Luís Guilherme Vieira

Pelo direito à defesa e à cidadania

Elaine foi premiada na categoria desenho; Beatriz ganhou um prêmio pela qualidade e sensibilidade de seu texto; Márcia, por seu apurado olhar fotográfico. Esses nomes representam adolescentes e mulheres que expressaram seus sentimentos e pontos de vista em forma de arte, mas possuem uma diferença: para elas a fronteira é mais estreita, demarcada por muralhas e horizonte curto.

Com o objetivo de levar arte e cultura para as crianças, adolescentes, mulheres e funcionárias do sistema prisional da cidade de São Paulo, incentivando-as a expor seus sonhos e expectativas, foi promovido em 2005, pelo IDDD, o concurso cultural “O Direito do Olhar”. Realizado dentro das penitenciárias, hospitais de custódia e unidades da Fundação CASA (ex-Febem), o concurso teve como proposta fazer com que as próprias internas, presas e agentes carcerárias trabalhassem em produções artísticas, na valorização da dignidade que a vivência diária no sistema penitenciário lhes diminuiu.

O concurso foi realizado em todos os estabelecimentos prisionais femininos da capital paulista, como o apoio da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro e da Fundação Conrado Wessel. O número total de presas era de aproximadamente 3.700 e, desse total, 680 mulheres, crianças e adolescentes inscreveram-se espontaneamente para participar. Entre as inscritas foram selecionadas 120 participantes em cada categoria, somando 360. Além delas, duas funcionárias de cada estabelecimento podiam concorrer em cada modalidade artística.

Marcadas pela solidão, pela indiferença e pelo descaso da família, do Estado e da sociedade, aproximadamente 24.068 mulheres cumprem pena no Brasil. São mulheres que vivem como párias da sociedade. Para vigiá-las, são outras tantas agentes penitenciárias que experimentam as agruras de desenvolverem suas profissões num sistema falido e próximo da implosão. Lados muito diferentes de uma mesma moeda têm em comum a desvalorização humana a que são submetidas.

A saudade, o abandono dos companheiros e familiares, a distância dos filhos, a separação após o período de amamentação, proibição de visitas íntimas, surgiram como temas chave na vivência de cada uma das participantes detidas; a tensão permanente, a falta de reconhecimento social e profissional apareceram com clareza nos trabalhos das agentes. Tudo isso retratado no livro que se apresenta e que expõe as angústias e sonhos de mulheres. A arte acabou por revelar pessoas transformadas pelas condições que vivenciam; umas pelos rigores do cárcere, outras pela responsabilidade de manter esse rigor.

Esse exercício de cidadania foi todo documentado e revelado nas páginas do livro O Direto do Olhar – Publicar para Replicar, que será lançado no próximo dia 28 de abril, às 10h30, no Lions Nightclub – Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 277 – 1.º andar – São Paulo.

O evento, além de celebrar o sucesso do projeto, propondo a sua continuação, comemora os 10 anos do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

A obra reúne todo desenvolvimento do concurso, tendo como resultad,o: poemas, contos, desenhos e fotografias, dentre esses, os que foram contemplados com prêmios e menções honrosas e, depois, selecionados para uma exposição. O projeto do livro foi contemplado pelo processo de seleção pública do Programa Petrobras Cultural, no segmento de Educação para as Artes, que entre seus objetivos visa desenvolver, através dos fazeres artísticos, a capacidade criadora e a noção de pertencimento à sociedade.

O Direto do Olhar – Publicar para Replicar tem a intenção de divulgar todo o processo de montagem do concurso para que ele possa ser replicado em outros locais outros estados brasileiros, e até mesmo em outros países -, de modo a beneficiar as comunidades que se disponham a empreender o caminho retratado, um meio de re-humanização de pessoas submetidas às condições do cárcere, sejam como internas, sejam como funcionárias do sistema. O livroé um exercício de valorização da dignidade da pessoa humana e da cidadania, que refletiu diretamente no comportamento desses indivíduos na sua relação com a sociedade.

A publicação traz textos de Flávia Rahal e Luis Guilherme Vieira, respectivamente, presidente e diretor cultural do IDDD. O prefácio é do cantor, compositor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil e o posfácio é de Márcio Thomaz Bastos, advogado criminal, ex-ministro da Justiça e idealizador do IDDD.

Os depoimentos de alguns dos jurados envolvidos em cada categoria também estão contemplados na obra e abordam um pouco da experiência e da opinião de cada um deles: Ricardo Ohtake (Instituto Tomie Ohtake), Noélia Coutinho (Projeto Portinari), jurados de desenho; Drauzio Varella (médico e escritor) e a jornalista Marina Amaral, jurados de literatura; Eduardo Muylaert (advogado e fotógrafo) e Iatã Cannabrava (fotógrafo), jurados de fotografia.

O projeto “O Direito do Olharrecebeu, em 2005, moção de aplauso e congratulação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e menção honrosa do “Prêmio Betinho – Cidadania e Democracia”.

Contatos: Flávia Rahal, presidente do IDDD – flavia@iddd.org.br

Entendendo a situação da população penitenciária feminina do País

“…Contrariando aqueles que dizem que não há que se falar em cidadania e direitos humanos para as pessoas privadas de liberdade, este Grupo de Trabalho reafirma que todas as pessoas privadas de liberdade devem ser punidas somente com a privação da liberdade, e não com a privação de seus direitos humanos e muito menos com a suspensão de sua cidadania…” – Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial – Reorganização e Reformulação do sistema prisional feminino” , Governo Federal (dezembro de 2007)

Percentual de mulheres encarceradas no Sistema Prisional no Brasil

(2000 a 2006)

* Total de presos: 409.548

Dos quais 385.480 homens e 24.068 mulheres

* Percentual de mulheres presas no total

Da população carcerária: homens 94,12% – mulheres 5,88%

* Cumprimento de pena em delegacias de polícia

25% das mulheres

13% dos homens

* Unidades prisionais:

Do total de 1.097 unidades prisionais – 1.042 são masculinas e 55 femininas.

6.522 mulheres

* Mulheres encarceradas no sistema de segurança pública: delegacias, distritos e cadeias (junho de 2007): 6.522 mulheres.

* 25 % das mulheres cumprem pena em local inapropriado, onde não podem exercer atividades como estudar, trabalhar, participar de oficinas artísticas e profissionalizantes.

* Além disso, nas delegacias e cadeias públicas, não há a presença de defensor público para dar assistência judiciária preconizada na Constituição Federal.

* O direito à visita íntima, ao contrário do que ocorre com os presos homens, não é garantido às presas, mulheres, além disso, há repressão às relações homoafetivas.

* Muitas são abandonadas por seus companheiros em função disso.

* Na maior parte das vezes recebem poucas visitas.

* Não existe período obrigatório de lactação/amamentação estipulado por lei.

* Antes de serem presas, 66% das mulheres moravam com seus filhos.

* Somente em 19,5% dos casos o companheiro assume a educação do filho.

* 39,9% dos filhos ficam sob a tutela de suas avós maternas.

* A maior parte das presas tem estado civil de solteira – 53,8%.

* 7,7% delas moravam sozinhas antes da prisão.

* 82,1% têm pelo menos um filho.

* 36,3% das mulheres presas não recebem nenhum tipo de visita (amigos, familiares ou companheiros).

* 11% delas recebem menos de uma visita por mês.

* O apoio maior vem dos filhos que representam 47, 7% do percentual de visitas, seguidos dos amigos 11% e finalmente dos netos 4,5%.

* 73% dos homens afirmam que gastam consigo mesmo, enquanto 58% das mulheres presas revertem qualquer tipo de renda para a sua família.

* Os espaços destinados a creches são precários e não existem critérios definidos para separar mãe e filho.

* Há, atualmente, 25.909 mulheres encarceradas no Brasil e o País tem apenas 55 unidades prisionais exclusivamente femininas.

* As pesquisas realizadas explicitam que a mulher presa no Brasil hoje é jovem, mãe solteira, afro-descendente e, na maioria dos casos, condenada por envolvimento com tráfico de drogas, sendo que a maioria ocupa uma posição secundária na estrutura do tráfico.

* A tuberculose, doenças como DST/Aids, pneumonia, dermatose, hepatite, diabete, hipertensão são comuns no ambiente dos presídios femininos.

* Fatores estruturais como superlotação, confinamento excessivo, espaços inadequados, saneamento precário, falta de higiene e toda a lugubridade da prisão, aliados ainda a torturas e violências, inexistência/insipiência de atividades laborais, educação e lazer, visita íntima, má alimentação e uso excessivo de drogas lícitas ou ilícitas, fazem com que a mulher que adentrou um estabelecimento penal numa condição sadia, de lá não saia sem ser acometida por uma doença ou tenha sua resistência física e saúde fragilizadas.

* Ao se envolverem com a produção cultural, as mulheres não só desenvolvem suas potencialidades manuais e intelectuais como encontram ambiente fértil à recuperação da auto-estima, além de condições favoráveis à estruturação do convívio harmonioso e à resolução pacífica de conflitos.

* O número de mulheres apenadas por tráfico de drogas em 2007 supera, proporcionalmente, o dos homens (envolvimento amoroso, ameaça a seus companheiros ou filhos).

* A tortura psicológica é amplamente utilizada, por meio da ameaça de violência e morte ou constrangimento sexual, notadamente em unidades que têm população mista ou em que os funcionários são homens.

Fontes: IDDD, Censo Demográfico com perfil do Preso no Estado de São Paulo e “Relatório final do Grupo de Trabalho Interministerial – Reorganização e Reformulação do sistema prisional feminino”, governo Federal (dezembro de 2007)

Luís Guilherme Vieira, diretor cultural do IDDD – luis.guilherme@ealgv.adv.br

O Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD é uma organização da sociedade civil que trabalha pelo fortalecimento do direito de defesa e pelo respeito aos direitos individuais dos cidadãos.

www.iddd.org.br

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