"Tiros e ameaças"

Moradores acusam policiais de causarem incêndio devastador. “Chegaram igual exército e encapuzados”

“Eles chegaram correndo e marchando igual exército, todos encapuzados, depois disso, a favela virou cinza”, denunciou um dos moradores da invasão 29 de Março, que fica nas moradias da Vila Corbélia, Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Ao todo, aproximadamente 200 casas se perderam no incêndio que, segundo os moradores, foi provocado por policiais militares. “Eles queriam vingar a morte do colega de farda deles, mas destruíram a vida de quem não tinha nada a ver com a situação”, desabafou outro morador.

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Com medo, quase nenhuma das pessoas que foram ouvidas pela reportagem da Tribuna do Paraná na invasão quis ser identificada. Apesar disso, todos compartilhavam do mesmo sentimento, a revolta por terem sido responsabilizados por algo que não lhes cabia.

Segundo o relato dos moradores, a PM ficou na invasão por todo o dia de sexta-feira (7), desde quando o soldado Erick Norio, do 23º Batalhão, foi morto no começo da madrugada. “Durante o tempo que os policiais ficaram, durante o dia, fomos ameaçados e diziam que iriam acabar com a comunidade. Eles bateram em mulheres, idosos e diziam o tempo todo que tínhamos que entregar o suspeito de ter atirado no colega de farda”, disse uma das moradoras.

Os moradores até sabiam quem era este suspeito que os policiais buscavam, mas afirmaram ter dito aos policiais que o homem não estava mais na invasão. “Mas não acreditavam e continuaram a nos agredir e disseram que iam queimar tudo”.

Incêndio mortal

Por volta das 22h, os moradores ouviram o que definiram como “batalhão” chegar. Encapuzados, os homens não usavam farda e chegaram primeiro atirando. “Foram muitos tiros, dispararam para o alto, no pé das pessoas e mandaram que entrasse todo mundo para dentro de suas casas”, contou um homem.

Pouco tempo depois, com a situação ainda crítica, veio o fogo. “Começou num sobrado e eles foram ateando fogo em tudo. Nesse momento, um homem que viu a chama começar a tomar conta gritou e foi assassinado pelos policiais”, denunciou um dos moradores à Tribuna do Paraná.

Segundo o relato deste morador, o homem gritou para avisar as pessoas do incêndio. “Ele foi pego, os encapuzados soltaram rojão e o mataram”. O corpo foi recolhido pelo Instituto Médico-Legal (IML) e a PM não forneceu à Tribuna do Paraná nenhuma informação sobre o crime. Além dessa morte, que vai ser investigada pela Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), outro assassinato também é apurado. Com isso, contando com o PM, foram três pessoas mortas desde a madrugada de sexta-feira.

Perda total

As aproximadamente 200 casas que estavam no terreno se perderam. Junto disso, o fogo destruiu também praticamente tudo o que as pessoas conseguiram conquistar com o pouco que têm. “Eu só consegui salvar roupa e documentos, mais nada. Mas teve gente bem pior que eu, e nenhuma das pessoas atingidas devia alguma coisa”, desabafou uma jovem de 21 anos, que mora com a mãe e o sobrinho.

Ao todo, segundo os moradores, aproximadamente 500 pessoas foram diretamente afetadas pelo incêndio criminoso. Algumas destas pessoas foram abrigadas por parentes e outras passaram a noite na Escola Municipal Doutor Hamilton Calderari Leal, que fica próximo dali.

Doações

Na manhã deste sábado (8), equipes da Fundação de Ação Social (FAS), da prefeitura de Curitiba, estavam no local para ver o que as famílias vão precisar. Neste momento, conforme os próprios moradores, a missão é reerguer as casas atingidas. Mas, conforme os funcionários da FAS, qualquer ajuda é importante: seja de material de higiene pessoal, alimentos ou até mesmo produtos descartáveis como copos e pratos.

Foto: Colaboração.
Foto: Colaboração.

As doações podem ser feitas diretamente ao CRAS Corbélia, que fica na Rua Professora Cecília Iritani, 510, na Cidade Industrial de Curitiba, ou também diretamente na Regional da CIC, que fica na Rua Manoel Valdomiro de Macedo, 2.460. Já outros tipos de doações, como de material para construção, podem ser feitas para a Juliana, uma das responsáveis pelos moradores, pelo telefone (41) 99644-0839.

Resposta às acusações

A Polícia Militar, acusada pelos moradores, fez uma coletiva de imprensa junto com a Polícia Civil para se posicionar a respeito das acusações feitas pelos moradores. Segundo o coronel Antônio Zanatta Neto, o incêndio não foi provocado por militares. “Temos informações que foram pessoas de outra vila, que estariam impedindo a ação da PM e jogando a conta destes fatos para a Polícia Militar. Não admitimos isso e por isso viemos a público nos posicionar”.

Segundo o coronel, a PM é a maior interessada em esclarecer os fatos e deixar claro que não foram militares os que provocaram o incêndio. “Tudo começou por termos ido atender a um chamado lá dentro, tivemos um militar que foi executado e é este o fato que precisamos abordar. Queremos que as pessoas que disseram isso (da autoria do incêndio) denunciem a Corregedoria, até mesmo com imagens e material que possa provar o que disseram”, disse o coronel, reforçando que a Corregedoria Geral da Polícia Militar do Paraná já está apurando a situação desde quando o soldado Erick Norio foi morto.

Coronel Antônio Zanatta Neto, delegado Fábio Lopes Pereira e Osmar Feijó, responsável pela investigação das mortes, deram explicações para a imprensa.
Coronel Antônio Zanatta Neto (esquerda), delegado Fábio Lopes Pereira e Osmar Feijó, responsável pela investigação das mortes, deram explicações para a imprensa. Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná.

Sobre o que os moradores disseram, que os responsáveis pelo incêndio estariam encapuzados e que seriam policiais disfarçados, o coronel destacou que todos os policiais militares que foram até a invasão estavam identificados. “Absolutamente todos os PMs estavam identificados, inclusive os do serviço reservado. Entendemos que a grande parte que está falando que estavam marchando e que foram policiais são pessoas que estão ligadas ao crime”, defendeu o Antônio Zanatta Junior.

De qualquer forma, o incêndio vai ser investigado não só pela Polícia Civil, através da Delegacia de Armas e Munições (Deam), mas também pela própria PM. “Algumas pessoas dizem que foi a PM, mas não trazem imagens, nem fotos, nem colocam no papel e também não assinam declarações. As informações que temos, no primeiro momento, é que não foram policiais  militares e que sim foi uma rivalidade entre as facções que moram e que agem naquela região. Não temos dúvida de que foi provocado por bandidos”.

"Bombeiros tiveram até mesmo dificuldade para controlar as chamas e foram hostilizados", disse Zanatta.
“Bombeiros tiveram até mesmo dificuldade para controlar as chamas e foram hostilizados”, disse Zanatta.

O coronel desabafou que, as acusações entristecem ainda mais a corporação, que perdeu um policial. “O que estamos sentido é uma inversão de valores e uma marginalização da Polícia Militar, isso não vamos permitir. Tudo vai ser investigado e vamos apurar em conjunto para verificar quem provocou o incêndio”, finalizou o Antônio Zanatta Junior, destacando ainda que os bombeiros tiveram até mesmo dificuldade para controlar as chamas e foram hostilizados. “Um dos caminhões teve o vidro quebrado por pedrada. Tivemos limitações e restrições para entrar na invasão”.

Investigações

O incêndio vai ser apurado, como informou o coronel da PM, pela equipe da Deam. Na manhã deste sábado, uma equipe da especializada já estava coletando informações e vestígios no local. O delegado Fábio Lopes Pereira, responsável pela investigação do incêndio, destacou a importância de se ter, neste momento, parcimônia. “Por enquanto, é prematuro afirmarmos até mesmo que o incêndio foi criminoso. Qualquer informação agora é leviana”.

Segundo o responsável pelas investigações, a intenção da Deam vai ser justamente descobrir, primeiro, o que provocou o fogo. “E aí, conseguiremos até mesmo afirmar se foi criminoso, se aconteceu por acidente, por uma causa natural ou até mesmo por algum erro humano. Por enquanto, não temos como afirmar nada”, finalizou o delegado, reforçando também que vai esperar o resultado da perícia feita no local para tomar conclusões. Assista a coletiva completa:

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