Crime sem Castigo

Em Curitiba é mais comum um homicida ser morto do que condenado

Nenhuma das pessoas acusadas de matar o metalúrgico Alysson Ruela irá cumprir pena na cadeia. Não se trata de um caso em que a polícia deixou de indicar suspeitos, pelo contrário. A Polícia Civil indiciou um casal pelo assassinato ocorrido em junho de 2010. Eles chegaram a ser réus de um processo judicial aberto pelo Tribunal do Júri de Curitiba. No entanto, antes que o julgamento ocorresse, ambos também foram assassinados.

O levantamento feito pela Gazeta do Povo revela que essa é uma situação comum: na verdade, há maior probabilidade de o suspeito de um homicídio ser assassinado do que de ser condenado pela Justiça. Até o momento, por exemplo, a Justiça condenou 28 pessoas por assassinatos cometidos em Curitiba no ano de 2010. O número de pessoas que eram suspeitas de cometer assassinatos no mesmo período e que se transformaram em novas vítimas de homicídios é quase o dobro – são 54 casos.

Em 52 desses 54 casos, as mortes aconteceram na fase de inquérito policial. Em duas ocasiões, os assassinatos ocorreram depois que os suspeitos já haviam sido indiciados, denunciados à Justiça e estavam respondendo a um processo penal. Assim como na história de Alysson, porém, o processo foi encerrado porque não havia mais réus a serem punidos. Tecnicamente, a Justiça chama isso de “extinção de punibilidade por morte do agente”. Fora do jargão, porém, isso significa que há uma falência do Estado.

O filósofo John Locke afirmava que uma sociedade passa da barbárie (o “Estado de Natureza”) para a civilização quando os cidadãos abrem mão de punir uns aos outros com as próprias mãos e passam a delegar essa função unicamente para o Estado. Quando as instituições não dão conta de aplicar a punição, porém, existe o risco de um retrocesso – de uma volta à barbárie e à justiça feita com as próprias mãos.

“Quando a população sente-se abandonada, com os crimes não sendo apurados, com pessoas sendo assaltadas e mortas sem que nada aconteça, uma parte da sociedade começa a aceitar, digamos, medidas ilegais de justiçamento. Aí surgem grupos de extermínio, os esquadrões da morte, que é a visão popular da justiça, como vingança. Uma visão com a qual o Direito moderno rompeu há mais de 200 anos”, diz Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Mortes em série

Pela versão que a Delegacia de Homicídios conseguiu montar, Weslley e Jenifer foram a uma choperia atrás de Alysson Ruela em 27 de junho de 2003. A lanchonete, no Tatuquara, tinha revista na porta. O casal, porém, segundo as testemunhas, escondeu a arma num carrinho de bebê onde estava o filho de Jenifer, de 3 anos. Na lanchonete, segundo os policiais, houve uma discussão e Weslley atirou quatro vezes. Ele e Jenifer negaram que tivessem cometido o crime.

A delegacia, depois de ouvir dez depoimentos, acreditava ter elementos suficientes para apontar os dois como responsáveis pela morte. O Ministério Público concordou e o processo foi iniciado. Weslley, porém, foi morto em janeiro de 2011, num tiroteio, junto com mais duas pessoas. Jenifer passou a ser a única ré do processo.

Mas ela também não chegaria a ser julgada. Na primeira vez em que sofreu um atentado, Jenifer sobreviveu, mas ficou paraplégica. No segundo atentado, já presa a uma cadeira de rodas, levou 12 tiros e morreu. O Judiciário, informado do fato, arquivou o processo definitivamente.