Esperança para jovens delinqüentes

G.F.A.F. tem 19 anos. Não lembra exatamente quando, mas entrou jovem para a vida do crime. Criado em um bairro da periferia de Curitiba, explica que, de onde veio, não há opções além da escolha que fez. O ?ofício? lhe tirou cedo a escolarização e a liberdade. Numa das idas e vindas nas delegacias por que passou, acabou condenado. ?Isso foi há dois anos e cinco meses?, diz. Encabulado com a entrevista, quase o tempo todo olhando para baixo, conta que sabe até mesmo há quantas horas está preso.

Foi condenado por cometer um ?57?. ?Cinco sete?, ensina o jovem, pronunciando os números separadamente. ?Quer dizer assalto à mão armada?. Mandado para o Educandário São Francisco, em Piraquara, passou, em setembro do ano passado, pela pior situação em sua vida de interno, participando de uma rebelião onde sete adolescentes morreram. ?Não queria me envolver, mas acabei apontado como um dos líderes?, conta. A liderança no motim, mesmo que não admitida, rendeu a G.F.A.F. transferência para uma ala da Prisão Estadual de Piraquara (PEP).

Em fevereiro, junto com outros 16 adolescentes, acabou num espaço antes destinado à detenção de presos de alta periculosidade, num prédio à frente da PEP. Ironicamente, o local se tornou a esperança de recuperação desses jovens. A Unidade de Alto Risco, onde está G.F.A.F., faz parte do novo programa do Instituto de Ação Social do Paraná (Iasp) para ressocializar menores infratores. Os jovens que estão lá foram classificados como ?incapazes de estabelecer vínculos nas demais instituições correcionais?.

?Não são mais perigosos que os demais. Cometeram os mesmos delitos que os outros jovens nos educandários de que vieram?, explica a chefe da unidade, a assistente social Temis Okino. Mesmo não sendo mais perigosos, todos que estão nessas unidades são, ao menos, reincidentes. Na nova política do Iasp, os menores que cometeram o primeiro delito, de acordo com o grau do crime, nem chegam a se misturar com os demais. São encaminhados para uma unidade no município de Fazenda Rio Grande. Segundo o órgão, a mudança está diminuindo a reincidência desses adolescentes.

Sem ?mancada?

Os internos da nova unidade são apontados como líderes da rebelião em Piraquara e em Londrina, em dezembro. Mas ao contrário do que possa parecer, o local não se tornou um foco de risco. Na unidade os adolescentes ficam presos em celas individuais em vez de alojamentos, o que faz com que o lugar guarde mais semelhança com uma prisão de verdade. ?Mas é justamente o atendimento personalizado que está gerando resultados surpreendentemente rápidos?, aponta a psicóloga Maria Cristina Bornacin Cit, parte dos 25 funcionários da unidade.

A maior diferença, explica Okino, é que na unidade foi abolida a ?mancada?, um conjunto de normas impostas pelos internos nos educandários. ?Eles determinam diversas regras, como não poder andar sem camisa na frente das visitas e bater três vezes na mesa antes de se levantar. Se alguém as quebra, paga através de castigos e mercadorias, como cigarros?, explica. De acorda com a chefe, a ?mancada? suplanta até mesmo as regras das unidades. Mas na unidade, sem o código dos internos, os educadores conseguem estabelecer limites mais éticos e, sobretudo, trabalhar na recuperação dos jovens.

Local com clima amistoso e irreverente

Ao contrário do que acontece em Piraquara, no Educandário Fazenda Rio Grande encontram-se apenas adolescentes com bons antecedentes. Não fossem as grades para lembrar ao visitante e, principalmente aos internos, de que ali é um lugar de privação de liberdade, o local poderia passar por uma escola. A começar pelos bem-humorados guardas na porta da frente até os educadores, que no dia da visita da reportagem de O Estado participavam de uma animada partida de basquete com alguns dos jovens, tudo lembra uma instituição de ensino, e não de punição.

E é assim, como um espaço para recuperação e reeducação, que a diretora da unidade, Lilian Drews, prefere classificar o educandário. Com capacidade para 20 internos, todas elas tomadas, a unidade começou a funcionar em junho do ano passado e recebia apenas meninas. ?A unidade teve que ser reordenada devido à maior demanda masculina?, explica a diretora. Ela conta que o baixo número de jovens é uma exigência para a recuperação dos mesmos. ?Na nova política do Iasp, procura-se qualificar e não quantificar?. Contudo, ela revela que existe uma fila de adolescentes aguardando vagas para internação. Assim como em Piraquara, os adolescentes em Fazenda Rio Grande recebem escolarização básica e são incentivados a ler.

Famílias

Uma vez por mês o Iasp paga passagens e alimentação para que as famílias dos internos passem o dia na unidade. ?O menino que está aqui é um sintoma de que a situação do lugar de onde veio está frágil?, afirma Drews. A diretora explica que trabalha com a noção de que o adolescente não é o problema sozinho, é parte de um contexto maior.

T., 15 anos, há quatro meses na unidade, aproveitava o dia para divertir-se com uma pipa rodeado pela mãe, o irmão e a avó, todos vindos de Maringá. ?É fundamental o aconchego da família para a recuperação da criança?, diz a mãe, N.A.C.. (DD)

Estrutura ajuda recuperação

Juntamente com G.F.A.F., C., 16 anos, e R., 18 anos, são os primeiros frutos da nova experiência, recebendo tratamento diferenciado. No último domingo o trio pôde, pela primeira vez, ir a um restaurante em Santa Felicidade, assistir à uma peça de teatro e ir a um museu. Recebem as regalias por suas conquistas dentro do programa. ?Isso não gera ciúmes nos outros internos. Pelo contrário, é um incentivo?, afirma o assistente social Temis Okino. Os internos são avaliados diariamente.

Para ele, a velocidade dos resultados dos jovens se deve à dedicação da equipe e à possibilidade de se poder trabalhar com um número pequeno de internos. Através das aulas, eles lêem romances, como Aventuras de Guliver, e aprendem, além da interpretação, a fazer paralelos com a vida pessoal. C., preso por homicídio em Foz do Iguaçu e depois transferido para Londrina, diz que na unidade fica ?mais fácil pensar?. ?Mas minha atividade preferida ainda é jogar bola?, conta, lembrando que há poucas semanas teve a oportunidade de assistir a um treino do Atlético. (DD)

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