Uma estranha doação

Os escândalos na política brasileira são tantos que já parecem à opinião pública da essência daquela atividade. Há ainda na consciência dos bons cidadãos a impressão de que o mau comportamento dos políticos contraria a ética e prejudica o desenvolvimento do Estado e da sociedade. Mas essa impressão esmaece e vai caindo no esquecimento. Mais recentemente, e de forma perigosa até mesmo para a sobrevivência do regime democrático e do Estado como sociedade politicamente organizada, por conta da repetição, os escândalos tornam-se regra e os comportamentos éticos, corretos, exceção. E grande massa do povo já passa a entender que as negociatas, as maracutaias, a compra de votos e a presença numerosa de malandros na atividade política é algo a ela inerente. E, por isso, irrelevante, senão natural.

Cabe aqui um papel de extraordinária valia aos meios de comunicação e às oposições, que, desde que não comprometidos ou lenientes, fazem uma espécie de contrapeso para evitar que as instituições se afoguem num mar de lama que já se forma e corre pelos poderes, notadamente os executivos e legislativos dos três níveis de governo. Os escândalos políticos nos últimos anos foram tantos que já é difícil enumerá-los. E mesmo quando o maior deles, o caso do mensalão, depois de ter recebido absolvição no conspurcado meio político onde se deu, acabou virando processo no Supremo Tribunal Federal, ainda outros escândalos são revelados quase que todos os dias.

O mais recente, já para não falar na novela de múltiplos e eletrizantes capítulos do caso Renan Calheiros, presidente licenciado do Senado, refere-se a uma empresa com ligações no exterior denominada Cisco, que, usando ?laranjas?, doou R$ 500 mil ao PT. A doação em si pode ser relevada e há quem afirme que nada tem de ilegal, embora seja difícil ao povo entender por que um partido de trabalhadores, fora de época de campanha política, abocanhe tão polpuda verba de uma empresa privada e esta dê o dinheiro como se nenhum interesse próprio tivesse.

Acontece que a oposição acusa: diz que o dinheiro não foi dado de graça, mas em troca de benefícios para a empresa Damovo, que distribui produtos da Cisco, em licitação da Caixa Econômica Federal. Nesse negócio de doações para partidos ou políticos, ninguém ?prega prego sem estopa?.

O Congresso Nacional está ocupado com alguns assuntos urgentes e relevantes. Vão da votação da CPMF, que o governo quer aprovada e faz tudo para não perder os mais de R$ 42 bilhões anuais que essa falsa contribuição provisória carreia para o Tesouro, às apreciações dos múltiplos processos contra o presidente do Senado, Renan Calheiros. Mas, mesmo assim, senadores do PSDB e do DEM já falam em criar a ?CPI do PT?, caso investigações revelem que esse troca-troca que beneficiou o Partido dos Trabalhadores aconteceu sob o patrocínio de outras empresas, além da Cisco. Isso mostra uma nova prática fora das campanhas eleitorais, em parte substituta do escandaloso caso dos mensalões.

O secretário nacional de finanças do PT, Paulo Ferreira, já disse que ?num esforço de arrecadação?, o partido recebeu R$ 6,2 milhões para financiar o seu terceiro congresso. ?Quero ver as outras doações do partido. Quanto aos R$ 500 mil, já está comprovado que é fraude. Resta saber se os outros também doaram em troca de algum benefício, de algum esquema de corrupção dentro do governo. Se isso for constatado, vale a pena ter uma CPI do PT?, disse o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Para o senador Artur Virgílio, líder do PSDB, o envolvimento do PT e do governo em irregularidades ?virou uma coisa sistêmica e nojenta?.

Pesado, não? Mas não seria novidade se tudo der em mais uma grande pizza.

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