Um cara muito legal

Tribuna de luto pela morte de Marco José Lourenço

O nome dele era Marcos José Lourenço, todos o chamavam de Marquinhos. Os íntimos o chamavam de Mula. Nome que popularizou na redação. Embora nome feminino, pronunciava no masculino: o sujeito era “um Mula”. Respeitosamente dizia Sr. Mula. Ele chamava assim amigos próximos. Talvez porque fossem teimosos. Talvez, não soubesse o motivo. Era um nome que servia para ofender e elogiar. Tinha uso abrangente. Ninguém se ofendia ou se importava. Marquinhos era especial, o tipo que faz uma redação ser o ambiente de trabalho distinto de qualquer outro. E foi assim por mais de 30 anos na Tribuna, até se aposentar. Há anos estava longe da rotina diária do jornal. Mas sua morte ontem de manhã aos 60 anos nos deixou consternados.

Marquinhos foi durante anos o cara da programação visual da primeira página da Tribuna, da qual gostava como se gosta de mulher, apaixonadamente. Se era ligado à arte visual, também gostava de bom texto. Não raro pegava o de alguém e dizia que não estava bom. Era leitor de Dalton Trevisan, Machado de Assis e outros bambas, o que fez dele observador rigoroso, inimigo de adjetivos. Não raro pedia concisão a repórter novato ou experiente, mesmo ao editor: “Tem que secar isso”. Ele tinha um lema na Tribuna: “Estamos aqui para fazer o melhor”.

Embora fosse um dos profissionais que davam a cara da Tribuna no dia seguinte, ele disse que seu sonho era noticiar: “Hoje não temos nenhuma morte pra anunciar”. Este era Marquinhos. O diretor de Redação da Tribuna, Rafael Tavares, que conviveu mais horas com ele, disse: “Não conheci pessoa tão desapegada de valores materiais”. Era. Até ao exagero. Se um amigo pedia dinheiro emprestado, Marquinhos entregava o cartão bancário, fornecia senha e pedia apenas para informar quanto foi retirado do caixa eletrônico. Não existe por aí muitos que façam isto.

Era também transgressor: perdia tempo quem o desafiasse. Marquinhos contrariava o bom senso. No dia 3 de maio publiquei na coluna “Pelas Ruas da Cidade”, última página da Tribuna, crônica intitulada: “Ele saiu pelado de moto no meio da noite fria”. Várias pessoas disseram que não foi real, que ninguém sai pelado numa noite gelada em cima de uma motocicleta para ganhar uma aposta. Este cara existiu. Foi Marquinhos. Que ganhou a aposta e quase pegou pneumonia. Contando assim, alguém pode pensar que foi um maluco ou um cara que nunca teve problemas e por isto fazia estripulias. Não. Ele teve dramas pessoais, duelou com a bebida, brigou com amigos dos quais depois voltou a ser amigo, mas nunca perdeu o senso de humor e a inteligência aguda que o fazia rir dos problemas e encontrar uma frase bem humorada para enfrentá-los.

Rafael Tavares disse: “Perdemos o poeta das paicas”. Se ouvisse, Marquinhos diria: “Seu Mula!”. O corpo de nosso amigo será cremado hoje. Se pudesse comentar sobre si mesmo, certamente diria: “Eu vim do pó e ao pó estou voltando seus Mulas!”. E nós diríamos: “Você foi cedo demais, Marquinhos!”.

Marquinhos, o indomável

“Marquinhos, tem um estilete aí”? A resposta vinha cortando, como o objeto requisitado: “Tenho, mas é meu”. Para um desavisado que não fosse acostumado ao estilo pouco fino do ponta-grossense, tratava de sair de fininho e nunca mais pedir nada. Mas nós da Tribuna já éramos acostumados. Geralmente a pessoa retrucava: “Empreste logo aí, sua mula”. E não ficava sem resposta: “Sou mula, mas sou feliz”.

Marcos José Lourenço, o Marquinhos, como era conhecido, diagramador nos tempos do lápis, era assim: sem meias palavras. Tinha este jeitão ranzinza, mas sabia curtir boas brincadeiras. Era chegado a dar trotes em repórteres novatos. O cara estava lá, dando duro nas reportagens, tentando causar boa impressão no emprego novo e o Marquinhos chegava pé ante pé e mandava uma caixada no bra&cc,edil;o do cidadão. Quase matava de susto. “Este está batizado”, dizia satisfeito.

Com as moças ele pegava leve, mas bastava que alguma delas fossem diagramar com ele e imponha condições. “Eu fecho a sua página, mas você tem que ajudar”. Pegava a sua régua de paicas, sempre com a expressão muito séria, e começava a medir o diagrama. Feito isso dava as medidas e aí pedia para a moçoila fazer as contas de quantas linhas de matéria seriam necessárias para preencher os espaços. As moças surtavam.

Com o veterano Nelson Comel, seu fiel companheiro de pescarias, ao invés de servir o costumeiro trago de cachaça colocava chá no copinho e já recebia uma chuva de impropérios. Não era raro ele parar alguém na redação e pedir: “Me dê um bom motivo”. Quando a pessoa ficava sem entender, ele arrematava: “É que quem bebe sem motivo é bêbado, preciso de um bom motivo”, insistia.

Profissional de primeira linha, era zeloso com a apresentação gráfica. Constantemente mandava cortar matérias em benefício da diagramação e comprava brigas homéricas com os editores, incluindo este que vos escreve. Também peitava os revisores e desautorizava muitas correções. Só se convencia quando lhe mostravam o dicionário. No esporte, invocava com o “jogo de seis pontos”. Esbravejava a pleno pulmões: “Isso não existe, vai sair errado no jornal”. Esta parada ele perdia, mas todas as vezes que o termo ressurgia lá ia ele brigar novamente. Era a sua natureza indomável, para o bem ou para o mal.

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