Saúde no leito de morte

O governo FHC tentou arrumar a estrutura de atendimento da saúde pública no Brasil, colocando no respectivo ministério um administrador e não um médico. Escolheu o economista e político José Serra, hoje governador de São Paulo. Foram dados alguns passos adiante, mas estávamos e continuamos muito longe do ideal. Melhor dizendo, e pior concluindo, a saúde pública neste País é mais um caos. Há gente morrendo nas filas dos hospitais, nos seus corredores ou, quando com muita sorte, em camas ou mesas de operações onde só faltam médicos, equipamentos e medicamentos.

Como se não bastassem tais carências, ainda estamos enfrentando greves de médicos, enfermeiros e outros auxiliares. E o pior de tudo é que essas greves absurdas e inadmissíveis, que põem em risco a vida de pessoas, têm fundamentos. Os grevistas reclamam da falta de recursos, baixos salários, má gestão e, no caso do SUS, da remuneração microscópica que é paga pelas consultas e intervenções.

Há poucos dias, premido pela opinião pública, que, estarrecida com cenas de pessoas morrendo enquanto aguardavam inutilmente ambulâncias que não chegavam, médicos que não apareciam ou vagas em UTIs que não existem, o governo federal decidiu abrir os cofres e dar R$ 2 bilhões para o setor de saúde. Dinheiro para melhorar um pouco as tabelas remuneratórias do SUS e socorrer principalmente o Nordeste, onde o problema é mais grave. Não seria nenhum favor, mas a destinação de recursos que já existem, estão no orçamento e à saúde se destinam. Abrir a torneira é o grande esforço, pois os últimos governos brasileiros são mão-de-vaca quando é para atender às necessidades básicas da população ou investir no desenvolvimento econômico. E pródigos na obtenção de dinheiro para pagar credores, chegando a antecipar o tempo de quitação e ultrapassar os valores esperados pelas instituições mutuantes. Pagamos antecipada e regiamente as dívidas interna e externa. Ao povo pouco ou nada se paga como retorno da pesadíssima carga tributária com que arca.

Incrível que depois de decidir a liberação do dinheiro, demonstrando uma absoluta falta de sensibilidade humana e política, o ministro da Fazenda Guido Mantega chegou a dar o dito pelo não dito, como se houvesse a possibilidade de simplesmente negar os R$ 2 bilhões. Foi engano, asseverou mais tarde, ao ver que o governo, na opinião pública, entrava pelo cano. Mas é evidente que o problema da saúde pública é, antes de mais nada, um problema de gestão. De má gestão. O pagamento de auxílio-doença pela Previdência já chega a nove vezes os investimentos de saúde neste ano de 2007.

O pagamento é, por lei, devido ao trabalhador que fica impedido de trabalhar por doença ou acidente. Só no ano passado, o governo gastou R$ 15,6 bilhões com esse benefício. De janeiro até agora, outros R$ 9,3 bilhões deixaram os cofres públicos na mesma conta. A quantia desembolsada nos últimos meses já corresponde a nove vezes os investimentos globais do Ministério da Saúde. Nos últimos oito anos, o valor pago em auxílio-doença multiplicou-se por seis vezes. Em 1999, foi de R$ 2,4 bilhões. Em 2007, que apenas passou da metade, já ultrapassou o orçamento total previsto para o Programa de Atenção Básica à Saúde até o final do ano, que é de R$ 7,8 bilhões.

Existem fundadas desconfianças de que está havendo fraude. Que muita gente está se acomodando com o auxílio-doença, não voltando ao trabalho quando já está em condições de fazê-lo. Que o setor, na Previdência, é mais um nicho de maracutaias. Mas a convicção geral, provada e comprovada, é que há má gestão desses recursos e mesmo as oportunidades de fraudes resultam da desorganização do setor.

Não faltam nem doentes nem dinheiro. O que falta é competência para gerir os recursos e ordenar a solução dos problemas de saúde. Enquanto isso, aumenta o número de doentes desassistidos, aumenta a população em más condições de saúde e multiplicam-se as despesas. Se esse dinheiro fosse bem gerido e honesta e competentemente aplicado, talvez nunca chegássemos ao absurdo de greves no setor da saúde pública.

Voltar ao topo