Solidariedade ou pieguice

Está terminando melancolicamente a CPI mista dos Cartões Corporativos, substituída por outra exclusiva, requerida pela oposição e que funcionará tendo como membros somente senadores. A bancada situacionista, obedecendo a ordens expressas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fez com que o seu rolo compressor transformasse aquela comissão num cenário fictício, em que tudo fora preparado para nada ser desvendado.

A última reunião da comissão formada por deputados e senadores foi lamentável. Plenário vazio, autoridades do governo falando às moscas sem nenhuma revelação importante ou conclusiva, tudo acabou numa cena de pieguice em que foi ouvida a Matilde Ribeiro, ex-ministra da Igualdade Racial, que deixou o cargo quando flagrada com despesas desarrazoadas feitas com cartões corporativos. Foi, dos membros do governo federal, a que mais gastou usando esse fácil instrumento de dispêndio do dinheiro do povo. E o fez até em loja ?duty free shop? de aeroporto, lanches, aluguéis de carros e outros gastos que eram evidentemente irregulares.

Pediu exoneração e não foi demitida. E mereceu, ainda, do presidente da República, agrados muitos e lamentos por ter cometido ?equívocos? e não irregularidades, como entendem os quadros oficiais.

Em um país sério ou que seja levado por suas autoridades mais a sério, episódios como o do mau uso dos cartões corporativos e dos recursos das chamadas contas B provocariam não só uma séria crise, demissões e, em alguns como é o caso do Japão, até suicídios de autoridades que não agüentam a vergonha de assim serem expostas perante a opinião pública.

Aqui, nessa derradeira reunião da CPI mista, houve até pieguice. A ex-ministra Matilde Ribeiro foi acarinhada, adulada, consolada, elevada à posição de heroína ou pelo menos vítima da incompreensão daqueles que querem que o dinheiro público seja tratado com honestidade e respeito.

Membros do grupo situacionista chegaram a subir à mesa e lá abraçar, acarinhar a ex-ministra, não para consolá-la, mas para desagravá-la, pois ela é que teria sido ofendida ao ser acusada de irregularidades com o uso dos cartões corporativos. Vá lá que não a considerem uma perigosa delinqüente, mas de uma ministra de Estado há um comportamento que deve ser exigido por este e qualquer país cujo governo entenda que deve satisfações ao seu povo, o contribuinte.

Não pomos muita fé na CPI exclusiva formada por senadores com o objetivo de esmiuçar o assunto dos cartões corporativos e inclusive a existência (ou não) de um dossiê montado no Palácio do Planalto, visando fazer chantagem com a oposição através de investigações sobre operações semelhantes feitas no governo Fernando Henrique Cardoso.

O rolo compressor situacionista vai continuar funcionando a sabujice continuará ativa. Mas o ambiente, no Senado, não é tão favorável ao governo quanto o do Congresso Nacional como um todo, ou da Câmara dos Deputados. A votação contra a continuidade da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) já demonstrou que a maioria governista, no Senado, tem certa fluidez e há riscos de a situação perder.

O final desta novela ainda se ignora, mas o último capítulo de sua primeira parte, o ocaso da CPI mista, foi de uma pieguice de enrubescer, evidenciando que em alguns círculos políticos o companheirismo, o compadrismo, a conivência e a licenciosidade têm primazia sobre os mais comezinhos princípios de decência e austeridade no trato da coisa pública.

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