Posse dia primeiro

Tentou-se, mas não foi possível marcar outra data para a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A intenção era transferir a posse para o dia 5 de janeiro, pois o primeiro dia do ano é festivo em todo o mundo e isto dificultará ou até impedirá a presença, no ato solene que se dará no Brasil, de governantes de outros países. A discussão da matéria deu-se no âmbito do Congresso Nacional, onde se pretendia aprovar, a toque de caixa, uma emenda constitucional alterando a data. Essa solução, que chamaríamos de remendo, foi inviabilizada por falta de tempo e de quorum. Assim, será dia 1.º mesmo, e se tiver de ser alterada, não será nem para o sucessor de Lula e, sim, para o presidente seguinte.

A pressa é inimiga da perfeição e nem uma emenda constitucional aprovada “na marra” legitimaria a prorrogação, por cinco dias, ou mesmo que fosse por horas, do mandato de Fernando Henrique Cardoso. Aliás, o atual presidente, de forma democrática, desde logo rejeitou a mudança de data, que seria, na prática, a prorrogação do seu mandato. Ou melhor, a prorrogação do tempo de exercício da Presidência da República, por cinco dias, sem mandato.

No seio do povo, a relutância de FHC não foi bem compreendida, mas ela fundamenta-se na Carta Magna, nas leis e nos princípios que gerem a outorga de mandatos. Os mandatos são outorgados para determinados fins, com poderes estabelecidos e por tempo determinado. O de presidente da República é por quatro anos, para chefiar o Poder Executivo com os poderes que lhe são próprios, limitados às leis e à harmonia com os poderes Legislativo e Judiciário. O presidente não é o governo. É, sim, seu chefe. Ou melhor, chefe do poder Executivo, pois governo mesmo são os três poderes da República.

Se o povo, nas eleições, outorgou um mandato para que FHC fosse presidente da República, chefiando o Executivo, raciocinando “ab absurdo”, ele não poderia querer assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal ou do Congresso. Ou qualquer outra presidência para a qual não tivesse sido eleito. No cargo, sua obrigação limita-se aos poderes que lhe foram conferidos. Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido, é a máxima da democracia. Se o mandato foi por quatro anos, terminando no dia 1.º de janeiro de 2003 e o mandato conferido a Lula foi para começar também no mesmo primeiro dia do próximo ano, assim tem de ser. É o que o povo decidiu, através do Congresso, e nada poderá alterar isso. Nem uma emenda constitucional, como foi tentado, pois mesmo sendo alteração da lei máxima, votada pelo Congresso e não por uma Assembléia Nacional Constituinte, significaria uma exorbitância.

Só uma renúncia de FHC poderia transferir a posse para outro dia, nunca além de 31 de dezembro, mas mesmo assim, na ordem legal de sucessão, alguém teria de assumir a Presidência. Seria esta uma discussão sem importância? Seria uma mera formalidade, pois nada se alteraria se Lula assumisse no dia 1.º ou no dia 5?

Certamente, não. A mudança de data significaria reduzir o mandato de Lula, embora em poucos dias. E também prorrogar, sem outorga de poderes do povo, o mandato de FHC. No Estado de Direito, como pretendemos seja o Brasil e queremos vê-lo cada vez mais consolidado, como uma verdadeira democracia, as regras precisam ser seguidas à risca. O relaxamento dessas regras, em uma questão de somenos, pode significar uma porta aberta para mudanças outras, mais significativas. Até contra o povo.

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