Usina cria polêmica no Vale do Ribeira

Uma polêmica iniciada em 1989 voltou a ser bastante discutida nos municípios que compõem o Vale do Ribeira, na divisa entre Paraná e São Paulo: a instalação da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto, no Rio Ribeira. Empreendimento da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do grupo Votorantim, que tem por prática gerar a maior parte da energia que consome, a usina promete trazer mais um incremento econômico para a região, que tenta se desenvolver após a pavimentação de sua estrada de acesso, mas vem recebendo muitas críticas de ambientalistas e enfrentando a resistência de lideranças das comunidades locais.

Aguardando autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que está analisando os estudos de impactos ambientais apresentados pela empresa, a construção da barragem, que terá 530 metros de comprimento, 300 de largura e 142 de altura, com potencial para geração de até 150 megawatts, alagaria 51,8 quilômetros quadrados de terras de cinco municípios: Cerro Azul, Adrianópolis e Doutor Ulysses, no Paraná; Ribeira e Itapirapuã Paulista, em São Paulo.

"Isso é a privatização da água. Estão tentando tirar o uso público da água em benefício de uma única empresa, que pretende ampliar seus negócios. O Paraná não precisa produzir mais energia", contesta a coordenadora do Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental (Cedea), Laura Jesus de Moura e Costa. "Vai prejudicar os agricultores e os pescadores da região, além de, a longo prazo, causar o desequilíbrio ecológico do Vale do Ribeira", aponta, explicando que uma barragem reduz em 25% a população de peixes de um rio, destrói trechos de mata nativa e ainda pode causar danos ao solo.

"É uma contradição. O governo federal desenvolve campanhas e nos orienta a não pescar determinados tipos de peixe em certas épocas do ano para preservar as espécies e, agora, pode autorizar a construção de uma usina, que, fatalmente, acabaria com alguma dessas espécies", comenta o presidente da Colônia de Pescadores de Iguape e Cananéia, Rafael Ribeiro. "Vão tirar o povo de suas casas, eles vão acabar indo para as cidades, onde não sabem trabalhar", alerta.

Outra preocupação que existe é com o grande número de comunidades tradicionais quilombolas presentes na região. A advogada Maria Sueli Berlanga, que trabalha junto a essas comunidades, acredita que a barragem causaria grandes alterações na vida desses povos. O temor maior é que, a partir da autorização para a construção de Tijuco Alto, volte-se a pensar em outras três potenciais usinas que o rio ainda oferece, dois deles com eixos junto a terras quilombolas. "Só esperamos que a análise do Ibama seja técnica e não política."

Os mais afetados pela barragem seriam os agricultores familiares que utilizam terras próximas ao Rio Ribeira. Segundo a CBA, para a construção da usina, seriam alagados 442 imóveis, onde residem e trabalham 558 famílias, que teriam de ser reassentadas em outras terras. "Nós não queremos deixar o lugar de onde tiramos o nosso sustento e temos os nossos laços históricos, até porque a CBA não tem uma proposta clara de relocação de todas essas pessoas", diz Adriano Briatori, da Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Cerro Azul. "Mais de 75% da população de Cerro Azul sobrevive na área rural e pratica a agricultura de subsistência, e, em sua maioria, não sabe fazer outra coisa a não ser trabalhar a terra, pois são descendentes de colonos que se instalaram na região há mais de duas gerações."

Ibama negou licença em 2003, mas deu nova chance

Desde 1989, a CBA tem intenção de construir a Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto. Após apresentar um estudo de impacto ambiental ao Instituto Ambiental do Paraná e à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, recebeu as licenças prévias de ambos os órgãos em 1994. No entanto, no mesmo ano, o Ministério Público Federal impetrou uma ação contrária à instalação da usina visto que, por atingir dois estados diferentes, o órgão responsável pelo licenciamento seria o Ibama. Em 1997, a CBA iniciou licenciamento junto ao Ibama, processo que durou até 2003, quando o órgão negou o pedido de licença, mas indicou que o empreendedor poderia iniciar um novo licenciamento.

A CBA interessou-se no novo licenciamento e contratou a CNEC para elaborar um novo projeto de engenharia para a usina. Em agosto de 2004, o Ibama definiu um termo de referência para o novo estudo de impacto, estabelecendo quais aspectos teriam de ser estudados. Em outubro de 2005, as empresas apresentaram o novo estudo ao Ibama, que tem um prazo de 12 meses para analisar e inspecionar as ações das empresas para decidir pela concessão, ou não, de uma licença prévia.

Após a licença prévia, as empresas têm de cumprir com as medidas as quais se comprometeram no relatório apresentado ao Ibama (compensação aos municípios, reassentamento das famílias e redução dos danos ambientais, entre outros), para receber a licença de instalação. Após concluída a obra, mais uma inspeção é feita e, se nenhum problema for constatado, concede-se a licença de operação. (RP)

Relatório da CBA prevê compensações e investimentos

"Se alguém chegasse na minha casa dizendo que eu teria de sair porque iriam construir uma barragem e minha terra seria alagada, minha primeira reação também seria de resistência", reconhece Ronaldo Crusco, responsável pela CNEC Engenharia, empresa de consultoria contratada pela CBA para elaborar o novo projeto para a Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto. A confiança da população, segundo ele, está sendo conquistada aos poucos, com a apresentação de todas as medidas compensatórias que a empresa irá cumprir caso seja aprovado o projeto.

"Todo projeto sujeito a causar impacto ambiental precisa de um estudo desses impactos, bem como propostas de medidas para amenizá-los. Tudo isso já foi feito e está sendo analisado pelo Ibama e, em alguns dias, também será apresentado à população", explica Ronaldo.

O relatório de impacto ambiental apresentado ao Ibama prevê que estados e municípios afetados pela barragem receberão, como compensação, 6,5% do lucro anual da usina. Calcula-se, então, que os cinco municípios dividiriam uma verba de R$ 785 mil por ano, durante toda a vida útil da usina. Também estão previstos investimentos por parte da CBA em saúde, educação e infra-estrutura dos municípios afetados, desenvolvimento do potencial turístico da região, uso de mão-de-obra local (a construção da usina levaria 4,5 anos e empregaria 1750 pessoas), além da criação de uma nova unidade de conservação, um plano de uso e conservação do reservatório, resgate arqueológico e monitoramento da qualidade da água. O relatório diz que nenhuma comunidade quilombola será atingida por essa usina e que não há interesse da CBA nos outros três potenciais hidrelétricos.

Quanto ao reassentamento das famílias, Ronaldo revela que o projeto da CBA prevê dar terras, inclusive às pessoas que vivem nas terras a serem alagadas mas não são proprietários. Para isso, seriam usadas terras remanescentes da própria CBA e, se preciso, outras fazendas seriam compradas. "Nenhum imóvel será desocupado, serão comprado e a preço justo", informa. "Todos esses projetos estão no relatório. Se não forem cumpridos, o Ibama não concede a licença", destaca.

Para tentar mudar a opinião dos mais resistentes, a empresa programa levar os moradores da região para conhecer uma outra barragem, em Ourinhos (SP) e ver como vivem agora as pessoas que foram "desalojadas" pela construção.

Assessor da Prefeitura Municipal de Adrianópolis, Eduardo Dias Dornelas explica que a Prefeitura entende que os agricultores têm todo o direito de reivindicar seus direitos e resistir à barragem, até mesmo para forçar a empresa a fazer uma proposta ainda mais vantajosa de compensação, mas admite que um município de pequeno porte não pode abrir mão de um investimento desse nível e nem os benefícios econômicos futuros. "A posição do município é que, se de acordo com todas as exigências dos órgãos ambientais e com medidas adequadas de compensação à população afetada, a usina de Tijuco Alto é bem- vinda", avalia. (RP)

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