Um tio à beira do abismo

Começar uma guerra é fácil. O difícil é terminá-la. A primeira guerra mundial começou com euforia esquisita que logo se rompeu e transformou a Europa em um campo putrefato, cheio de buracos, arame farpado e cadáveres. Terminá-la foi complicado e no meio dela já não se sabia por que se brigava. Os campos macabros da primeira guerra podem parecer suaves diante do que representa o poder destrutivo atual. Os Estados Unidos têm arsenais suficientes para produzir uns dez apocalipses, agora. E estão com sede de guerra, porque tem um trauma: nunca ganharam uma guerra de primeira grandeza.

E talvez pensem que a função de arsenal é ser usado e não ficar enferrujado. O problema é que, de certa forma, eles são amadores. E podem complicar as coisas para todo o mundo. A tradição bélica mostra que a única guerra em que os americanos atuaram como agentes principais e venceram foi contra eles mesmos, no século 19. Depois disso, ganharam dinheiro; ficaram em cima do muro, vendendo armas e alimentos, enquanto os demais países se destruíam.

Nas primeira e segunda guerras mundiais, os americanos foram de quase espectadores a participantes involuntários. Não tiveram importância na primeira e na segunda entraram por conta do humilhante ataque japonês a Pearl Harbor. Na realidade, a vocação americana em conflitos é a de caixeiros-viajantes. Vendem e faturam. E foi assim que chegaram onde estão, herdando o império colonial europeu, de Inglaterra e França, que destruiram suas hegemonias nos dois conflitos.

Os Estados Unidos foram à guerra da Coréia, que não foi um êxito. E no Vietnã foram humilhados. As cenas finais da embaixada sendo evacuada antes da chegada dos vietcongues traumatizaram uma geração, justamente a de George W. Bush, o presidente atual. O pai dele, George Bush, deixou o que se chama de serviço malfeito no Iraque e incumbiu o filho de fazer o resto. São as razões do atual conflito com o Iraque, razões psicológicas e familiares, mais que políticas. Talvez comerciais, porque Bush pai, como executivo do ramo de petróleo, deve ter calculado que seria um bom negócio botar a mão nos poços, deixando-os administrados por um outro ditador, como Saddam Hussein, porque neste campo os ianques não são moralistas.

Os Estados Unidos ganharam a guerra ideológica contra a União Soviética. Mas neste conflito não teve tiro, prevaleceu o tino comercial, vendendo a imagem de uma sociedade eficiente e deixando os russos com uma vontade danada de ter carrões, casas e televisores. Nesta guerra eles são duros. Na guerra comercial. Acreditar, no entanto, que uma aventura bélica seja algo simples, pode ser perigoso. Principalmente se além de Iraque envolver a Coréia do Norte.

Ao contrário dos americanos, os coreanos são guerreiros milenares, disciplinados e não teriam dificuldades em mostrar aos Estados Unidos o mesmo sabor do veneno com os quais os ameaçam e ao mundo. E, neste caso, estaríamos à beira de uma tragédia. Ou do abismo, em volta do qual, nos últimos dias, Tio Sam saracoteia como uma viúva bêbada.

Edilson Pereira

(edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado.

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