Soberania: o juramento inquebrantável

A importância da soberania é tão evidente e elementar que está estampada como fundamento da República Federativa do Brasil no artigo 1º, I da nossa Constituição. Este pilar é o reconhecimento da Assembleia Nacional Constituinte, reunida há 23 anos, recém completos em 5 de outubro, de que não haverá Estado democrático de direito sem soberania. Não há como atender aos anseios de “assegurar o exercício de direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, sem respeitar e garantir a soberania.

Nessa ordem de ideias, a partir da leitura (literal e teleológica) do preâmbulo acima transcrito da nossa Carta Magna, colocamo-nos em reflexão sobre a pretensão da FIFA de alterar o nosso ordenamento jurídico e instalar tribunais durante a Copa Mundial em 2014. E poderíamos discorrer, apoiados em sólida doutrina, da absoluta ausência de fundamento jurídico da pretensão. Mas, outra faceta revela o atual estágio em que o país se encontra, colocando-o sobre pressão que incomoda não somente os representantes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mas especialmente o cidadão. A pressão da perda da oportunidade de desenvolvimento adequado do Brasil, sem desprezar a paixão pelo futebol. Depois de 64 anos de um campeonato realizado em nossa terra, seremos verdadeiros protagonistas – uma majoritária parcela da população sequer havia nascido em 1950.

Entretanto, a euforia cede lugar para a reflexão provocada pelo estrangeiro, estranho à nossa soberania, que contesta as nossas leis, ao mesmo tempo em que cobiça a nossa terra.

Comemoramos os investimentos estrangeiros, com o necessário resguardo de nossa soberania, evitando que haja um desequilíbrio na titularidade da propriedade produtiva, da indústria, das grandes empresas e do capital investido no sistema financeiro nacional. Mas, novamente, os Poderes estão em xeque pela ordem econômica mundial quando leis provocam desequilíbrios de equações econômico-financeiras que, infelizmente, nos acostumamos quando tínhamos um cenário inflacionário crônico. Decorrentes ou não desse quadro, passamos a conviver com o insaciável sistema tributário, com a corrupção em todos os níveis e com manifesta desigualdade e afronta às liberdades. Fatores que fizeram eclodir revoltas pelo mundo em busca daquela mesma soberania que um Estado democrático de direito deve respeitar e garantir.

As leis contestadas, tanto pela FIFA em relação ao benefício do pagamento da meia-entrada para estudantes e idosos, quanto, por exemplo, pelos empresários surpreendidos com o aumento do IPI para os automóveis, revelam um cenário de absoluta desconfiança no adequado desenvolvimento das políticas públicas e no exercício das competências dos Poderes. Isso porque, a sociedade complexa contemporânea tem informação suficiente para opinar, pressionar, enfim, contestar, o conteúdo de normas produzidas pelo Legislativo e pelo Executivo.

E apesar de ser salutar a interferência no aprimoramento do trabalho do Poder Legislativo e do Poder Executivo, não devemos nos esquecer que todos foram eleitos a partir do exercício da soberania popular. Até que ponto o estrangeiro está legitimado a participar desse processo?

O estrangeiro, ao trazer investimento para o País e prometer contribuir para ordem econômica, pretende colocar-se em pé de igualdade, desafiando o princípio da soberania nacional garantido pelo inciso I, do artigo 170 da Constituição Federal.

Some-se a esse quadro o constante e pleno desrespeito ao princípio da eticidade (enunciado por Miguel Reale) e ao princípio constitucional da moralidade pública, com as constantes denúncias e investigações sobre ilícitos cometidos por particulares e agentes públicos.

No contexto de “comemorar” o aniversário de nossa Constituição, fez-se sentir no coro de cerca de cem mil pessoas, no Rock in Rio, a indignação de “Que País é esse?”

A indignação alimenta a esperança e luta, porque temos orgulho de sermos brasileiros – algo também recentemente demonstrado publicamente pela torcida que compareceu ao jogo da seleção em Belém do Pará, entoando o hino nacional.

A propósito, é de ordem que precisamos para termos progresso.

Um Poder Legislativo e um Poder Executivo fracos, sem compromisso com a sociedade, desencadeia greves e o desrespeito às normas, desaguando no atolado que se encontra o Poder Judiciário, cuja liberdade é tolhida quando não tem independência orçamentária e não tem estrutura para atender milhares de ações diretas de inconstitucionalidade, às omissões do Poder Legislativo, às contestações tributárias, às greves, às soluções de controvérsias entre particulares.

E é por causa desse cenário que o argumento elementar da soberania é desafiado, especialmente por estrangeiros, que perceberam que foi quebrado o juramento feito pelos agentes públicos de respeitar e defender a Constituição.

  

José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro é Advogado. Diretor de Comunicação do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Diretor-Tesoureiro da Fundação Nuce e Miguel Reale. Professor-autor da FGV Online.

 

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