TJ afasta juiz ligado a fraudes contra estatais

Os 25 desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná decidiram ontem, por unanimidade, instaurar processo administrativo contra o juiz Sidney Francisco Martins, da 2.ª Vara Cível de Cascavel. Também decretaram o afastamento cautelar do magistrado das suas funções jurisdicionais. Ele está sendo investigado por suposta participação em um golpe contra a Eletrobrás e a Petrobras a fim de obter tutela antecipada de títulos precatórios vencidos num esquema que renderia mais de R$ 2 bilhões. Os golpes foram descobertos na Operação Big Brother da Polícia Federal.

Martins deferiu um pedido de carta precatória que foi encontrada na cópia de um fax com João Bosco Coutinho, um dos acusados presos pela PF. O documento autorizava a apreensão imediata de R$ 100.447.045,10 em qualquer agência do Banco do Brasil e transferência bancária imediata a contas indicadas pelo autor da ação, Washington Marques de Souza. Ela foi proposta em 2 de fevereiro, com base em títulos vencidos da Eletrobrás de 1965 a 1967. Martins proferiu liminar favorável já no dia seguinte. A ação foi feita nos mesmos moldes daquelas que levaram quatro advogados à prisão

Em 2002, o mesmo juiz havia concedido tutela antecipada para o pagamento de R$ 600 milhões ao empresário cascavelense Vítor Hugo de Souza Michelon e mais outras quatro pessoas, que teriam entrado com ação judicial contra a Eletrobrás. O saque não aconteceu por intervenção do Banco do Brasil e da própria estatal, que obteve suspensão do pagamento no Tribunal de Justiça. Não é a primeira vez que o juiz Sidney Francisco Martins está afastado do cargo. Ele teve que se manter longe de suas funções por mais de um ano por supostas irregularidades em sentenças envolvendo créditos do Banestado e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Outros juízes no Estado são suspeitos de participarem do golpe, mas as circunstâncias que os ligam aos acusados ainda estão sendo investigadas pela PF. O processo administrativo contra Martins corre sob segredo de Justiça.

Habeas corpus

René Dotti, defensor do advogado Michel Saliba Oliveira – presidente da subseção de Curitiba da OAB -, informou ontem que está estudando entrar com recurso do pedido negado de habeas corpus já na próxima semana. Na quinta-feira, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região, em Porto Alegre, manteve a prisão preventiva de Saliba e de outros quatro envolvidos presos pela PF. Seus advogados impetraram três habeas corpus no TRF solicitando a libertação dos acusados na última segunda-feira. Eles estão presos desde o último dia 15. ?É compreensível a negativa do pedido, já que se trata de um lance inicial do processo. Isso não desestimula de maneira nenhuma a defesa?, disse Dotti. ?Acredito que o pedido acabará sendo atendido.?

Já Cláudio Dalledone Júnior, advogado de Sílvio Carlos Cavagnari, João Bosco de Souza Coutinho e José Lagana, disse que estuda uma medida diretamente em Brasília, mas não especificou qual. Rodrigo Rios, que faz a defesa do técnico em informática João Marciano Oddpis, não foi encontrado para comentar a decisão.

Outro acusado preso na operação, o usineiro Paulo Sampaio, foi libertado na quinta-feira. Sampaio estava preso na carceragem da PF desde o dia 15, mas é o único dos acusados que estava detido por conta de uma prisão temporária e não preventiva.

Uma semana

Ontem fez uma semana que os advogados presos na Operação Big Brother foram transferidos da carceragem da Superintendência da PF para o Centro de Observação Criminológica e Triagem (COT). A transferência foi ordenada porque os acusados têm direito a prisão especial, pois têm curso superior. Mas para a defesa dos acusados, o COT nunca agradou. Dotti informou que irá pedir a transferência de seu cliente do centro para uma prisão de Estado Maior. ?O lugar onde meu cliente está preso não possui as condições mínimas de sobrevivência.?

Cronologia do Caso

– Em 2002, em Goiânia, são sacados R$ 90 milhões referentes a um título vencido da Eletrobrás. O Banco do Brasil descobre a fraude e reavê o dinheiro. A Polícia Federal começa a investigar o caso e descobre ações semelhantes em vários estados.

– Em novembro de 2003, a Gerência de Segurança e Inteligência do BB procura a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba para notificar que o gerente geral de uma das suas agências na cidade havia recebido proposta milionária para que cumprisse ordem judicial sem comunicar o departamento jurídico do banco. A PF passa a acompanhar as ações do grupo até identificar os integrantes da organização.

– Depois de mais de dois anos de investigações, em 15 de fevereiro de 2005, tem início a Operação Big Brother. 93 agentes da PF cumprem 14 mandados de busca e apreensão e 6 mandados de prisão. São presos o advogado pernambucano João Bosco Coutinho, apontado como líder da quadrilha, os advogados curitibanos Michel Saliba Oliveira – presidente da subseção de Curitiba da OAB -, Sílvio Carlos Cavagnari e José Lagana. Também são detidos o técnico em informática João Marciano Oddpis e o usineiro Paulo Sampaio.

– No dia 16 a PF começa a ouvir os presos. Começam a surgir suspeitas de que juízes podem estar envolvidos e aos poucos vão surgindo os ?laranjas? utilizados pela quadrilha.

– A defesa pede, no dia 17, que os advogados sejam transferidos para prisão especial. A Associação dos Magistrados do Paraná e o Tribunal de Justiça saem em defesa da classe, dizendo não haver prova de participação de juízes no caso.

– Decretada no dia 18 nova prisão preventiva para os quatro advogados e o técnico em informática. O TJ começa a investigar a participação do juiz de Cascavel Sidney Francisco Martins no golpe. Um fax liga o magistrado a Coutinho. Os advogados presos são transferidos para o Centro de Observação Criminológica e Triagem (COT).

– No dia 22 surgem indícios da utilização de advogados ?laranjas? no esquema. Dessa forma, os verdadeiros responsáveis pelo golpe permaneceriam anônimos.

– O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região recebe no dia 23 o pedido de habeas corpus de João Bosco de Souza Coutinho, José Lagana, Silvio Carlos Cavagnoli, Michel Saliba Oliveira e João Marciano Odppis.

– Anteontem, o desembargador federal Néfi Cordeiro mantém a prisão preventiva dos acusados. Paulo Sampaio é solto.

– Ontem, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná decide, por unanimidade, instaurar processo administrativo contra o juiz, de Cascavel. Ele é afastado do cargo.

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