Valentes ou vilões

Parece absurdo, mas é verdade. Nem é preciso explicar, a sociedade só queria entender por que o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, tendo denunciado 67 deputados por integrarem a máfia dos sanguessugas, não foi peitada por uma enxurrada de renúncias aos mandatos. A renúncia do deputado, antes de instaurado o processo, leva o renunciante a perder alguns poucos meses de salários. Mas é no período eleitoral, quando o parlamentar, que quase nada faz no Congresso, passa a não fazer absolutamente nada, a não ser receber na boca do cofre os imerecidos subsídios. A vantagem é que, renunciando, não arrisca ser condenado e perder seus direitos políticos por oito anos. Assim, na mais descarada vilania, deputados caras-de-pau renunciavam, livrando-se de uma condenação ao exílio político por alguns anos, para serem candidatos de novo, em seguida, tapeando o eleitorado e voltando ao Congresso como se nada tivessem roubado.

Acontece que de uma relação de 69 deputados investigados pelo Conselho de Ética, apenas dois renunciaram. Foram Marcelino Fraga, do PMDB do Espírito Santo, que desceu do barco cinco minutos antes do prazo final, e Coriolano Sales, do PFL da Bahia, que desembarcou muito antes, tremendo de medo de que suas maracutaias lhe custassem oito anos sem direitos políticos e, portanto, sem poder integrar a gangue.

Os outros 67 deram uma de ?valentes? e decidiram enfrentar o processo, mesmo sendo certo que todos, ou pelo menos uma larga maioria, será considerada culpada.

Essa valentia merece ser exumada com o maior cuidado. Esses corajosos são vilões e, embora alguns poucos possam ter se mantido desejosos de enfrentar o processo por se considerarem inocentes, a maioria fica deputado porque acredita que será reeleito. Tem fé na impunidade que já se provou ser mais que provável na instância final, o plenário da Câmara, onde foi até festejada com uma ridícula roda de samba por uma deputada do PT, quando foram absolvidos os parlamentares do mensalão e do caixa 2.

Por mais que o Conselho de Ética prove por ?a? mais ?b? que um deputado feriu a ética parlamentar e embolsou ou desviou dinheiro do povo e, nessa instância, seja condenado, a palavra final cabe aos seus pares no plenário da Câmara. E ali, mais que num lixão, corvo não come corvo. Os demais deputados, numa manifestação explícita de espírito de corpo e condescendência para com seus coleguinhas, os absolvem. Escondem-se covardemente por detrás do voto secreto. Sempre poderão dizer ao eleitorado que votaram pela expulsão do ladrão, embora o tenham protegido, mantido no exercício do mandato, quando não dividido o produto das negociatas.

O exemplo revoltante do que aconteceu no caso do mensalão deixou bem claro que larga maioria dos deputados não dá a mínima para os interesses do povo. Deputado é sempre protegido por seus colegas também deputados, não importa quanto roubem ou que outros crimes cometam.

Esse exemplo anterior de impunidade vergonhosa faz com que os vilões membros da máfia dos sanguessugas ajam como se fossem réus valentes, dispostos a enfrentar os processos até o final. Cada um desses sanguessugas proclama com o maior descaramento: ?O povo vai ter de me engolir?. E espera ficar na vida pública, absolvido, mesmo que existam abundantes provas de sua culpabilidade.

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