Visão de mundo

O mundo econômico seria uma ordem pura e perfeita reprimindo erros, reduzindo custos da mão-de-obra, cortando despesas públicas e flexibilizando o trabalho? A pergunta instigante foi feita pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, uma das vozes contemporâneas mais consideradas quando se discutem os efeitos do chamado neoliberalismo. Ele mesmo deu a resposta e para adiantar a síntese de seu pensamento, temos a informar que a mesma é oposta ao entusiasmo dos defensores do modelo.

O programa neoliberal, dizia ele, extrai seu múnus da força político-econômica daqueles cujos interesses exprime – acionistas, operadores financeiros, industriais, políticos conservadores ou social-democratas e altos funcionários das finanças. O sistema tem seu alicerce na mundialização dos mercados financeiros, que ao lado do progresso das técnicas de informação garante a mobilidade sem precedentes dos capitais e oferece aos investidores e acionistas zelosos de seus interesses imediatos, vale dizer, de sua rentabilidade a curto prazo, a possibilidade de comparar a cada momento os ganhos das maiores empresas e até seus fracassos pontuais.

No Brasil que (re)elege hoje o presidente que cuidará dos destinos nacionais nos próximos quatro anos, de algum tempo a esta parte sentem-se alguns dos efeitos – senão todos – do sistema neoliberal, que segundo Bourdieu instituiu, na prática, um mundo darwiniano que não poderia ser completo se não contasse com a cumplicidade dos trabalhadores a braços com condições precárias de vida, produzidas pela insegurança ditada pela certeza da existência de um exército de reserva de mão-de-obra, condicionado à ameaça permanente do desemprego.

Qualquer que seja o presidente da República escolhido hoje pela maioria dos eleitores, um de seus deveres inadiáveis será encontrar caminhos racionais para restabelecer confiança, cooperação e lealdade entre os protagonistas do avanço produtivo, ao mesmo tempo que se esforce para afastar o temor da demissão individual ou coletiva, a desmoralização ou o conformismo.

O novo presidente deverá trabalhar também para desfazer a profunda sensação de incerteza quanto ao futuro e, ele próprio, colocar-se como avalista de uma ordem social fundada nos princípios de liberdade e justiça social. O sociólogo francês lembra o insuperável Max Weber, para quem os dominantes têm sempre necessidade de uma ?teodicéia dos seus privilégios?, ou seja, ?uma justificação teórica para o fato de serem privilegiados?.

Seria impropriedade exigir do presidente o dom da onipotência para resolver toda a gama de achaques que caracteriza a história recente do país, sobretudo no que diz respeito à perpetuação dos privilégios. Todavia, não há como postergar medidas não paliativas para a recuperação da dignidade humana de milhões de patrícios enclausurados pela visão estreita da separação social. Para ser grande, o país precisa ser justo e igualitário. Seria sonhar demais?

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