Histórias de superação

Grupo de adultos deixa todos os problemas de lado para se alfabetizar

O primeiro a entrar na sala de aula da Escola Municipal Helena Kolody, no Campo de Santana, é o aposentado Pedro Francisco Claudelino, de 60 anos. Ele se acomoda na última carteira, tira a apostila da pasta e aguarda ansiosamente por mais uma aula da primeira fase do Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Aos poucos os colegas vão chegando. Cada um carrega uma história de vida diferente, mas todos são exemplos de superação e mostram que a força de vontade os excluiu das estatísticas do analfabetismo.

Em Curitiba, ainda tem cerca de 30 mil pessoas que não sabem ler ou escrever, o que representa 2,1% da população. Os esforços do governo em acabar com esse mal levaram à conquista, em 2007, do título de “cidade livre do analfabetismo”, chancela do Ministério da Educação (MEC) a cidades que atingiram taxas inferiores a 4% no número de não alfabetizados entre os maiores de 15 anos.

Pedro cresceu na roça, em São Jerônimo da Serra. Como o pai ficou doente depois de ser picado por cobras, ele e os irmãos foram obrigados a ajudar no sustento da casa, à beira do Rio Tibagi. “A escola mais perto ficava a 8 quilômetros de onde eu morava. Às vezes ia para a aula, mas a professora não ia para a cidade”, lembra.

Emprego melhor

Ele saiu da roça e foi com os sogros para São Paulo. Até 17 anos, não estudou. “Quando me convidaram para estudar, aceitei. Então aprendi a ler e escrever”, conta Pedro, que começou a se alfabetizar pelo polêmico Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), projeto do governo federal criado no regime militar.

De São Paulo, foi para Telêmaco Borba, até se mudar para Curitiba. Nas cidades por onde passou, fez de tudo: foi montador de joias, funcionário de fábrica de roupas e trabalhou na Petrobras. Seu último emprego foi de ajudante de eletricista, até ser afastado pelo INSS. “Meu filho ficou doente, morreu de câncer e fui afastado para cuidar dele”. No ano passado, Pedro decidiu voltar às aulas ao lado da mulher, Elenice. “O estudo me ajudou muito. Se eu tivesse concluído antes, certamente conseguiria empregos melhores”, afirma.

Recomeço do zero. Mulheres entre a maioria

Felipe Rosa
Silvana busca emprego melhor e pretende fazer faculdade.

Mulheres representam quase 65% dos analfabetos em Curitiba, por razões diversas. “Há casos em que o pai não deixou estudar e ela ficou cuidando da casa. Em outros, a mulher não pode estudar à noite porque o marido não deixa”, elenca a diretora do Departamento de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação, Waldirene Bellardo.

“Eu ia escondida para a escola. Meu pai dizia que mulher não precisava estudar. Era o pensamento de pessoa antiga”, relata Ivone Vaz Ferreira que recomeçou do zero porque não tinha histórico escolar. Em 2002, voltou para a sala de aula após os filhos saírem de casa. Quem não pode frequentar as aulas à noite agora pode estudar nas turmas recém-abertas pela manhã e à tarde.

Desemprego

A estudante Silvana da Silva Rocha também cresceu “no mato” e, por isso, tinha dificuldade para chegar à escola a seis quilômetros da localidade onde morava no Mato Grosso. Ela abandonou os estudos, que foram retomados recentemente. Como está desempregada, se debruçou nas apostilas, e já está na segunda fase do EJA. Silvana, que trabalhava num supermercado, quer procurar emprego melhor e, quem sabe, até fazer faculdade. “Tenho que estudar mais. Não posso parar”.

Projeto muda a realidade

Felipe Rosa
,Nova turma em formação.

Iniciativas como a da Alfabetização Solidária (AlfaSol), organização não-governamental (ONG) com sede em São Paulo e a primeira brasileira a estabelecer relações formais com a Unesco, vêm transformando a realidade de comunidades espalhadas pelo País.

Um dos projetos da entidade foi desenvolvido em parceria com o instituto Cyrela no Guaraituba, em Piraquara, onde em 2012 foi montada turma de alfabetização num espaço comunitário dentro da cooperativa de reciclagem. Quinze alunos, de diferentes faixas etárias, tiveram aulas ministradas por professores voluntários da própria região durante 8 meses. A maioria tinha acima dos 50 anos e era mulher.

Avaliação

A turma foi encerrada no início do ano, mas nova turma está em processo de formação, adianta Bruno Novelli, gerente de projetos e avaliação da AlfaSol. Apesar da chancela do MEC, ele considera expressivo o percentual de analfabetos em Curitiba. “Basta imaginar que muita cidade brasileira tem 30 mil habitantes”, comenta.

Trabalho durante o dia

Felipe Rosa
Terezinha e Gilberto.

Boa parte dos colegas de Pedro precisa trabalhar durante o dia e às vezes não tem ânimo para assistir aulas durante a noite, de segunda a quinta-feira. Por isso, não há controle de frequência. Terminar o curso depende do aluno. Muitos estudantes já alfabetizados procuram o EJA para obter histórico escolar, caso da doméstica Terezinha Costa, que frequenta as aulas ao lado do marido Gilberto. Os dois se esforçam ao máximo para não faltar.

Naturais de Pernambuco, também tentaram a vida em São Paulo, onde ficaram por 22 anos. Há sete anos, o casal se mudou para Curitiba. A doméstica mal sabia ler e escrever. De matemática, não tinha a mínima noção. Agora, já consegue mandar mensagens de texto para os filhos pelo celular. “Ainda tenho dificuldade em escrever, demoro bastante, mas já aprendi muito mais do que sabia”, avalia.

Região Sul com mais instrução

A falta de instrução ainda atinge quase 13 milhões de brasileiros a partir de 15 anos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012. O Sul é a região mais alfabetizada. Além de Curitiba, 15 cidades no Paraná foram consideradas livres do analfabetismo, entre elas três na região metropolitana: São José dos Pinhais, Pinhais e Araucária.

Em 2000, Curitiba tinha 40.244 habitantes nesta faixa etária sem saber ler nem escrever. Uma década depois, o número caiu para 28.839. Os índices colocaram a capital num patamar bem abaixo da taxa nacional de 9,6%. A prefeitura fez o mapeamento para identificar as regiões com maior índice de analfabetos. A partir dos resultados, foram montadas 24 novas turmas em sete regionais.

No Cajuru, onde 2.500 pessoas não sabem ler e escrever (3,5% da população) a partir dos 15 anos, e no Pinheirinho, foram iniciadas cinco turmas. Na CIC, outro bairro com grande taxa de analfabetos, Boqueirão, Bairro Novo, Boa Vista também foi ampliada a oferta de classes.

Ampliação de matrículas

Outra iniciativa pretende aproximar ao máximo 100% índice de pessoas alfabetizadas em Curitiba. Pesquisa visa identificar o grau de escolaridade dos pais e responsáveis por 141 mil estudantes e crianças atendidos nas escolas e Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs). “O nível de alfabetização dos pais desses alunos tem impacto direto nos filhos”, explica Waldirene Bellardo.

Exemplo disso é a família da doméstica Terezinha. Ela e Gilberto têm dois filhos, de 18 e 19 anos, que abandonaram os estudos na 7.ª série. “Eu insisto muito para que voltem, mas não estão querendo”, lamenta.

Waldirene avalia que eliminar 100% o índice é difícil por causa da migração populacional. “Mas esperamos com essas iniciativas ampliar significativamente o número d,e matrículas. Apesar de termos atingido o selo de cidade livre do analfabetismo, nossa realidade ainda não é confortável”, diz.