Cidade histórica sofre com a violência

Sem efetivo policial, o município da Lapa, na Região Metropolitana de Curitiba, vê seus índices de criminalidade disparar. Tráfico de drogas, furtos e assaltos a residências se tornaram comuns e a maioria dos crimes acaba ficando impune. A maioria dos inquéritos está parada e a população sente na pele a deficiência do sistema. Assaltos a residências do interior se tornaram freqüentes, sem contar arrombamentos nas lojas do centro, como panificadoras e lotéricas, apesar da vigilância monitorada.

Além da falta de policiais, há superlotação na delegacia da Lapa. Em cinco celas, onde cabem 12 pessoas, estão 52 presos. Três mulheres estão num espaço separado de 1,5 metro por 2 metros. O prédio, antigo, tem apenas um banheiro e um chuveiro para todos os presos. Uma vez por mês, eles são liberados para o banho de sol, que na verdade acontece num espaço em que praticamente não bate sol. As condições ferem a Lei de Execução Penal, pela qual o preso tem direito a duas horas diárias de banho de sol e que a área mínima de cada cela deve ser de seis metros quadrados.

Para garantir a proteção policial de mais de 42 mil habitantes da cidade, há apenas um investigador, além de uma funcionária cedida pela prefeitura. Investigador que precisa registrar as ocorrências, sair a campo para apurar informações, entregar intimações e exercer a função de carcereiro.

Dos dois escrivães que trabalhavam na delegacia, um aposentou-se e outro está de licença médica. Assim, o atendimento policial acaba restringindo-se aos flagrantes. Nesses casos, o investigador precisa telefonar ao delegado que responde pelo setor para levar escrivão e registrar a queixa, que atualmente é o delegado de Rio Negro, cidade que fica a 65 quilômetros de distância da Lapa.

Com menos profissionais, as ocorrências só aumentam. Há dez anos, a cidade registrava, em média, cinco ocorrências por semana, na maioria delitos considerados leves. Hoje, chega a ter 20 ocorrências por dia, com a metade do efetivo que existia antes. Mas a esperança é pouca e os responsáveis pelo serviço convivem com promessas vagas sobre possíveis soluções. Muitos policiais se aposentaram e não há reposição do quadro de funcionários.

Em dezembro, o investigador que estava de plantão, sozinho com mais de 50 presos, foi rendido, levou dez facadas e 19 presos acabaram fugindo.

Segundo informações locais, há mais de cinco anos existe um projeto para construção de uma cadeia pública na Lapa, que nunca saiu do papel. Mas, segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), esse projeto não existe. O que há é o projeto de construção de uma nova delegacia, mas sem previsão de início.

Efetivo policial diminuiu no Paraná

Superlotação, falta de policiais, impunidade. É uma bola de neve. A falta de efetivo pára o trabalho de investigação, segundo explica o assessor jurídico da União dos Policiais Civis do Paraná, Emmanoel Aschidamini David. ?A investigação é a base do que vai ser todo o processo criminal. Com a demora, muitos crimes prescrevem, o que gera uma impunidade que o próprio sistema causa?, diz. David ressalta que não é tão simples contratar um efetivo muito grande de uma hora pra outra. ?A realização de muitos concursos esbarra na Lei de Responsabilidade Fiscal?, afirma.

O efetivo policial em todo o Paraná levantado pela OAB-PR, que era de cerca de 3,5 mil profissionais em 2002, passou para menos de 2,7 mil no fim de 2007. Segundo a Sesp, hoje o efetivo policial passa de 3 mil. Estima-se que para amenizar a defasagem policial, esse número deveria ser de 12 mil.

Essa quantidade reduzida faz com que os policiais estejam em desvio de função, assumindo outras responsabilidades que ferem o Estatuto da Polícia Civil no Paraná, como o que foi verificado na Lapa pela reportagem de O Estado.

De acordo com a Sesp, o concurso da Polícia Civil deve selecionar 44 delegados, 300 investigadores, 70 escrivães, 128 papiloscopistas e 14 médicos legistas, mais cinco vagas para químico legal, cinco para toxicologistas, oito para peritos criminais e três para auxiliares de necropsia. (LC)

Relatório da OAB mostra que a situação também preocupa em outros municípios

A situação da cadeia da Lapa é recorrente em diversas cadeias do Paraná. No fim do ano passado, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR) elaborou um relatório da situação das cadeias do Estado, que deve ser divulgado no fim do mês, após passar por atualização.

Dados preliminares indicam que, dos cerca de 11 mil presos no Paraná, 7 mil estão em cadeiras do interior, sendo mais ou menos 3 mil condenados e o restante presos provisórios. Na capital, as piores situações se encontram no 11.º e 12º. Distrito Policial (DP).

Em novembro, no 11.º DP, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), havia 173 presos em um local que comporta no máximo 40. O local foi apontado como tendo a pior situação de Curitiba. ?As celas vertem água nas paredes, por causa da umidade?, destacou Isabel Kugler Mendes, integrante da Comissão.

No 12.º DP, em Santa Felicidade, num espaço destinado a 26 presos, havia mais de 140. ?Na delegacia de Furtos e Roubos, encontramos presos com aids, tuberculose e sífilis. Essa situação foi verificada ali, mas é uma conseqüência quase natural pelas condições a que essas pessoas são submetidas?, descreveu Isabel. A Comissão também verificou que são destinados R$ 2 à alimentação dos presos, por dia.

Como alternativa à superlotação, Isabel sugere penas alternativas aos réus primários. ?A pessoa pega por um furto simples não tem que ficar presa. Lá é escola, onde também é violentada, degradada e de onde sai revoltada?, descreve.

A Comissão de Direitos Humanos defende a criação de um juizado especial que desse penas como prestação de serviços. ?Assim, metade dos presos poderia não estar lá dentro. Se cometeu um delito, precisa ser penalizado, mas não ir para a cadeia?, defende Isabel. A solução, para a advogada, não passa pela construção de novas cadeiras, mas por uma defensoria pública ativa, que sequer existe no Paraná. (LC)

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