Sai da frente!

Redução da maioridade ‘cria’ motoristas ainda mais jovens

Com espaço crescente nos debates públicos, desde as redes sociais até o Congresso Nacional, a redução da maioridade penal sempre ganha força a cada crime cometido por adolescentes. O que poucos sabem é que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93, que tramita há mais de 20 anos em Brasília e aguarda votação da Comissão Especial da Câmara para seguir para o plenário, consequentemente altera também a idade mínima para o cidadão ter acesso à sua primeira Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

“No Código Brasileiro de Trânsito (CTB) não existe menção à idade para que o cidadão se torne motorista. O artigo 140 apenas cobra que a pessoa saiba ler e escrever possua carteira de identidade e seja penalmente imputável”, explica o consultor de trânsito Hugo Gabriel Xavier. Para ele, caso a proposta da redução da maioridade passasse a valer, a lei de trânsito mudaria drasticamente.
Só no Paraná, no ano passado, foram 184.930 novos condutores aptos a dirigir. “A cada ano milhares de motoristas passam a integrar o trânsito no Estado. Hoje, temos a expectativa de vida aumentando também. Se consideramos todo país, essa janela de dois anos traria milhões de novos condutores para um trânsito que já possuí problemas”, argumenta.

Esquecido

O reflexo no trânsito porém não vem sendo discutido pelos parlamentares, que concentram os debates em crimes, principalmente os considerados hediondos.

Fatalidades no trânsito são mais comuns entre jovens. Foto: Arquivo.

Impacto nos acidentes

Durante o ano passado, foram registradas 2.627 vítimas fatais de acidentes de trânsito no Estado, enquanto o índice de homicídios foi de 2.515 mortos. Para o consultor de trânsito Hugo Gabriel Xavier, com eventual redução, o Estado apenas estaria diminuindo sua responsabilidade e criando novos problemas sociais, como impacto direto no número de acidentes. “As fatalidades no trânsito são mais comuns entre condutores mais jovens, justamente pela falta de uma cultura no trânsito. Temos o exemplo dos Estados Unidos, onde a carteira pode ser obtida aos 16. Porém, o trânsito lá já é matéria escolar”, compara.

Ostentação

Apesar de existir a possibilidade do CTB ser alterado novamente, a mudança seria contraditória. “O argumento mais usado para que menores de 18 anos não dirijam é a interpretação da lei, que diz que o jovem ainda está em processo de formação. É uma questão de deveres e responsabilidades. Se aumenta um, aumenta o outro. Prefiro não entrar nesse debate, mas com certeza nesta idade em que os hormônios estão aflorando, muitas imprudências são cometidas apenas para impressionar amigos ou namoradas”, diz.

Impunidade é mito

Dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) revelam que 70% dos presidiários voltam a cometer crimes. Para os infratores assistidos pelos programas de socioeducação. Para os menores, o índice de reincidência cai para 20%. “Nos atos infracionais mais graves, a internação busca fortalecer os laços familiares assim como ensinar algum ofício através de cursos para tentar tirar o jovem desta trajetória do crime. Em alguns casos, também temos acompanhamento médico para dependentes, e para quem apresenta quadro de transtorno mental”, explica o coordenador dos Centros de Socioeducação (Cense), Pedro Ribeiro Giamberardino.

Cerca de mil adolescentes cumprem penas socioeducativas no Estado. “Apenas em infrações leves, como pequenos furtos, ele cumpre medidas disciplinares, como serviços comunitários e outras medidas alt,ernativas”, conta.

Reduzir não resolve o problema

Apesar de existirem 21 projetos que propõe a redução da maioridade penal, especialistas da área criminal revelam que não há correlação entre a idade e o delito. “São diversos fatores que implicam prática de um crime e a questão da maioridade parece tentativa de reduzir um problema muito mais amplo, da segurança pública”, afirma o advogado criminal e professor da UniCuritiba, José Carlos Portella Junior.

Levantamento feito pela Unicef indica que cerca de 1% dos homicídios registrados no Brasil são praticados por adolescentes, de 16 e 17 anos. “A lógica que move atualmente o debate da maioridade é a lógica da vingança, queremos punir, sem necessariamente saber se isto terá resultado social”.

Impacto

Além da superlotação dos presídios e da situação irregular que vivem as delegacias, mantendo presidiários em celas provisórias, o envolvimento do estado no crime é apontado como um dos principais entraves a ser combatido no país. “Enquanto estamos discutindo um homicídio praticado por adolescente, estamos mascarando uma questão maior que é o crime organizado”, aponta o cientista político Emerson Cervi. De acordo com o cientista, em 54 países a redução da maioridade não causou impacto no índice de violência.

É o seguinte

A redução da maioridade é tão complexa que até os legisladores querem fugir dela. Não se trata de ser a favor ou contra, mas todos tememos criar uma nova lei sob o signo da vingança. É este o maior perigo. Além desta discussão, a Tribuna lembra que isso pode criar um enorme problema no trânsito. Veja por quê.

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