Se há lama, o santo é de barro

O desabafo de Lula contra o Judiciário e a violência no País é justo, é algo que a gente do povo sente há tempo. Sente e não fala. E, se fala, é gente do povo, tratada como casta inferior a que não se dá importância. O susto que se leva é quando a mesma coisa é dita por um presidente da República. Há susto porque o Brasil se acostumou ao fato de alguém ao ascender a condição de elite, agir como ela, o que significa não pensar, não falar, não agir como alguém do povo.

Este mandamento é zelado pelos ascendentes sociais. A coragem de Lula nunca foi posta em dúvida. Foram a coragem e a perseverança que o colocaram onde está, como principal líder da nação. E nesta condição ele pode expressar o sentimento do povo, mas tem normas a seguir, se não deseja piorar as coisas. A primeira é a de agir com diplomacia. Ao se referir à Colômbia como exemplo negativo, a coisa certa foi dita pela pessoa errada. Lula não teve elegância e criou um embaraço internacional desnecessário. A Colômbia é um país amigo, não um sanitário.

No que se refere ao Judiciário, por mais razão que tenha, cumpre a Lula evitar de sua parte que um dos três poderes atropele o outro, para que as instituições não entrem em ritmo de gandaia, que não leva a lugar nenhum. E, generalizar, é um perigo. Afinal, nem todos os juízes podem ser tratados como suspeitos porque talvez a maioria não seja e alguns estão sendo mortos na luta contra o crime. E Lula já deveria saber que palavras são palavras, nada mais que palavras. O máximo que podem produzir é irritação e criar um clima de conspiração. Se quer mudar, que aja. Falar muito nem sempre é sinal de sabedoria.

Falando muito, ninguém vai, ostensivamente, enfrentá-lo. Mas se começará a murmurar pelos cantos dos corredores nos demais poderes, a questionar os seus eventuais calcanhares de Aquiles. E, os há. Não será dito que se é contra Lula por ele tentar domar privilégios, mas porque não consegue resolver questões cruciais para as quais se propôs enquanto candidato, como criar empregos e fazer do brasileiro um povo feliz.

Arrojo é bom, mas na hora certa. O ex-presidente Fernando Collor foi um doidivanas arrojado, que não se furtou em afrontar as hierarquias seculares e poderes como a Rede Globo, a quem devia muito de seu sucesso. E ele foi retirado do poder através de um ritual tão rigoroso que se aplicado com a mesma eficiência em todos os outros presidentes e maioria dos governadores, sobrava pouca coisa em pé. Ou seja, ele foi forçado a deixar o poder não pelos seus defeitos. Porque, assim fosse, seu antecessor também teria sido destituído. Este não foi eleito para o cargo, quebrou o país, surrupiou mais um ano de mandato, distribuiu benesses aos apaniguados e ainda hoje preside o Senado.

O Brasil é um país confuso. É onde se conhece os defeitos alheios, mas se tem enorme dificuldade de admitir os próprios. E quando alguém os aponta, há uma revolta tão sincera que parece justa. E se invoca engenhocas jurídicas, esqueletos corporativos, interesses de classes, sempre um inciso burocrático, como se a história não ensinasse que as revoluções transformam em cinzas os abomináveis privilégios de minorias. A diferença, e isto Lula não pode esquecer, é que ele não chegou ao poder através de uma revolução. É que há três poderes. Por isso, é mais prudente ter cuidado com o andor. Há lama e o santo é de barro.

Edilson Pereira (edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado

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