Sonho de ser adotado esbarra no preconceito

Adotar uma criança é um ato de amor. Todavia muitas vezes esta ação é cercada de preconceitos e dúvidas. O Estado conversou com pessoas envolvidas no processo de adoção e descobriu que a demora ? geralmente imputada à burocracia imposta pelo Poder Judiciário ?, pode ser ocasionada pelos próprios pretensos pais.

Para que um casal possa adotar uma criança ele passa por uma avaliação da Vara da Infância e da Juventude. Depois disso, recebe uma sentença favorável e é colocado num cadastro de espera. Hoje existem 390 casais curitibanos e 166 estrangeiros aguardando a oportunidade de uma adoção na capital.

A juíza da 1.ª Vara da Infância e Juventude, que está respondendo temporariamente também pela 2.ª Vara, Lídia Munhoz Mattos Guedes, explicou que os candidatos a pais, na maioria das vezes têm muitas restrições sobre a criança a ser adotada. Por isso, o processo acaba se tornando lento. “Quando o casal não faz exigências é muito rápido. Porém, os casais querem crianças com “certificado de garantia?, coisa que não existe”, reclamou, destacando que a adoção acontece com maior facilidade para crianças de zero a dois anos. “Até os sete anos ainda há adoções. Mais velhos normalmente ficam nos abrigos até os dezoito. Apenas casais estrangeiros adotam crianças mais velhas”, contou.

Pátrio poder

A juíza explicou que para uma criança ser adotada é necessário que o pátrio poder seja destituído. Ação que é feita pela 1.ª Vara quando os pais biológicos não apresentam condições de cuidar dos filhos. Depois disto, eles passam para a guarda da Vara e ficam, temporariamente até a adoção, em abrigos. “Contudo não é simples a destituição do pátrio poder. Muitas vezes é feita a tentativa de reintegração familiar”, salientou, destacando que hoje existem somente em Curitiba 1.500 menores vivendo em abrigos.

Para pedagoga, afinidade aparece no primeiro olhar

Lawrence Manoel

Um dos abrigos que recebem crianças em Curitiba é o Lar O Bom Caminho. Fundado há 26 anos, ele tem capacidade para cuidar de quarenta crianças com idade até dois anos. O diretor-administrativo do lar, Júlio Raphael Gomel, destacou que o lar dá completa assistência às crianças, vivendo principalmente do apoio de um grupo de cerca de cem voluntários. Ele disse que todos os processos de adoção só acontecem mediante a autorização da Vara da Infância. “Na prática nós desempenhamos um serviço de apoio ao Poder Judiciário”, comentou Gomel.

A pedagoga do lar, Viviane Calisário da Silva, explicou como é feita a apresentação da criança aos pais. Primeiramente, os pais recebem o contato telefônico da Vara da Infância avisando que há uma criança para ser adotada. Em seguida, já no lar, têm o primeiro contato com a criança. A partir daí eles ficam proibidos de ver as outras crianças para evitar comparações. “No primeiro momento já se pode ver se há afinidade. Normalmente os pais e a própria criança já demostram isso no olhar, no sorriso. Acredito que é Deus quem faz isto”, disse Viviane.

A pedagoga explicou que a criança não vai embora com os pais no primeiro dia. Ela precisa passar por um período de adaptação, que varia, podendo ser de até uma semana. “Uma psicóloga conversa com o casal e dá orientação para que não aconteça a mudança brusca no ritmo de vida da criança. Aos poucos ela se adapta e então vai em definitivo para a casa dos novos pais”, explicou.

Segundo Viviane, os casais que procuram crianças para adotar demonstram ter uma certa experiência de vida, com casamentos com mais de quatro anos. “Normalmente são pessoas que sabem o que querem”, disse. (LM)

Serviço

– O Lar O Bom Caminho está sendo beneficiado com uma promoção da Escola de Natação Israel, localizada no Portão. Todo o dinheiro das matrículas feitas na escola está sendo revertido para o lar. O telefone da escola é (41) 274-7075.

Casal não fez restrições e é feliz com nova família

Lawrence Manoel

O casal Flávio Bienk Piggatto, de 39 anos, e Carmem Maria Sales Bonfim, 39, teve duas experiências muito bem sucedidas com adoções. Eles são pais de um casal de filhos e contaram que suas vidas melhoraram muito depois que as crianças passaram a fazer parte de suas vidas.

Impossibilitados de gerar um filho biológico eles pensaram na hipótese da adoção. Apesar de ser médica, Carmem disse que nunca aventou a possibilidade de algum tratamento científico para ter o filho. “Queríamos ser mãe e pai, gestar não era tão importante”, disse Carmem, lembrando que o casal estava junto há oito anos quando decidiu pela adoção.

No primeiro filho o casal viveu uma história no mínimo inusitada. Eles estavam inscritos para adotar uma criança em Curitiba, porém tornaram-se pais de um menino de Riachão do Jacuípe (BA). “Um casal de amigos que também já adotou crianças vive na Bahia. O juiz de Riachão ofereceu a criança a eles, então eles nos indicaram. Largamos tudo aqui em Curitiba e fomos a Salvador de avião, chegando lá pegamos mais 250 km de estrada até chegar na cidade. Quando vimos o Marcelo (nome da criança) foi como se realmente estivéssemos sentindo a emoção de seu nascimento”, contou Flávio.

Um ano e dez meses depois o casal resolveu adotar outro filho, desta vez uma menina. Júlia estava no Lar O Bom Caminho. “A emoção também foi especial. Temos tudo registrado em fotos”, contou Carmem. Ela destacou que nunca foram feitas restrições para se escolher uma criança. “Não há nada no mundo que faça você olhar uma criança e não a querer. A adoção é um ato de amor que supera qualquer preconceito”, salientou, destacando que o amor que eles sentem pelas crianças é igual ao amor de qualquer pai.

Flávio contou que aos poucos eles já conversam com seus filhos sobre o fato de serem adotados. “É um direito deles saber, para se quiserem, quando mais velhos procurar seus pais biológicos para conhecer”, disse.

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