Reforma aos trambolhões

O governo estima que no ano que vem arrecadará dez bilhões de reais a menos que este ano e, pegando carona em possíveis efeitos da crise atual, mais psicológica que real, já se prepara para cobrir o rombo. Vem aí o que se batizou de minirreforma tributária. O balão de ensaio lançado dias atrás pelo deputado Aécio Neves já contamina o Senado e o Congresso Nacional arregaça as mangas com a concordância já antecipada das oposições. Fala-se em acabar com a incidência em cascata do PIS-Pasep e na regulamentação da previdência complementar dos servidores públicos e, mesmo, na regulamentação do sistema financeiro.

“Não podemos ficar de mãos atadas”, exclama o presidente do Senado, Ramez Tebet, advogando ser essencial desonerar os gastos da produção e lutar pelo aumento das exportações. No bojo das medidas, cogita-se alterar algumas alíquotas, como a do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das empresas, mediante o artifício da prorrogação de prazos no decorrer dos quais estava já pactuado que deveriam baixar. Não se excluem outras medidas em estudos (a essas alturas talvez já definidas e empacotadas) pelo Planalto, todas tendentes ao aumento da arrecadação.

No âmbito do Executivo, a boa vontade do Congresso – ou pelo menos das principais lideranças do Parlamento – está sendo vista como uma oportunidade de ouro. Projetos que estavam parados poderão, enfim, criar forma de lei e entrar em vigência imediata. Se em período normal isso era difícil, quanto mais num momento eleitoral como estamos atravessando, com os parlamentares quase todos já em debandada, em suas bases, à busca dos votos que lhes garanta a reeleição. Benfazeja crise, portanto!

Que o Congresso Nacional tem a ver com os problemas do País, isso são favas contadas. Curioso é que tenha que funcionar à base de situações de emergência, com a água no pescoço. A reforma tributária é tema que deveria ter sido afrontado ainda no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso – a primeira das cinco importantes reformas prometidas. Passou o primeiro e o segundo reinados, e o assunto ficou para as calendas gregas. Nesse meio-tempo, o Executivo fez o que bem entendeu, gravando como nunca o contribuinte mediante aumento de alíquotas, imposição de novas contribuições e taxas, ou esquecendo a correção de tabelas de descontos, como ocorreu com o IR. O mais pernicioso de tudo, entretanto, é a manutenção de impostos que incidem em cascata sobre todas as fases da produção, penalizando sobremaneira os setores da economia que se dispõem à construção do Brasil, enquanto se privilegiaram operações financeiras de caráter especulativo. E em nome da defesa delas, chegou-se ao cúmulo de desobrigar da CPMF – apesar de a contribuição, como diz o nome, incidir sobre elas) exatamente as movimentações financeiras… para agradar ao capital de arribação com o sacrifício da produção.

Agora que a água bate no pescoço, também o Congresso Nacional age em desespero na produção de remendos que poderiam ter sido evitados, fosse ele mais atento e cumpridor de suas obrigações. Que o fato sirva de exemplo e imponha à próxima legislatura uma obrigação de fazer, até aqui empurrada com a barriga, ora por omissão, ora por responsabilização do Executivo, ora por displicente esquecimento ou apatia diante das dificuldades que o tema naturalmente oferece para sua superação. Uma reforma tributária de fato, não em tópicos ou aos trambolhões, é o que precisa ser feito.

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