Uma afronta aos brasileiros

Os exorbitantes lucros obtidos em 2002 pelos dois principais bancos públicos federais, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, ameaçam criar um grave problema político para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não por acaso. Os lucros obtidos pelas duas maiores instituições financeiras públicas do Brasil constituem uma afronta ao conjunto da população brasileira, sobretudo a carente.

A Caixa Econômica Federal fechou 2002 com um lucro líquido de R$ 1,081 bilhão. O Banco do Brasil, com R$ 2,028 bilhões – volume de recursos superior inclusive ao do Bradesco, maior banco privado do País, que lucrou R$ 2,022 bilhões no ano passado. No caso do BB, trata-se do seu melhor resultado financeiro dos últimos anos. Um lucro que, em relação a 2001, registrou um crescimento de nada menos de 87,4%.

Embora revoltante e totalmente condenável do ponto de vista distributivo, é compreensível que em um regime capitalista de mercado as instituições financeiras privadas obtenham lucros excessivos.

Isso está longe de ser verdade, porém, em se tratando de bancos públicos. Seria primarismo querer que os bancos, mesmo os públicos, não visassem lucros. Pela sua própria natureza institucional, porém, o acúmulo de capital jamais poderia ser o principal propósito desses bancos. Não é o que tem acontecido.

O objetivo principal de uma instituição financeira pública deve ser, acima de qualquer coisa, agir em defesa do interesse público. Na prática, isso se traduz em ações que vão desde a oferta de crédito barato para os seus correntistas até um atendimento de qualidade para os seus clientes. É o que faz, por exemplo, o Grameen Bank – banco sediado em Bangladesh especializado na área de microcrédito. Administrado pelo economista indiano Muhammad Yunus, o banco escora suas ações administrativas no combate à agiotagem e na oferta de crédito barato ao trabalhador e ao setor produtivo.

Infelizmente, a CEF e o BB estão muito longe desse ideal. A política de juros da CEF e do BB – seja para pessoa física, seja para pessoa jurídica – é muito semelhante à adotada pelas instituições financeiras privadas. Vejamos o caso da Caixa Econômica Federal. Escorada na complexa normatização do Banco Central e do Sistema Financeiro de Habitação, a CEF cobra juros abusivos dos seus mutuários, levando milhares de brasileiros das classes média e baixa a perder seus imóveis pelo fato de seus salários não conseguirem acompanhar a evolução absurda das prestações e do saldo devedor dos seus financiamentos. Por causa da exploração imposta aos mutuários, já passa de um milhão o número de mutuários que ingressaram com ações judiciais contra a CEF. Nada mais justo. Daí porque, se é sincera a disposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de reduzir as taxas de juros e de colocar a máquina pública efetivamente a serviço da população, o governo federal deveria dar o exemplo. Deveria impor uma redução significativa dos juros cobrados pela CEF e pelo BB. O chefe da Casa Civil, José Dirceu, disse que é exatamente isso o que o governo pretende. Espera-se, porém, que o governo tenha autoridade para impor sua vontade aos integrantes da equipe econômica e aos grande acionistas dos dois bancos. Porque eles já descartaram essa possibilidade.

Aurélio Munhoz é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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