Declarada guerra aos pichadores

Somente nos primeiros seis meses deste ano, o número de menores infratores detidos e submetidos a medidas socioeducativas pela Vara da Infância e da Juventude de Curitiba foi o dobro de todos os casos registrados ao longo do ano passado. Os delitos praticados pelos menores são os mais diversos e ultimamente, com uma ação mais efetiva da Guarda Municipal para combater os abusos dos pichadores, praticamente todos os dias adolescentes são encaminhados ao juiz Márcio José Tokars – responsável pela Vara – para serem advertidos e punidos por emporcalharem a cidade com seus símbolos e sinais pintados nas paredes e muros.

Recentemente a Prefeitura Municipal deflagrou uma operação, envolvendo a Guarda Municipal, Polícia Militar e Polícia Civil, visando prender pichadores, na tentativa de deixar a cidade mais limpa. A operação vem tendo sucesso, uma vez que até meados de outubro 23 pessoas já haviam sido detidas. A maioria menor de idade. O primeiro resultado positivo foi a manutenção da limpeza do Viaduto do Capanema, que era um dos alvos favoritos dos pichadores. No entanto, não se sabe até quando ele permanecerá limpo.

Punição

Ao contrário do que muita gente pensa, os menores pichadores são punidos pela Justiça quando apanhados em flagrante e levados à Vara da Infância e Juventude. “Embora esta seja considerada uma infração de menor gravidade, têm medidas socioeducativas para ela”, explica o juiz, salientando que quase a totalidade dos adolescentes que tem este comportamento anti-social é oriunda de famílias desestabilizadas.

Além de aplicar a punição, a Vara da Infância também providencia medidas de proteção ao menor, principalmente se ele estiver morando nas ruas, abandonado pela família. O adolescente passa a viver em liberdade assistida, com acompanhamento de psicólogos, orientadores e outros profissionais da área. E a família também recebe uma assistência, através de um núcleo de orientação e apoio, que é pioneiro no Brasil. “Este trabalho todo não se limita aos pichadores e se estende a todos os infratores, com ênfase para aqueles que cometem crimes mais graves, como homicídios e roubos”, explica o juiz.

Trabalho

As medidas socioeducativas mais freqüentes são a prestação de serviço à comunidade e a obrigação de se matricular em um estabelecimento de ensino. O adolescente pode receber a punição de trabalhar até oito horas por semana, durante seis meses, para se redimir da infração que cometeu. Normalmente esses trabalhos são desenvolvidos em escolas, igrejas e órgão públicos. Em alguns casos a medida dá tão certo que ao término da “pena”, o adolescente acaba sendo contratado para o mesmo trabalho, sai das ruas e entra nos “eixos”. Em outros porém, a situação fica complicada pois o menor acaba sendo discriminado pelos colegas.

“Temos um grande problema para a aceitação do menor quando ele está cumprindo a medida socioeducativa. Falta um pouco de consciência das pessoas para que o resultado seja ainda melhor. Quando o infrator é discriminado, fica mais difícil reintegrá-lo”, salienta o juiz. Porém quando ele é incentivado, pode se transformar em um excelente funcionário, pois sabe que aquela pode ser sua última chance antes de ser literalmente preso. Em caso de reincidência ou de descumprimento do que ficou acordado entre o infrator e a Vara da Infância e da Juventude, as medidas punitivas vão ficando mais rigorosas, podendo culminar no tolhimento da liberdade por até três anos.

“Infelizmente temos muitos menores com a liberdade tolhida por serem violentos. 100% dos casos envolve problemas na estrutura familiar e omissão dos pais”, explica o juiz. Ele também lembra que os pais igualmente podem ser punidos por não estarem dando a atenção e assistência necessária aos filhos. “Muitos chegam aqui e dizem depois: Larguei meu filho na mão do juiz. Só que isso não é bem assim. Aqui não se larga ninguém”, reclama o magistrado.

16 é a idade crítica

Dezesseis anos é a idade campeã em problemas na Vara da Infância e da Juventude. A maioria dos garotos e garotas infratores que passam por ali estão nesta faixa etária. Atualmente, a vara mantêm em liberdade assistida 668 adolescentes. Outros 409 estão prestando serviços à comunidade para se redimir dos erros e ainda 391 estão em liberdade assistida e prestando serviços comunitários. Os delitos mais comuns são furto, roubo, uso de droga, porte de arma, dirigir sem habilitação. O uso de substâncias entorpecentes normalmente leva à pratica de furtos e roubos, para que o menor possa sustentar o vício.

Nos levantamentos feitos pela Vara da Infância, 75% destes jovens vivem com os pais (50% destes pais são separados); 50% deles trabalham; 50% estudam. E apesar do número de ocorrências envolvendo menores ter aumentado consideravelmente nos últimos anos, a estrutura judiciária só diminui, segundo o juiz Márcio José Tokars. Há na Assembleía Legislativa um projeto de lei para aumentar a estrutura de forma a melhorar a prestação do serviço, porém ele está parado. “Parece que os deputados não querem votá-lo”, lamenta o juiz.

Atrevimento sem limite

Apesar de muitos adolescentes infratores se recuperarem logo após a sua primeira passagem “pelo juiz”, como costumam dizer, outros, mais atrevidos, chegam a se vangloriar de ir várias vezes à Vara da Infância e da Juventude e ainda assegurar: “Não dá nada”. Mas é justamente para estes que as punições são mais rigorosas, o que também contraria aquela velha desculpa – usada até pelos próprios policiais – de que o Estatuto da Criança e do Adolescente não permite mais punição aos menores. “A interpretação errada do estatuto gerou esta falsa idéia que precisa ser desmistificada”, lembrou o juiz Márcio José.

Há situações porém, que nem mesmo estando na frente do juiz, o adolescente “toma jeito”. Na semana passada, dois jovens que anteriormente haviam sido apreendidos (o termo usado para prisão de menores é exatamente este) por envolvimento em furtos e roubos e estavam em liberdade vigiada (precisam se apresentar mensalmente na vara, situada no Tarumã), conversaram com o juiz e antes de ir embora trataram de pichar as portas do banheiro masculino, a calçada e riscaram a placa que leva o nome da Vara da Infância e da Juventude, afixada na parede em frente ao prédio. Os sinais não deixavam dúvida de que eles pertenciam a uma gangue e queriam “demarcar território”.

A ação dos vândalos vai ser punida, de acordo com o juiz. Peritos da Polícia Científica realizaram levantamentos no local e os identificaram. “Como já sabemos quem são, vai ser mais fácil responsabilizá-los”, sentenciou Márcio José.

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