Lei do Saneamento impõe desafios no Paraná

Vigora desde o último dia 22 a nova Lei de Saneamento, projeto discutido há mais de vinte anos no Brasil e agora finalmente transformado na lei de número 11.445/07. Além da universalização do acesso – para a qual o País e o Estado ainda terão de trabalhar muito – a nova lei é mais abrangente, prevendo que toda a gama englobada no termo saneamento, ou seja, abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos sejam feitos de forma adequada à saúde pública e à proteção do meio ambiente. No Paraná, a edição é vista como positiva pelos entes públicos, mas priorizar o serviço e viabilizar o planejamento são desafios a serem vencidos.

Assim que a nova lei entrou em vigor, um mês e meio depois de ser sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi a vez de o Ministério das Cidades convocar na semana passada as entidades representativas dos municípios e órgãos prestadores de serviços. Em pauta, estava a discussão de prazos para que os munícipes tracem planos de ação com relação ao saneamento e a informação de que recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) serão acessíveis à efetivação dos mesmos (R$ 40 bilhões pelos próximos quatro anos). ?Ficou claro que temos de acelerar o processo para não perdê-los?, conta o presidente da Associação Brasileira dos Municípios (ABM), José do Carmo Garcia, prefeito de Cambé, norte do Paraná. ?Daí veio a necessidade de se baixar um decreto para regulamentarmos os prazos?, lembra, documento este que o Ministério das Cidades informa estar elaborando.

Os subsídios para a formação dos planos de ação dos municípios ainda estão em fase de estudo, mas o objetivo da ABM é fazer uma cartilha orientando os gestores públicos municipais sobre como podem proceder. ?A nova lei vai permitir aos municípios, seja àqueles que têm sistema próprio ou sob contrato de concessão, após ouvir da comunidade, decidir pela outorgação da concessão dos serviços para empresa estadual, municipalização do serviço ou até licitação da obra buscando a privatização do sistema?, explica o presidente. Mas, seja como for, todos terão de ter seus planos, adaptando-se à regulação.

No Paraná, especificamente, definido o decreto e garantidos os recursos, o próximo passo será detalhar a Lei de Saneamento em cada região. ?Vamos trocar em miúdos a legislação com os municípios em seminários regionais, o que facilitará a compreensão de todo o projeto.? Elucidando a questão, o presidente da Associação Paranaense dos Municípios (APM) e prefeito de São Jorge do Patrocínio, Cláudio Palozzi, espera reverter a situação vivida por boa parte da população paranaense. ?Prefeitos dizem que precisam fazer saneamento, mas o sistema é caro e nem sempre o Estado tem dinheiro para bancar isso. O governo federal, por outro lado, deve fazer sua parte, mas nem sempre os recursos chegam. A verdade é que os municípios paranaenses estão em situação precária?, define. ?Se for cumprir o que determina a lei, 90% dos serviços estão irregulares, seja por falta de recursos ou de prioridades. A administração pública imagina que, se pôr dinheiro em saneamento, vai faltar para os remédios, sem raciocinar que aquele investimento pode reduzir os gastos com o outro?, complementa.

Itens devem ser pensados de forma única pelos municípios

O ponto da nova lei considerado prioritário para a Secretaria de Meio Ambiente de Curitiba é a definição dos termos englobados pelo saneamento. ?É fundamental que os itens que o compõem (abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos) sejam pensados juntos porque promove relacionamento com a questão de saúde pública e exige, principalmente do município, que detém o poder de saneamento e disciplina a concessão dos serviços, tratar seu plano no âmbito das diversas secretarias e órgãos que cuidam desses fatores?, opina o superintendente de controle ambiental da secretaria, Mário Sérgio Rasera.

As cidades com mais recursos, evidentemente, estão em condições melhores no que se refere à aplicação das diretrizes que contemplem essa visão conjunta. ?No caso de Curitiba, para a questão de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, há muito tempo há um plano de coleta, com estrutura contratada e tratamento do resíduo compatível com a recente política de recursos hídricos adotada pelo Brasil?, exemplifica. Isto implica dizer que o lixo recolhido na capital não se torna simplesmente um ?lixão?, mas é destinado a um aterro sanitário, onde é tratado em equilíbrio com o meio ambiente.

No que concerne ao abastecimento de água, também há um plano básico traçado pelo município, mas isso não implica dizer que a nova lei deixe de promover novas reflexões a respeito. ?Todos os municípios vão fatalmente revisar os procedimentos e planejamentos. Ainda não dá para antecipar o que será revisto, porque a nova legislação ainda é estudada, mas há certeza da atenção ao plano nacional para que as diretrizes sejam aplicadas localmente.?

No que se refere às concessões do abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto não deve haver mais do que ajustes, estima Rasera. ?A questão será aprimorar as prioridades do plano municipal?, afirma. Em Curitiba, a principal delas é a despoluição hídrica (coleta e tratamento de esgoto). ?Já estamos em contato com a Sanepar para redefinir os investimentos. Pode haver uma região, por exemplo, em que temos planos de investir, mas uma outra pode ter apresentado crescimento muito maior. Esses fatores têm de ser analisados periodicamente?, afirma o coordenador, uma vez que cabe ao concessionário investir e à Prefeitura, avaliar e aprovar as instalações dentro do plano econômico-financeiro.

Presidente da Sanepar não acredita em grandes mudanças

O presidente da Sanepar, Stênio Jacob, não acredita em alterações significativas no sistema de concessão adotado por 344 dos 399 municípios paranaenses para o abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto a partir da nova lei. ?A lei traz apenas a grande contribuição da mudança de cultura porque os prefeitos, baseados nela, estão exigindo mais da Sanepar. Cabe a eles o diálogo aberto para atingirmos as metas?, afirma. Nos municípios concessionados, o atendimento com água tratada atinge 99,8% da população urbana e o de coleta de esgoto, 49%, com tratamento de 100%. A estimativa é elevar o índice de coleta até 2010 em 65% nas cidades com até 50 mil habitantes e em 80% nas de população superior.

Jacob explica que, depois de vinte anos participando das discussões, não houve surpresa para a companhia. ?Apenas existe agora a possibilidade legal de o tratamento de esgoto ser implementado por etapas?, diz, referindo-se ao licenciamento ambiental progressivo, já adotado pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e que, pela lei, ficará devidamente regulamentado em território nacional. A progressividade diz respeito à construção de redes de tratamento de esgoto por bacia hidrográfica, sem a obrigatoriedade de sanear a cidade inteira de uma vez – o que facilita a disponibilidade de recursos.

A Sanepar vê ainda na Lei de Saneamento um marco regulatório importante para o setor, que, para Jacob, ?estava órfão de uma legislação federal mais moderna e adaptada à situação jurídica do País pós Constituição de 1988, Código de Defesa do Consumidor e Lei de Concessões?. A adaptação no Paraná deve ocorrer pela edição de legislação estadual correlata, seguindo as diretrizes fixadas pela União e a Constituição Nacional. Para esta regulamentação a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) já estuda alternativas, mas por enquanto não se fala em prazos.

A edição não assusta a estatal no que se refere à opção dos municípios por seus serviços. ?A absoluta maioria sempre preferiu trabalhar com a Sanepar porque há ganhos de escala e condições de promover os benefícios sociais que não teriam condições de desenvolver em função dos custos. A lei permite ao prefeito que ele busque outras opções. No entanto, a Sanepar tem melhores condições de negociação, principalmente para os municípios de menor porte, de IDH mais baixo?, acredita o presidente. A tarifa única, estadual, também deve ser mantida.

Usuários têm direito a relatórios sobre os serviços

A Lei de Saneamento prevê, além da elaboração de planos de ação, que os usuários tenham amplo acesso a informações sobre os serviços de saneamento básico prestados e a relatórios periódicos sobre a qualidade da prestação dos mesmos. O professor Carlos Mello Garcia, diretor do curso de Engenharia Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), considera este o ponto-chave da lei.

?Para quem você liga se quer rede de esgoto no seu bairro? Se a Sanepar não tem planos para a área, qual tua influência em ligar para o vereador? O que precisa agora é a ampla participação popular para elaboração destes planos e que, além do compromisso político partidário, haja compromisso com a política pública?, alfineta. ?Isto hoje existe apenas na teoria. Sei cobrar um plano diretor, mas um plano estratégico voltado para área de saneamento não tem?, complementa o professor, que aconselha a sociedade a ficar de olho nos prazos a serem estabelecidos: ?Um ano seria tempo suficiente?, calcula.

Além disto, para o professor, é necessário intervenção popular também para agilizar a criação do sistema de informação prometido pela nova lei – e não apenas no sentido de discutir problemas referentes a contas de água, esgoto e lixo, mas de funcionamento da rede como um todo. ?O usuário deve intervir exigindo palestras, indicadores e diálogo com os prestadores. Nos países em desenvolvimento isso funciona, mas precisa de mais democracia participativa e menos politicagem. Saneamento é questão de salubridade e sobrevivência. Não vamos conseguir melhorar a saúde pública enquanto esta lei não for consolidada e ela depende da cobrança popular para isto.?

Voltar ao topo