Reflexão oportuna

No primeiro dia do ano, propomos ao leitor fiel deste espaço uma reflexão mais aprofundada sobre o tema da maioria dos comentários aqui publicados nos últimos tempos: o Brasil.

E o fazemos com base no ideário do grande patrício Alberto Torres (1865-1917), genuíno nacionalista e patriota de escol, cuja carreira de homem público foi concluída como ministro do Supremo Tribunal Federal, em 1909.

Ao repartir com os leitores de O Estado do Paraná um pouco da visão otimista de Alberto Torres quanto ao futuro do Brasil, não raras vezes tisnada pelo pressentimento de desvios insanáveis, a intenção precípua é concitar os homens de bem a dar sua própria contribuição e esforçar-se para agregar outros numa luta sem tréguas pelo progresso do País.

Torres escreveu em seu livro A organização nacional, hoje leitura clássica e obrigatória, que, segundo ?a idéia abstrata da sociedade política, a nação pode coexistir com todas as tendências religiosas, ou com algumas, viver com uma, ou sem nenhuma, evoluindo e desenvolvendo-se, sob inspiração exclusiva de princípios políticos, sociais e econômicos que devem reger a marcha da sociedade temporal?.

A pátria é a alma da nação, alertava com propriedade, e o patriotismo, ?o sentimento afetivo entre os homens de uma geração, e destes para com os do futuro, num povo fixado sobre um território?.

Todavia, o pensador presumia adversidades na linha dessa grandiosa conquista ao demonstrar que ?sociedade, nação e pátria são idéias elegantes, abstrações de luxo intelectual no meio dos governantes e da burguesia letrada e econômica; o povo só tem realidade efetiva na retórica dos discursos políticos e no uso material de um direito de voto que os dominantes dirigem com a pressão da influência e do dinheiro?.

A conclusão não é, portanto, das melhores porquanto numa aristocracia de fato o patriotismo acaba se transformando numa virtude profissional de políticos e servidores públicos, passando a subverter a elevada idéia de pátria, na concepção de Alberto Torres, ?a uma espécie de visão literária, em cuja imagem se refletem devaneios cavalheirescos, vagos sentimentalismos românticos, arcaísmos inconscientes de apego material à terra e paixão vesânica pela bandeira?.

Em suma, lembrava o escritor, os oradores das democracias repetem, em suas declamações patrióticas, as mesmas bravatas de cavalheiros e bardos dos tempos feudais. Mas não é desse elixir miasmático que o Brasil e a maioria dos brasileiros precisam, já o sabia bem Alberto Torres, cuja lucidez calcava-lhe a impressionante lição de que ?extinguir a miséria e assegurar a todos o uso dos meios próprios para dar livre expansão às aptidões é a grande missão das democracias modernas?. Só então, restabelecido o equilíbrio, a sociedade passaria a ter a feição normal de um amplo tecido, onde cada atividade pessoal será como que o fio posto no lugar que lhe compete, para dar o matiz, o lavor e o colorido.

Na forma de pensar fundada em proficiente investigação da vida nacional, Torres delineava um traço vindouro das sociedades modernas, a tendência para a hierarquia do capital, suprimido o velho critério da hierarquia pela nobreza. Sua explanação é convite irrecusável a um fundo mergulho na realidade contemporânea: ?O argentarismo, embora alheio a política, domina mais que os próprios poderes públicos e irrita a chaga da miséria. O despotismo do dinheiro, em face dos famintos e da gente de posição será o estado permanente das nossas sociedades se a política não for substituindo o velho equilíbrio das forças tradicionais pelo equilíbrio conservador da balança dos interesses, fundado no respeito às necessidades vitais e às aptidões do homem?.

No momento assaz delicado do reencontro do País com sua real vocação, a de ser uma república social atenta às necessidades de seus filhos, sobrenada a carência de homens e mulheres na política, na academia e na atividade geradora de riquezas, imantados pelo sentimento da igualdade, justiça e progresso para todos.

Feliz ano novo!

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