CADA IDEIA...

Atarefados com projetos malucos, vereadores adiam decisão sobre Derosso

O contribuinte de Curitiba elege 35 vereadores a cada quatro anos, para defender seus interesses no Legislativo municipal. Eles são razoavelmente remunerados: salário bruto de R$ 10.439,07, além de polpuda verba de gabinete. Não é para deixar ninguém reclamando por aí. Sem contar viagens que aparecem, algumas para o exterior (Itália é um dos endereços), participação em tediosas solenidades, jantares e, claro, as sessões.

O presidente da Câmara, João Cláudio Derosso (PSDB), ganha mais: R$ 17.885,00. Atualmente ele trabalha para provar que é inocente das acusações de ter beneficiado sua segunda mulher, Cláudia Queiroz, com contratos de publicidade que passariam de R$ 30 milhões. Este assunto também rende muito trabalho aos vereadores que, já há alguns meses, discutem, discutem e discutem e nunca chegam à conclusão se Derosso é culpado ou não.

Além dessa discussão que vem dominando o noticiário, os ocupantes do Palácio Rio Branco também analisam projetos do Executivo e fazem os seus. Uma das atividades mais intensas é escolher nomes de ruas e propor homenagens para alguma pessoa por um motivo qualquer. Numa dessas, o treinador Ney Franco virou Cidadão Honorário de Curitiba, por treinar o Coritiba. Honraria que não comove o mais fanático integrante da torcida organizada Império Alviverde.

Estamos em novembro. Uma passada de olho nas propostas e projetos discutidos este ano mostra uma preocupação eclética na Câmara. Mas, no geral, de duvidoso alcance social amplo. O professor Galdino (PSDB) propôs e conseguiu aprovar o Dia Municipal do Kung Fu. Mas é um mistério o que isto melhore o dia a dia do contribuinte, dos moradores dos bairros periféricos ou mesmo dos praticantes de kung fu. De qualquer forma o curitibano de agora em diante vai comemorar todo dia 11 de abril o Dia do Kung Fu porque nesta data Chan Kowk Wai chegou ao Brasil. E com ele veio o kung fu.

Lei da lente limpa

O vereador Felipe Braga Cortes (PSDB) protocolou projeto para tonar obrigatória a higienização dos óculos 3D nos cinemas da cidade. “É uma questão de saúde e higiene, para evitar doenças como a conjuntivite”, diz ele. Certo que houve surto de conjuntivite na cidade, mas isto não é tarefa de saúde pública, qualquer portaria resolve. Vereador deveria ter coisas mais importantes a fazer.

Braga Cortes também é autor de uma proposta chamada “Uma luz para a vida”. Ele quer que os veículos de transporte escolar e de autoescolas usem os faróis acesos durante o dia. Ele alega que a medida melhora em até 60% a visibilidade dos condutores. Se for assim, o vereador deveria usar o princípio da isonomia e ampliar a lei beneficiando todos os curitibanos: em Curitiba todo mundo deve acender os faróis dos carros durante o dia para enxergar mais e à noite para enxergar melhor. O trânsito ia ficar 60% melhor e de uma forma democrática. Claro que ia ficar estranho. Mas isto é outra história.

Algumas propostas trazem a semente da confusão. Se a relação entre motorista e usuários no transporte coletivo de Curitiba não anda boa, o vereador Emerson Prado (PSDB) arrumou uma lei para apimentar ainda mais. Ele protocolou projeto para instalar painéis com marcadores de velocidade no ônibus. A ideia é fazer com que os próprios usuários observem a velocidade e denunciem abusos cometidos por motoristas de trânsito.

A velocidade máxima permitida para um ônibus circular na cidade é de 60 quilômetros por hora. Passou disso, o que o usuário deve fazer? Provavelmente pular no pescoço do motorista e gritar: “Mete o pé no freio, mete o pé no freio”. Vai ficar uma beleza. Principalmente na decida da Ópera do Arame, quando o Inter II desembesta e 60 por hora vira fichinha. Vai motorista e todo mundo para o ralo. Seria mais humano e racional o vereador propor um bom salário e melhores condições de trabalho para os motoristas e, depois, cobrar mais atenção deles. Se ganhassem melhor eles pensariam duas vezes antes fazer bo,bagem ou dirigir em alta velocidade.

Aliás, falando em salários, por R$ 10.439,07 por mês seria justo que os vereadores tivessem ideias mais interessantes para resolver problemas crônicos da cidade, como os alagamentos no rio Belém, que este ano arrastou velhinho no São Lourenço por mil metros. Ao fim do qual ele chegou morto. Falta de habitação popular. Curitiba é uma das grandes cidades que menos investe neste setor, quase tudo que se faz nesta área vem do governo federal. O transporte público está sucateado e o legado deixado por Jaime Lerner esgotou suas possibilidades. Não é por falta de desafios.

Fumos, pombos e defuntos

CMC
Kuzma: guerreiro da cruzada antitabagista.

O fumo é responsável por uma queda de braço na Câmara. Enquanto o vitorioso Tico Kuzma (PSB) é autor da lei municipal que deu um fim nos fumódromos e proibiu o consumo de cigarros em ambientes fechados de uso coletivo publico ou privado, o professor Galdino (PSDB) ataca na direção contrária. Ele quer permissão de funcionamento de bares e casas noturnas exclusivas para fumantes.

Amparado por pareceres jurídicos da Abrabar (Associação Brasileira de Bares e casas Noturnas do Paraná), Galdino navega contra a onda da “fumofobia”, denominação criada pelo presidente da entidade, Fábio Aguayo. Este dirigente denuncia que “existe a mania de perseguição ao fumante que não tem mais o seu espaço. É preciso que todos tenham seus espaços respeitados”. Galdino concorda: “Não devemos olhar a questão do tabaco apenas sob a ótica moralista”. E acha que é preciso garantir a liberdade e os direitos de todos.

Não satisfeito, guerreiro da cruzada antitabagista, Kuzma apresentou outro projeto destinado a proibir o fumo em parques, praças e locais destinados à prática esportiva e de lazer. Ele só se esqueceu de dizer onde é que o fumante de tabaco pode dar umas pitadas sem ser punido, porque há outro tipo de fumante na cidade que deixa um cheiro de mato queimado e um fumaceiro danado nas ciclovias que até velhinho fazendo caminhada fica rindo sozinho.

Mas se existe a guerra do fumo, é que a pomba da paz não está mais na cidade. Quer dizer, se ficar dando sopa por aí, vai ser exterminada. É o que prevê projeto do vereador Zé Maria (PPS). Munido de uma avaliação sanitária – “São mais de 20 doenças transmitidas pelos pombos, entre elas a salmonelose, histiplasmose, toxicoplasmose, ornitose e alergias de maneira geral”, sem contar os “piolhos, que são ácaros que vivem em seu corpo” – o vereador conseguiu aprovar projeto que prevê o controle de pombos. Controle é uma forma de legalizar o extermínio do símbolo da paz. Tem pombo nervoso na praça Tiradentes, pensando em tirar passaporte italiano e baixar na piazza San Marco, Veneza.

A intenção do vereador Jair Cezar (PSDB) pode ser das melhores. Mas este negócio de dar auxílio-funeral para quem doar órgãos e tecidos para transplantes, parece o tipo de coisa destinada a arrancar órgãos dos pobres, já que morreram mesmo, a troco de uma grana para enterrar o resto que sobrou. Porque rico que é rico não vai embarcar nesta onda de auxílio-funeral. Claro que doar órgãos é uma decisão pessoal e elogiável, mas forçar a barra não. (EP)

O poder às vezes enlouquece

Justiça seja feita, vereadores com ideias limitadas não existem só em Curitiba. Alguns vereadores pelo Brasil afora na ânsia de mostrarem serviço e serem criativos acabam saindo com propostas bem malucas. Em novembro de 2004 os vereadores de São Paulo chegaram a aprovar uma lei que instituía o uso de coletes com airbag para motoboys. A coisa não prosperou. Também em São Paulo, o vereador Penna (PV) propôs em 2009 o uso de biodigestores para transformar dejetos humanos em biogás. Os dejetos seriam coletados pelo poder público.

Sem contar propostas que não são malucas, mas são inócuas, como o Dia da Sanfona, proposto em São Paulo pelo vereador Netinho de Paula (PCdoB), em 2009. Ou estapa,fúrdias, como aconteceu nos anos 90, em Teresina, Os vereadores lutaram pela proibição de abrigos nucleares no município. Talvez partissem do princípio de que se não construíssem os abrigos nucleares, ninguém ia ter ideia de começar um conflito atômico. Pode ser.

O advogado gaúcho Zarur Mariano, sócio da Zarur Mariano & Advogados Associados, listou mais maluquices de nossos legisladores municipais. Em Quixeramobim, no Ceará, o vereador João Filho propôs que fossem pintados de amarelo fosforescente todos os rabos de porcos, ovelhas e bodes, para que os motoristas desatentos não atropelassem os bichos à noite. Em Juiz de Fora, os vereadores apresentaram pelo menos dois projetos polêmicos: o primeiro previa que cavalos e burros usassem fraldas para não sujar a cidade, outro fixava mão e contramão no tráfego de pedestres.

A maluquice de nossos legisladores é histórica. Em 1894, em Rio Claro, no interior de São Paulo, eles proibiram a melancia, alegando que a fruta transmitia tifo e febre amarela, doenças epidêmicas naquele tempo. Quando descobriram que a melancia não era subversiva, liberaram a fruta.  Mas ela continuou verde por fora e vermelha por dentro.

Mas ideia de jerico não nasce só na cabeça de vereadores. Os prefeitos também as cometem. Em novembro de 1997, o então prefeito Élcio Berti (já falecido) proibiu a venda de camisinhas e anticoncepcionais em Bocaiuva do Sul, no Vale da Ribeira, como forma de evitar o encolhimento da população, que prejudicava a recepção de verbas federais pelo município. A gritaria foi grande e Berti revogou a medida.

Em setembro de 1995, o prefeito Wilmar Peres de Faria conseguiu em Barra dos Garças, no Mato Grosso, algo que Élcio Berti apenas tentou e não executou em Bocaiúva do Sul. Faria assinou em 1995 a lei municipal 1840, que instituía uma reserva de cinco hectares na serra do Roncador para pouso e decolagens de discos voadores. O terminal espacial não funcionou por falta de fluxo de veículos.

Nos anos 70, o então prefeito Silvio Barros, de Maringá, propôs à Câmara recursos para construir sanitários públicos na casa em que morava na Zona Dois, alegando que as pessoas que iam procurá-lo tinham vontade de ir ao banheiro e usavam o banheiro da família, causando transtornos de ordem sanitária. Deu um rebuliço danado e a proposta foi esquecida.

Em maio de 1968, então prefeito de São Luís, Epitácio Cafeteira baixou código de posturas municipal vetando uso de máscaras em festas (exceção do Carnaval ou com autorização das autoridades). Ele alegava que as máscaras protegiam os ladrões e eles escapavam. (EP)