ministério Público afirmou que em relação à entrevista, de caráter pessoal, o Procurador-Geral de Justiça, Milton Riquelme de Macedo, irá se inteirar dos fatos antes de emitir qualquer pronunciamento.

Revolta de ex-namorada dá início à investigação

As investigações para apurar as prováveis irregularidades dos policiais civis Ricardo Abilhoa e Carlos Eduardo Carneiro Garcia, o "Carlinhos", cometidas no exercício da função, tiveram início em janeiro deste ano, quando a ex-namorada de Ricardo – a empresária e universitária Renata Baroni, 30 anos -, procurou vários organismos policiais e fez uma série de graves denúncias, acusando-os de extorsão, compras ilícitas e enriquecimento de forma duvidosa.

As primeiras declarações foram prestadas no Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), para o delegado Marco Antônio de Góes, na presença do corregedor de assuntos internos da Corregedoria da Polícia Civil, Luís Carlos Teixeira. Depois Renata foi novamente ouvida, na Divisão de Narcóticos, onde forneceu mais detalhes sobre as atividades dos dois acusados. Por fim, compareceu na própria Corregedoria e mais uma vez repetiu as acusações, já em 18 de março passado, para a delegada Alcileny Adriana da Cunha.

Com base nas revelações, que respingaram inclusive no procurador Dartagnan Cadilhe Abilhoa, coordenador da Promotoria de Investigação Criminal (Pic) e pai de Ricardo, inquéritos foram instaurados, culminando no pedido de prisão preventiva.

Vida complicada

Depois de pagar várias dívidas de Ricardo, emprestar seu nome para negócios duvidosos e chegar a ir morar com ele em Santa Catarina, Renata – que tem uma filha de um relacionamento anterior – rompeu com o policial no fim do ano passado. Revoltada, decidiu "entregar os podres" do ex-companheiro, que segundo informou, a estava ameaçando de morte. Com riqueza de detalhes, como datas, endereços e valores, a "ex" revelou que o policial costumava ingerir drogas e abusar de sua autoridade; fazer negócios ilícitos e participar de extorsões, que lhe propiciavam uma vida de padrão bastante superior aos seus rendimentos anuais, de pouco mais de R$ 17 mil, ganhos como investigador da Polícia Civil.

Os lucros pareciam ser tantos que em 19 de agosto do ano passado Ricardo e "Carlinhos" assinaram duas propostas de compra de dois apartamentos em Balneário Camboriu (SC), em prédio de luxo situado na Avenida Atlântica, cada um no valor de R$ 695.253,00. A proposta de "Carlinhos", que na ocasião se apresentou como comerciante e não como policial, foi recusada. Porém, há informações de que Ricardo – que também disse ser comerciante – teria concretizado a compra, comprometendo-se a pagar o imóvel com uma entrada de R$ 295.253,00, uma camioneta Pajero avaliada em R$ 60 mil, e o restante em 40 prestações de R$ 8.500,00.

Na declaração de Imposto de Renda do policial, o apartamento não aparece. Ele, no entanto, declara outros bens, como outro apartamento em Camboriu, dois veículos sinistrados arrematados em leilão, outro automóvel recebido em pagamento de dívida, e uma disponibilidade financeira – dinheiro em espécie – de R$ 145 mil.

Extorsão

A ex-companheira denuncia ainda a compra de motocicletas, outros carros de luxo e inclusive estabelecimentos comerciais, como um bar. Ele também teria sido proprietário de uma oficina para recuperar veículos sinistrados. Tudo isso está sendo apurado nas investigações da Corregedoria da Polícia Civil e do Ministério Público, que também receberam a informação de que os dois policiais chegaram a extorquir alta soma em dinheiro de um indivíduo conhecido por "Mexicano", apontado como traficante internacional.

O próprio procurador Dartagnan Abilhoa, em ofício encaminhado na terça-feira ao superintendente da Polícia Federal no Paraná, Jaber Macul Hanna Saad, deu explicações sobre o "suposto esquema de extorsão de um cidadão mexicano", que também estaria sendo atribuído a ele. Abilhoa diz que o caso foi formalmente investigado pela Pic, em razão de denúncias anônimas de que, no México, o indivíduo estaria envolvido com o narcotráfico. Ele mesmo fez contato com o delegado Reinaldo Almeida César, que na época respondia pela Interpol (Polícia Internacional), pedindo urgência nas investigações. E elas revelaram que o cidadão mexicano não possuía antecedentes criminais no País de origem.

Olheiro é plantado na Vara de Inquérito

A última denúncia que se tem conhecimento contra a dupla de policiais civis Ricardo e "Carlinhos", diz respeito ao estelionatário (com antecedente criminal desde 1995) e estudante de Direito Marco Antônio de Castro, 29 anos, que está preso e recolhido na Casa de Custódia de Curitiba (CCC) desde o dia 16 último, acusado de agir como "olheiro" dos investigadores na Vara de Inquérito Policial (Vip), onde há dois meses apresentou-se como estagiário voluntário.

Interrogado na Delegacia de Estelionato e Desvio de Cargas, pelo delegado Roberto Heusi de Almeira, Marco revelou que buscou se infiltrar na Vip, por ordem dos dois investigadores, que queriam saber tudo o que ocorresse naquela Vara, que lhes dissesse respeito. Em troca, o esteliontário receberia "dez jogadores" , o que significa R$ 10 mil, e ainda poderia ter as "broncas" quebradas pelo pai de Ricardo. Eles o ameaçaram que seria pego pelo "Guardião", um equipamento de escuta usado pela Secretaria da Segurança Pública, caso não quisesse cooperar.

O encontro entre eles ocorreu em 4 de outubro, no Cemitério Água Verde, e já no dia seguinte Marco conseguiu o estágio, após conversar com uma escrivã da Vara, que de nada suspeitou. O falso estagiário, que está com a matrícula do curso trancada por falta de pagamento, foi descoberto graças a alguns freqüentadores da Vip, que sabiam de seus antecedentes criminais e alertaram as autoridades sobre isso. No mesmo interrogatório, Marco cita o nome de vários outros policiais (inclusive delegados), narrando acertos que fez com advogados de indivíduos presos, para entregar dinheiro aos policiais e receber a sua parte.

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