Cárcere – Capítulo V

Se até hoje as versões de Ademir e Orlinda continuam desencontradas, em pelo menos em uma coisa eles concordam: sofreram muito durante os dois anos e meio de prisão. Um responsabiliza o outro pelo sofrimento e fogem, um do outro, ?como o diabo foge da cruz?. Orlinda trata o ex-amante de ?aquele um?. E Ademir se refere a ela como ?aquela uma?.

Com a fala mansa, Ademir se acomoda num jardinete em seu local de trabalho, e recorda-se da primeira semana que passou na cadeia. Descreve que foi torturado por Mesquita e ?Luizão?, que o retiraram da cela algumas vezes, levando-o para um município vizinho, onde o submeteram a afogamentos em um rio e choques elétricos produzidos por uma ?maquininha? que carregavam no carro. Na delegacia, retiravam-no da cela, levavam para a cozinha e obrigavam a ficar com saco plástico enfiado na cabeça, sofrendo asfixia. ?Em várias vezes pensei que iria morrer. Eles mesmo diziam que era para eu confessar de uma vez, porque assim não precisava ficar sofrendo. Até que um dia eu concordei em confessar. Então assinei o papel que me deram, sem ao menos ler?, conta. A partir de então, parou de apanhar, mas iniciou uma nova etapa de sofrimento, a espera do julgamento.

Uma verdadeira guerra jurídica se travou entre o advogado de defesa, Cláudio Dalledone Júnior, e o promotor da comarca, Paulo Sérgio de Lima, que estava convicto da culpa do casal. Todos os recursos e pedidos feitos pela defesa eram indeferidos e Ademir, mesmo sendo réu primário, com emprego fixo e ter denunciado que confessou mediante torturas, não recebeu nenhum benefício, nem a chance de aguardar o julgamento em liberdade.

A defesa exigiu então que um inquérito policial fosse instaurado para apurar as torturas sofridas por Ademir. Ironicamente, o inquérito foi instaurado na mesma delegacia de Almirante Tamandaré (e até hoje tramita pelo Fórum do município). Ademir foi então removido para a carceragem de Colombo e mais tarde para a Prisão Provisória de Curitiba, na Cidade Industrial.

?Neste tempo, passei por duas rebeliões, vi muita gente apanhar e sofrer. Foi um tempo de verdadeiro horror?, relembra.

?Minha casa?

Mais conformada com o período que passou na cadeia, Orlinda, que atualmente mora em uma casa modesta na periferia de Almirante Tamandaré, diz que tentou fazer do presídio o ?seu lar?. ?Eu já estava até acomodada de ficar lá?, contou. Depois de alguns dias na delegacia de Tamandaré, ela foi transferida para a cadeia de Campo Largo, onde permaneceu até o julgamento. Sem parentes ou amigos, contava apenas com as visitas da filha, Daniele, que até hoje permanece ao lado dela.

Ao contrário de Ademir, Orlinda se recusa a falar do caso. ?Tudo o que tinha para dizer falei no julgamento?, garante. Ao deixar a prisão, ela saiu amasiada com um rapaz, muitos anos mais jovem. Chegou a apresentá-lo aos vizinhos como seu marido, mas a relação também acabou e atualmente ela está sozinha.

?Tenho muitos problemas de saúde, preciso de ajuda de psicólogos?, assegura. ?Dia destes eu caí, fiz um buraco na cabeça e agora estou bem louquinha. Não me lembro de nada?, revela. Orlinda vive da pensão deixada pelo marido assassinado e não esconde a esperança de um dia arrumar um novo companheiro. ?Gostaria de me casar de novo, mas tá difícil?.

Acusados de tortura

Os dois homens – Luiz Antônio da Silva, o ?Luizão?, 46 anos, e Paulo Roberto Mesquita, 52, – acusados de torturar Ademir estão respondendo por isso, num processo que tramita pelo Fórum de Tamandaré. Orlinda, inclusive, era testemunha de defesa de ?Luizão?, mas não compareceu à audiência, no início de setembro do ano passado, e o advogado dele resolveu convocar outra pessoa para depor a favor de seu cliente. Mesquita, que também já esteve preso (há alguns anos atrás), saiu de Tamandaré, foi trabalhar em Colombo, passando pelo 13.º Distrito (no Sítio Cercado, Curitiba), 11.º DP (na Cidade Industrial) e há informações de que está pretendendo trabalhar na delegacia de Colombo novamente.

?Luizão?, figura bem popular no município, passou mais de dois anos preso (ganhou a liberdade no final de 2006), acusado de participar de um grupo de extermínio, envolvido em roubo de carros e tráfico de drogas, responsável pela morte de pelo menos 21 mulheres em Almirante Tamandaré, e de alguns homens. Ele não quis falar destes casos nem da tortura. Apenas confirmou que trabalhava como ?policial?, na DP de Tamandaré, e que ajudou a prender Orlinda e Ademir.

A liberdade dos acusados das mortes das mulheres de Tamandaré ocorreu por decurso de prazo, mas eles deverão ser submetidos a júri popular. Além de ?Luizão?, também foi acusado de participar do grupo o escrivão Alexander Perin Pimenta, que lavrou o flagrante de Ademir e Orlinda por ocultação de cadáver. Pimenta permaneceu mais de dois anos na cadeia e ao sair, assumiu a superintendência da delegacia de Quatro Barras.

*Na edição de amanhã o leitor saberá como o caso acabou.

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