Pobre não é ladrão

Além dos militares, os magistrados querem ficar fora da reforma da Previdência. Alegam inúmeros motivos para o que pedem, que vão desde o fato de estarem impedidos de exercer outras atividades, excetuando-se a do magistério, até a descoberta mais recentemente revelada, segundo a qual a previdência da magistratura é superavitária, mesmo sendo a categoria de funcionários públicos mais bem paga e mais bem aposentada do País.

Os pontos mais polêmicos da proposta do governo são, para a magistratura, o fim das aposentadorias integrais, a cobrança da contribuição previdenciária dos inativos e a redução dos salários dos juízes estaduais. Esta última, ao quanto se sabe, não decorre de um nivelamento por baixo e, sim, de distorções há muito denunciadas à Nação. Seria exagero pretender que tais distorções passem a formar regra geral da qual todos se aproveitassem. Quanto aos dois primeiros pontos é imperioso dizer-se apenas que um dos grandes buracos na Previdência brasileira decorre exatamente do que o presidente FHC chamava de privilégios subsidiados pela maioria do povo brasileiro que, apesar de pagar a conta, não tem o direito sequer de sonhar com iguais direitos.

É comezinho ser um direito de todo cidadão – da ordenança ao comandante, dos juízes aos condenados – dizer onde lhe dói o calo. E é salutar que o diga para que o resto da sociedade, comiserada ou solidária, venha em socorro dos queixosos e lamuriantes. Mas será muito difícil que algumas das razões alegadas pela magistratura reivindicante venham a ser levadas em conta, seja por comiseração ou por solidariedade. Uma delas é a que acaba de levantar o vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Douglas Alencar Rodrigues.

Segundo o representante classista, se os juízes forem incluídos na reforma da Previdência, isso vai favorecer o aumento da corrupção no Judiciário. Com a retirada da aposentadoria integral, “abre-se a possibilidade – segundo Douglas – para que pessoas não vocacionadas venham ao Judiciário para procurar o enriquecimento indevido”. Em outras palavras, a carreira da magistratura passaria a ser atraente, não por motivos sadios como o de uma remuneração boa, um emprego garantido para o resto da vida, dois meses de férias por ano e, no final, uma aposentadoria acima da média, mas por outros motivos. Entre eles, os do ganho indevido, ou corrupto. Usando palavras já ouvidas alhures, o ganho pela via da venda de sentenças e coisas do gênero.

Ora, isso, além de ser uma ofensa à magistratura – em sua maioria honesta e extremamente dedicada – que o líder classista casualmente representa, é uma ofensa também a todos quantos por esse país afora não têm, têm pouco ou vivem de humildes atividades que mal lhe garantem o sustento do dia-a-dia. Seria o mesmo que admitir o fato de que o ato de roubar só é crime em função de suas condicionantes ou objetivos. Não é porque um guarda rodoviário ganha pouco que lhe seja lícito exigir propina; nem que o fiscal da Receita possa, sem cometer abuso, extorquir o contribuinte faltoso ao argumento de que o salário pago pelo erário é diminuto.

Pobreza não significa – é forçoso dizer para avivar alguns espíritos obnubilados – sinônimo de gatunagem. Pobre não é ladrão. Aliás, até a presente quadra, os grandes roubos nesse Brasil não foram praticados por pobres nem por cidadãos em dificuldade mas, sim, por pessoas esclarecidas. Ninguém deixará de ingressar na carreira da magistratura por centavos a mais no salário ou na aposentadoria. Nem pelos mesmos motivos haverá de se corromper, vendendo sentenças, engavetando processos, ou condenando injustamente. Tais males decorrem de outra avaria de caráter. E para essa avaria, os remédios são outros.

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