Casa dos Pobres envolvida na campanha de Rafael Greca

Quando o ferroviário Januário resolveu criar o Albergue São João Batista (Casa dos Pobres São João Batista), na Curitiba de 54 anos passados, só pensava em beneficiar os absolutamente pobres. Foram milhões de atendidos, ao longo desses anos, com cama, comida, roupas novas, remédios, cuidado médico para cancerosos pobres e creche para crianças carentes.

Foram centenas de milhões de refeições servidas em mais de meio século. Graças ao apoio da comunidade, que ajuda a pagar os 46 funcionários do albergue. Inclusive as freiras que são, também, funcionárias como os demais, assalariadas.

Nos últimos dias, o albergue (ou Casa dos Pobres) apareceu como pano de fundo de campanha de candidato a prefeito do cidadão Waldomiro Rafael Greca de Macedo, mais conhecido como Rafael Greca, que foi presidente da casa durante os tempos áureos do governo Jaime Lerner, e de quem ganhou apoio e recursos para tocar a obra por muitos anos.

Fani Lerner e Marina Taniguchi – dois nomes respeitáveis, diga-se bem – foram da diretoria, levadas por Greca e sua mulher, Margarita. Assim como durante os anos Greca a casa recebeu notórios políticos para encontros no salão de refeições.

Mudança de hábito

Mas, desde 1992, o albergue é dirigido pelo empresário e engenheiro Rafael Pussoli, ex-amigo do casal Rafael Greca e Margarita Sansone, com os quais fez viagens a passeio pela Europa. Pussoli foi coordenador da campanha de Greca a prefeito e um dos artífices do comitê financeiro do ex-prefeito. Neste capítulo, tornou-se ?um arquivo precioso?, possivelmente para os opositores de Greca.

?Brigam as comadres, descobrem-se as verdades?, diz velho ditado. Mas é bom dizer que Rafael Pussoli não quis ser preposto de Greca na direção do albergue. Tratou de ter vôo próprio, reorganizou a diretoria da mantenedora, acertou a situação legal da entidade, trouxe para seus quadros gente como o desembargador Fontoura, o requianista Nestor Bueno, o presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Canto Neto, o engenheiro Eduardo Archegas, entre outros.

Consta que promoveu ampla e irrestrita vistoria na contabilidade, especialmente sobre os recibos de doações. Pois a Casa dos Pobres pode fornecer recibos para abate do Imposto de Renda. Enfim, Pussoli colocou ordem na casa. O caixa, que recebera zerado, hoje tem superávit suficiente para iniciar a construção da nova sede, em terrenos que o albergue comprou (e Pussoli pagou) na Vila Hauer.

Pussoli estabeleceu vigilância sobre as entradas de doações e descobriu coisas estranhas, como o sumiço até mesmo de carneiros e vacas doados à instituição, isto para falar no mínimo. Seu rigor deixou em má situação uma das freiras que lá trabalham (são assalariadas, com carteira assinada), pois ela não consegue prestar contas de R$ 24 mil que deveriam ter entrado no caixa do albergue.

As freiras consideraram-se ?assediadas moralmente?, por que uma delas foi demitida diante de tantas falhas. A freira conseguiu que o Ministério Público do Trabalho obtivesse sua reintegração.

A disputa dentro da Igreja

Com a campanha de Rafael Greca começando a se esboçar, o habilidoso político resolveu dar início pela Igreja Católica, pois em alguns setores conservadores ainda tem grande prestígio. Sua dificuldade é que vem sendo rejeitado pelo clero jovem e pelas alas progressistas, que o vêem como ?oportunista?. Pela ala petista do clero, nem falar: a rejeição é imensa.

Assim, Greca juntou-se a dois padres com prestígio junto ao arcebispo – um deles, o padre Reginaldo Manzotti, freqüenta sua chácara em companhia de outro padre com liderança na direção da Arquidiocese. Daí Greca fez nascer a idéia de defenestrar Pussoli, com o qual não mais poderia contar, e também por precisar de uma instituição respeitável para dar suporte à sua campanha.

A solução primeira, de simplesmente pedir a direção da casa não deu certo. A solução veio dos dois padres aliados: eles influenciaram a Mitra para pedir a devolução do prédio da Rua Piquiri, onde funciona o Albergue há 54 anos. Realmente, o prédio está escriturado em nome da Arquidiocese de Curitiba, mas um dos terrenos é da mantenedora da Casa dos Pobres. Só que o Albergue (a mantenedora) paga o IPTU há 52 anos e os terrenos da creche ao lado foi por ele adquirido. Enfim, um embrulho para a justiça desembrulhar sabe Deus quando.

O albergue foi previdente: quando sentiu a movimentação política do candidato, pediu usucapião do prédio. A mantenedora fala pela boca de Rafael Pussoli: ?Nós só queremos continuar fazendo a obra de Januário, não somos políticos, não estamos interessados em barganhar propriedades (como o prédio de Piquiri).?

O medo

Mas o maior medo de Pussoli e de outras pessoas que o apóiam é que a Mitra faça com o albergue o que fez em 2005 com a velha casa da Arquiconfraria das Mães Cristãs, localizada na Visconde de Guarapuava, com Rua Coronel Dulcídio. Um dos padres hoje aliados de Greca não descansou enquanto não conseguiu, na Justiça, que a Mitra desalojasse as 20 velhinhas pobres (80 anos, em média de idade) que lá moravam em regime de pensionato de uma entidade católica francesa.

Algumas velhinhas, pobres absolutas, lá viviam há 30 anos. Ganharam, cada uma, R$ 5 mil de indenização e a Mitra vendeu o terreno por muitos milhões, recebeu uma parte em dinheiro (e o aplicou numa casa da Avenida Iguaçu, ao lado da Igreja do Santíssimo Sacramento), e ainda ganhou um apartamento de cobertura com piscina e outro em andar alto. O prédio de luxo está pronto, as velhinhas estão na rua da amargura.

Na briga

Agora o mais surpreendente: depois de ampla divulgação em favor do albergue, nos últimos dias, que quer continuar atendendo a sua grande clientela, cancerosos que vêm do interior e de outros estados para se tratar em Curitiba, o governo do Estado entra na briga.

E como? A Agência Estadual de Notícias encampa amplo noticiário dando a visão de Rafael Greca de Macedo sobre o assunto. Faz-se porta-voz do pré-candidato do PMDB contra uma instituição que, sequer, recebe verbas da Prefeitura de Curitiba. O Albergue hoje é totalmente alheio a embates eleitorais.

Uma guerra nada santa, que apenas está começando e que poderá, até fazer respingar testemunhos de tempos em que um dos líderes da pendência morava, como leigo, num apartamento ao lado do Cemitério Protestante, no Alto da Glória, com outros rapazes alegres.

?Afinal, guerra é guerra?, diz o dono de memória prodigiosa, que está trabalhando no caso cheio de acusações, mas que jamais poderá toldar o brilho de uma obra correta, honesta e com dividendos comunitários, especialmente nos últimos dez anos.

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