Bandidos resgatam preso e ferem policial

Aconteceu de novo: dentro da delegacia em que trabalhava, um policial civil foi baleado por bandidos. O investigador Miguel Algacir Negoseke, 40 anos, foi hospitalizado, ferido com um balaço no peito, à 1h30 de ontem, durante arrebatamento do único preso então encarcerado no 4.º Distrito (São Lourenço). O policial tentou reagir à ação dos invasores, que conseguiram resgatar Edvaldo José da Silva, 27 anos.

No início da semana passada, oito presos daquela delegacia, que conta apenas com um xadrez improvisado e sem segurança, foram removidos para o Centro de Triagem, por determinação judicial. A cela ficou vazia. Na sexta-feira, a Polícia Militar deteve Edvaldo e Danilo da Silva Pereira, 30, na Barreirinha, sob acusação de porte ilegal de arma. Ambos foram apresentados à imprensa, mas o delegado titular do 4.º DP, Luís Alberto Salles, liberou Danilo e manteve preso Edvaldo, que assumiu a posse da pistola e do revólver apreendidos pela PM. “Ele disse que trouxe as armas do Paraguai para revender, e que Danilo só foi buscá-lo na rodoviária”, explicou o delegado.

Edvaldo era foragido da Colônia Penal Agrícola, onde cumpria pena por assalto – por isso, apresentou-se com nome falso à PM. Sozinho no xadrez do 4.º DP, chegou a comentar com policiais que não ficaria preso por muito tempo. “Hoje (ontem), iríamos pedir a remoção dele. Mas não imaginávamos que seria um indivíduo tão perigoso”, disse o delegado, que depois do arrebatamento soube que o preso era procurado também pela Polícia Federal.

Tiroteio

Ontem de madrugada, o investigador Miguel, de plantão no 4.º DP, escutou um barulho vindo dos fundos – local onde fica a cela. Ao verificar o que acontecia, foi recebido com tiros e reagiu da mesma maneira. Segundo o delegado, os invasores dispararam entre oito e dez tiros, de pistola e revólver. “Havia no mínimo três bandidos”, falou Salles. O outro policial de plantão, que estava na frente da delegacia, não chegou a tempo de ajudar o colega.

Antes do tiroteio, os bandidos estouraram o cadeado da cela com uma chave de grifo e libertaram Edvaldo. Todos fugiram pulando o muro do distrito, que dá acesso ao bosque do Parque São Lourenço. O Siate levou o investigador ao Hospital Cajuru, onde foi submetido a cirurgia durante a madrugada. Segundo o delegado, a bala entrou no lado direito do peito de Miguel, que não corre risco de vida. Outro projétil atingiu de raspão o policial, que está lotado no 4.º DP há dois anos.

Até a tarde de ontem, o fugitivo e os arrebatadores não haviam sido localizados, apesar do apoio do Centro de Operações Policiais Especiais (Cope) e da Polícia Militar.

Junho sangrento pra a polícia

O tiro que atingiu o policial Miguel Negoseke, do 4.º Distrito, foi disparado três semanas depois da morte do outro colega de profissão, Luiz Gonzaga dos Santos, 49 anos. Plantonista da delegacia de Colombo, Gonzaga foi assassinado a tiros na tarde de 6 de junho, fato que desencadeou uma série de protestos por parte de policiais civis e promessas de providências da Secretaria Estadual de Segurança Pública. Os autores do crime pretendiam invadir o xadrez para resgatar um detento – seis pessoas, acusadas da autoria, foram presas dias depois. Em 17 de junho, outro policial civil foi morto em serviço. Bernardo Braga de Lacerda levou dois tiros numa suposta tentativa de assalto à viatura descaracterizada que dirigia, na Rua Desembargador Motta, Batel. Na semana seguinte à morte de Gonzaga, o secretário de segurança, Luiz Fernando Delazari, determinou que a PM realizasse rondas para reforçar a segurança nas delegacias da Região Metropolitana.

Ontem, a Sesp, através da assessoria de imprensa, afirmou que o caso ocorrido no 4.º Distrito (São Lourenço) é bem diferente daquele que vitimou Gonzaga, já que o policial não estava sozinho no plantão nem atendendo ao público. Por isso, a Secretaria descarta a necessidade de se realizar o mesmo convênio com a PM nas cadeias da Capital. A Sesp informou ainda que determinou que as cadeias do 4.º e do 2.º distritos, que não passam de celas improvisadas e sem qualquer segurança, não recolham mais presos. O detento Edvaldo, que foi resgatado, não teria sido removido com os demais, no final da semana passada, por falta de tempo.

Outra fuga em Tamandaré

Valéria Biembengut

A superlotação na cadeia de Almirante Tamandaré facilitou a fuga de nove presos, na madrugada de ontem. Eles serraram as grades de dois cubículos e depois saíram pelas ventarolas, instaladas no telhado da cadeia. No momento da fuga só havia um policial no plantão, cuidando dos detentos, como está acontecendo em praticamente todas as delegacias da Região Metropolitana.

Escaparam os assaltantes Celso Rene dos Santos, Vinícius Freitas Barbosa, Júnior Xavier da Silva, Silmar do Rocio Gomes da Silva. Além de Oromar Machado Malheiros (preso por estelionato); Roverson Eduardo dos Santos (responde por tráfico de drogas, porte ilegal de arma e receptação); Tiago dos Santos Nunes, Marcílio Ferreira (furto) e Luís Roberto Martins (homicídio). O superintendente Leodir Fagundes de Brito informou que o xadrez tem capacidade para 20 presos, mas estava com 65.

Ingenuidade ou parou no tempo?

Mara Cornelsen

O que será que aconteceu com a Polícia Civil do Paraná, que há cerca de 10 ou 12 anos ostentava o título de uma das melhores do Brasil? Naquela época o “tira” era respeitado, bandido tinha medo e marginal chamava todo mundo de “senhor” dentro da delegacia. Arrebatamento de presos era coisa que nem se imaginava e se alguém ousasse fazê-lo, era recebido a tiros. Delegacia era território de respeito, ninguém “se folgava”, como dizia a “tiragem” mais antiga, aquela que tinha gasolina na viatura para rodar dia e noite e muitas balas nos revólveres (alguns portavam mais de uma arma, em coldres escondidos no tornozelo e embaixo do braço).

Na realidade a polícia paranaense não era dada a muitas investigações, mas se impunha pelo respeito e os casos eram resolvidos. Tinha tira “grosso”, linha dura, que dizia que tratava todo mundo “no pau”, mas que entrava nas favelas sem ter medo e sem precisar do apoio do Batalhão de Choque. Essa polícia, ao que parece, desapareceu. Encolheu-se, desanimou. Se antes a investigação saía na base do grito, hoje nem isso, Não há gritos, não há balas, não há combustível, não há armamento adequado, não há nem pessoal suficiente para colocar em todas as delegacias do Estado. O crime se organizou e a polícia…

Só este mês, três investigadores foram baleados. Dois morreram. Os casos demonstram até uma certa ingenuidade dos policiais. Em Colombo, o investigador que fazia plantão sozinho, num domingo, foi abrir a porta para uma mulher e criminosos tentaram invadir a delegacia para soltar presos. Era uma cilada. Ele conseguiu fechar a porta, mas pasmem, ela era de vidro. As balas atravessaram o vidro e pararam no corpo do investigador. Ele estava sem a sua própria arma, deixada na gaveta da escrivaninha do plantão. Foi abrir a porta desguarnecido, como se estivesse na própria casa. Ele estava de plantão, mas não de prontidão; vacilou e não tinha mais ninguém ali para socorrê-lo. Dias depois, outro investigador, este da Estelionatos, é abordado por criminosos no centro da cidade, com uma viatura “descaracterizada”. Tentaram roubar o carro, dizem seus colegas. Mas desde quando um policial anda sozinho na viatura, sem parceiro? Em que manual se aprende que investigação pode ser feita por uma pessoa só? Na madrugada de ontem foi no 4.º Distrito Policial que houve a invasão. Também um policial sozinho foi averiguar o “barulho” que escutou no xadrez. O colega dele estava na frente da delegacia e não foi chamado para a averiguação. Estavam arrebatando um preso. Houve tiroteio e o policial foi ferido no peito. Está hospitalizado. Se Deus quiser, sobreviverá para minimizar a dor de uma Instituição que está em frangalhos. Que tem agido com ingenuidade, como se o mundo tivesse parado no tempo em que ladrão de varal era considerado “ameaça à sociedade”. Nossos policiais precisam de reciclagem urgentemente, de retomada de espaços, de reconquista de respeito, e de mais, mas muito mais orgulho próprio e vontade de lutar pelo bem. Polícia não é política. É ação, é discernimento. Não se resolve a criminalidade com canetadas, mas com inteligência e aprimoramento.

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