Sucessão em família

Com a eleição de Raúl Castro em Cuba, o poder manteve-se tanto no Partido Comunista, quanto na família de Fidel Castro. O irmão mais novo do ditador, em seu discurso de posse, não poupou referências elogiosas a Fidel e deixou bem claro que este continuará sendo consultado em assuntos políticos, econômicos e de doutrina. Alguns sinais de abertura, entretanto, puderam ser vislumbrados, a começar pelo fato de Raúl Castro ter tomado posse e discursado perante a Assembléia Nacional em trajes civis. Fidel nunca abandonou suas roupas militares e seus ares de guerrilheiro, mantendo assim uma imagem belicosa que vendia ousadia e espalhava desafios a tantos quantos ousassem desafiar o seu poder e o vetusto regime da pequena ilha caribenha.

Não foi só esse detalhe da vestimenta da posse que espraiou ares de abertura. Raúl falou em modernização das estruturas do Estado, a começar pela própria Assembléia Nacional, na qual foram introduzidos novos membros, inclusive jovens. Estes sempre estiveram alijados da administração cubana, a não ser os convocados para os famosos comitês de defesa da revolução, aqueles grupos de espiões diuturnos que eram incumbidos, em nome da Juventude Comunista, de denunciar quem quer que conversasse em particular, o que era tido como atividade subversiva.

A estrutura monolítica do poder comunista manteve-se e as bênçãos de Fidel foram e continuarão sendo invocadas. Mas ele será consultado, o que não é a mesma coisa de obedecido, que dará a última palavra, que tomará as decisões.

Nas entrelinhas das palavras de Raúl ficaram claras as intenções de dotar a ilha de mecanismos mais flexíveis, capazes de buscar eficiência, principalmente no campo econômico. O regime cubano falhou ao não conseguir implantar um socialismo democrático, só tendo se sustentado pela força. Mas seu maior fracasso sempre foi no campo econômico, as carências da população sempre justificadas com o boicote norte-americano, desculpa nem sempre convincente. Essas carências mantiveram-se mesmo quando a ilha recebia apoio privilegiado da União Soviética e depois que, no campo do turismo, foram aceitos capitais estrangeiros, notadamente espanhóis, com a criação de hotéis e ?resorts? abertos ao turismo internacional. Mas vedados aos próprios cubanos.

Dessa dicotomia resultou a circulação de duas moedas, o peso e o dólar, aquela para os cubanos e esta para os estrangeiros turistas e o câmbio negro. Raúl fez referência ao assunto, falando em fortalecimento da moeda cubana em busca de uma paridade que pode significar ingressos de divisas para outros campos de atividade, além da indústria turística.

Pode-se dizer, numa análise otimista do discurso do novo chefe de Estado cubano, que aberturas são possíveis, embora seja demasiado otimismo imaginá-las prováveis. O pragmatismo que se atribui ao sucessor de Fidel é que instila esperanças.

De outro lado, os cubanos radicados nos Estados Unidos, notadamente em Miami, receberam com moderação e sem muitas esperanças o deslocamento do poder na ilha. Eles já estão integrados na vida norte-americana, já numa terceira geração vivendo como estadunidenses e, embora as lufadas de saudades, nem mais pensam em regressar à ilha. Vão longe as aventuras como a tentativa de invasão da ?Baia de los Cochinos? e não são poucos os cubanos de Miami que hoje exercem atividades econômicas importantes, têm seus negócios, filhos e netos com nacionalidade norte-americana e nem mais sonham com a ilha. Pelo contrário, querem continuar sendo norte-americanos e enraizar-se cada vez mais na pátria que conquistaram a duras penas e que, mesmo com uma Cuba livre, não lhe porá à frente uma opção. A decisão da esmagadora maioria é continuar nos Estados Unidos, não importa quanta liberdade Raúl Castro consiga carrear para a até aqui hermética ilha de Fidel.

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